“Para que tenhais esperança”
Publicamos aqui a Mensagem que Bento XVI enviou por ocasião da abertura do Dia da Igreja Ecumênico, que se desenvolveu de 12 a 16 de maio em Munique da Baviera (Alemanha) e reuniu cristãos de diversas denominações e fiéis de outras crenças sobre o tema “Para que tenhais esperança”.
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Caros irmãos e irmãs em Cristo,
De Roma saúdo todos aqueles que estão reunidos na Theresienwiese em Munique para a celebração litúrgica de abertura do segundo Dia da Igreja ecumênico. Recordo com alegria os anos em que vivi na bela capital da Baviera, como arcebispo de Munique e Freising. Dirijo, então, uma saudação especial ao arcebispo de Munique e Freising Reinhard Marx, e ao Bispo regional luterano Johannes Friedrich. Saúdo todos os Bispos alemães e de muitos países do mundo e, de modo especial, os representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais e todos os cristãos que participam deste evento ecumênico. Saúdo também os representantes da vida pública e todos aqueles que estão presentes através do rádio e da televisão. A paz do Senhor ressuscitado esteja com todos vós.
“Para que tenhais esperança”: com este lema reunistes-vos em Munique. Num tempo difícil, quereis enviar um sinal de esperança para a Igreja e para a sociedade. Por isso vos agradeço muito. De fato, o nosso mundo precisa de esperança, o nosso tempo precisa de esperança. Mas a Igreja é um lugar de esperança? Nos últimos meses tivemos de nos confrontar repetidamente com notícias que nos querem tirar a alegria da Igreja, que a obscurecem como lugar de esperança. Como os servos do patrão da casa na parábola evangélica do reino de Deus, também nós queremos pedir ao Senhor: “ Senhor, não semeaste a boa semente no teu campo? De onde vem a cizânia?” (Mt 13,27). Sim, com a sua Palavra e com o sacrifício da sua vida o Senhor de fato semeou a boa semente no campo da terra. Ela brotou e continua brotando. Não devemos pensar somente nas grandes figuras luminosas da história, às quais a Igreja atribuiu o título de “santos”, deveras permeados de Deus, resplendentes a partir dEle. Cada um de nós conhece também as pessoas comuns, não mencionadas em jornal algum e não citadas em crônica alguma, que a partir da fé amadureceram chegando a uma grande humanidade e bondade. Abraão na sua apaixonada disputa com Deus, para poupar a cidade de Sodoma, obteve do Senhor do Universo a garantia que se houvessem nela dez justos não destruiria a cidade” (Cf. Gn 18,22-23). Graças a Deus, nas nossas cidades existem muito mais do que dez justos! Se hoje estamos um pouco atentos, se não olhamos só a escuridão, mas também o que é luminoso e bom no nosso tempo, vemos como a fé torna os homens puros e generosos e os educa para o amor. De novo: A cizânia existe também dentro da Igreja e entre aqueles que o Senhor escolheu para o seu serviço de modo particular. Mas a luz de Deus não desapareceu, a semente boa não foi sufocada pela semente má.
“Para que tenhais esperança”: Esta frase quer antes de tudo convidar-nos a não perder de vista o bem e os bons. Quer convidar-nos a sermos nós bons e voltarmos a ser bons sempre; quer convidar-nos a dialogar com Deus em favor do mundo, como Abraão, buscando nós mesmos, com verdadeira paixão, vivermos da justiça de Deus.
A Igreja é mesmo um lugar de esperança? Sim, porque nela se encontra sempre e de novo a Palavra de Deus, que nos purifica e nos mostra o caminho da fé. Isso é verdade porque nela o Senhor continua a dar-se a si mesmo, pela graça dos sacramentos, na palavra da reconciliação, nos múltiplos dons da sua consolação. Nada pode obscurecer ou destruir tudo isso. A partir disso devemos estar contentes no meio de todas as tribulações. Se falamos da Igreja como lugar da esperança que vem de Deus, então isso inclui também, ao mesmo tempo, um exame de consciência: “Que estou fazendo com a esperança que o Senhor nos deu? Deixo-me modelar verdadeiramente pela sua Palavra? Deixo-me transformar e curar por Ele? Na realidade quanta cizânia cresce dentro de mim? Estou disposta a arrancá-la? Sou agradecido pelo dom do perdão e estou disposto a perdoar e a curar ao meu redor, em vez de condenar?
Perguntemo-nos mais uma vez: O que é a verdadeira “esperança”? As coisas que podemos fazer sozinhos não são objeto da esperança, mas apenas um dever que devemos cumprir com a força da nossa razão, da nossa vontade e do nosso coração. Mas se refletimos sobre tudo aquilo que podemos e devemos fazer, então vamos perceber que não podemos fazer coisas maiores, que são atingidas somente como dom: a amizade, o amor, a alegria, a felicidade. Desejo observar ainda uma coisa: Todos nós queremos viver, e também a vida não podemos doá-la sozinhos. Quase ninguém, no entanto, hoje fala da vida eterna, que no passado era o verdadeiro objeto da esperança. Porque não se ousa crer nela, precisa esperar para obter tudo da vida presente. Colocar de lado a esperança na vida eterna leva à ansiedade por uma vida aqui e agora, que se torna quase inevitavelmente egoística e, por fim, permanece irrealizável. Exatamente quando queremos apoderar-nos da vida como uma fonte de bem, ela nos escapa. Mas voltemos atrás. As coisas grandes da vida, não podemos realizá-las nós; podemos somente esperá-las. A boa notícia da fé consiste exatamente nisso: existe Aquele que nos pode doá-las. Não estamos sozinhos. Deus está vivo. Deus nos ama. Em Jesus Cristo Ele se tornou um de nós. Posso dirigir-me a Ele e ele me escuta. Por isso, como Pedro, na confusão dos nossos tempos, que nos impelem a crer em tantos outros caminhos, dizemos-lhe: “Senhor, para quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna e nós acreditamos e conhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68).
Caros amigos, desejo a todos vós, que estais reunidos na Theresienwiese, em Munique, que sejais novamente revigorados pela alegria de poder conhecer Deus, de conhecer Cristo e pela certeza de que Ele nos conhece. É esta a nossa verdadeira esperança e a nossa alegria no meio das confusões do tempo presente.
Vaticano, 10 de maio de 2010
Papa Bento XVI
Fonte: ZENIT em italiano – 10.05.2010
Tradução: Pe. Raul Kestring