Catedral, 2.10.2011
“Seus olhos se abriram, e eles O reconheceram” (Lc 24,31)
Senhor, estamos aqui, nesta tarde, unidos em comunhão como Igreja diocesana de Blumenau e, antes de tudo, queremos Te agradecer pelas maravilhas que operaste entre nós, neste Ano da Liturgia com ênfase na Eucaristia.
Depois de termos caminhado com os discípulos de Emaús, depois de termos lido e rezado com a Tua Palavra, depois de termos sentado contigo à mesa da eucaristia, percebemos que as escamas dos nossos olhos começam a cair, e nos conscientizamos de que foi a cegueira do nosso egoísmo e comodismo que havia amarrado os nossos olhos.
Posso perguntar a Jesus: Com quem gostavas de sentar-te à mesa? Quem eram os teus convidados? Quem eram os que, como os discípulos de Emaús, tiveram o privilégio de sentarem-se à mesa, no teu banquete? Ele responderá: “Eu gostava de me sentar com os pecadores e os publicanos, os pecadores públicos. Eu entrava nas casas dos fariseus e uma vez tentei convidar todos para a refeição, mas se recusaram, então fui até às encruzilhadas e chamei para se sentarem comigo coxos, aleijados, cegos. No dia em que demonstrei para os meus amigos o sentido que a mesa tinha para mim, o pão repartido, o vinho oferecido, quando falei para eles que aquela era a minha vida doada, um após outro começou a sair e todos me traíram e me abandonaram. Um até me deu um beijo, mas era só para me entregar nas mãos dos meus algozes”.
Nós, que hoje nos sentamos à mesa da eucaristia, não somos diferentes dos homens e mulheres que se aproximaram dele, dois mil anos atrás; sentimos profundamente as nossas fraquezas, os nossos pecados, as nossas traições, as nossas lentidões na vivência da fé, e tudo isso nos deixa um pouco frustrados. Esse é o sentimento dos discípulos, relatado por Lucas: “Eles pararam com o rosto triste”. Essa é a tristeza que se apodera de nós, quando nos debruçamos sobre nós mesmos, sobre os nossos problemas, quando estamos preocupados somente com o que está à nossa volta, quando a nossa igreja fica voltada somente para dentro e acaba fechando as portas para o próximo, quando nos tornamos cegos diante da novidade do Evangelho.
Os discípulos, mesmo tendo escutado o relato das mulheres que foram ao túmulo, o qual encontraram vazio, mesmo tendo ouvido que os anjos disseram que Jesus estava vivo, mesmo tendo ouvido o testemunho de alguns dentre os apóstolos, que confirmaram o relato das mulheres, não acreditaram no que lhes havia sido relatado: essa é a verdadeira cegueira!
Jesus aponta uma solução para curar a nossa cegueira: a Palavra de Deus, que prepara o coração e abre a inteligência.
Essa solução nós tentamos adotar nos últimos anos: leitura orante da Bíblia: encontros, escolas bíblicas paroquiais e comarcais, catequese e Bíblia, liturgia e bíblia, grupos de reflexão e bíblia. A contemplação da Palavra nos fez descobrir o Verbo encarnado na eucaristia.
Neste Ano da liturgia com ênfase na Eucaristia enriquecemos e nos fortalecemos na fé, adorando Jesus presente em nosso meio, através de seu Corpo e Sangue. Mais um antídoto para a nossa cegueira. Será que teremos a ousadia dos apóstolos, de cear com Jesus e depois abandoná-lo? Será que a covardia ainda invadirá o nosso coração, levando o nosso carinho a Jesus eucarístico, para depois entregá-lo como fez Judas, por trinta moedas?
Teresa de Calcutá, uma santa dos tempos modernos, já deu a sua resposta a essa questão. Impelida pelo Espírito a procurar Jesus nas favelas de Calcutá, na Índia, entre os pobres mais pobres, entendeu que ela não teria dado conta humanamente de suas obrigações e estabeleceu para toda a congregação que as primeiras horas do dia fossem vividas eucaristicamente. Levantava-se às 4h da madrugada e ficava em adoração da eucaristia, até às 6h; depois saía para reconhecer Jesus nos pobres, nos moribundos, nos leprosos da sociedade. Uma vez perguntaram-lhe: “Como é que poderemos salvar os pobres? Eles são muitos no mundo, milhões…”. Madre Teresa, com muita simplicidade, respondeu: “Nós nunca conseguiremos salvar todos os pobres do mundo! Mas posso dizer o seguinte: eu vi um pobre no outro lado da rua que estava passando mal e fui até ele”. E assim tudo começou. E esse é o segredo: começar!
Podemos começar, no âmbito da Igreja de Santa Catarina, com algumas prioridades, metas a serem alcançadas, que gostaríamos de tomar como referência para os próximos três anos: a família, os jovens e as pastorais sociais. Acredito que nos próximos anos teremos vários desafios à nossa frente. Como salvar a família? Como aproximar os jovens da nossa Igreja? Como favorecer as pastorais que trabalham diretamente com os mais necessitados da nossa sociedade?
Não podemos esquecer os últimos fatos relativos às chuvas e às enchentes, em nossa Diocese, que colocaram à dura prova os nossos olhos. Como não enxergar em todas aquelas tragédias o rosto do Senhor? Como não reconhecê-lo presente e vivo naquelas famílias que tiveram que abandonar tudo, com medo de serem arrastadas pela correnteza das águas? A que cenas desoladoras nós tivemos que assistir! Nos vários abrigos, mães segurando os bebês no colo, pessoas dormindo no chão ou deslocadas de uma hora para outra, sem saber para onde ir; gente confusa por ter perdido todos os seus bens. A paróquia de Timbó, em nossa Diocese, a mais atingida, teve 5000 famílias afetadas pelas enchentes. Em certo momento, durante a minha visita a essas pessoas, imaginei estar assistindo a um espetáculo que reproduzia a família de Nazaré, que teve que fugir para o Egito. Pensei o quanto cada um de nós, lembrando essa família, pode ajudar as famílias em nosso meio, que hoje sofrem por conta da recente tragédia das águas. Ajudar ao menos uma delas, vendo nela o rosto de Jesus.
A imagem da Virgem de Aparecida, cuja réplica se encontra em nosso meio, nos ajude a lembrar esse rosto de Jesus em nosso irmão necessitado, a lembrar o amor que uma mãe tem para com seus filhos. Maria, mãe dos pobres, discípula e missionária, oriente os nossos passos, os nossos planos, os nossos programas, para que busquemos sempre mais a presença de seu filho Jesus .
Que o Espírito Santo que já falou à Igreja nos assista, os Santos Anjos da guarda que celebramos liturgicamente no dia de hoje nos iluminem para que possamos ser curados da nossa cegueira e reconhecer que quem está ao nosso lado e nos nossos caminhos é o próprio Cristo. Amém.
“Ele está no meio de nós, Ele está no mio de nós”.
Dom José Negri
Bispo Diocesano de Blumenau
Confira as fotos da Celebração Eucarística de Encerramento do 1º Congresso Eucarístico Diocesano de Blumenau: http://migre.me/5Pi5w