“A pregação de Jesus tem início com o sermão da montanha. Numa colina próxima de Cafarnaum, às margens do lago de Tiberíades, sentado, como era costume entre os mestres, Jesus anuncia às multidões o homem das bem-aventuranças. No Antigo Testamento, frequentemente se usava a palavra “bem-aventurado”, “feliz”, para exaltar a pessoa que cumpria, dos modos mais variados, a Palavra do Senhor.
Nas bem-aventuranças que Jesus anunciava, ressoavam, em parte, aquelas que os discípulos já conheciam; no entanto, pela primeira vez, eles ouviam dizer que os puros de coração não só eram dignos de subir ao monte do Senhor, como cantava o Salmo (cf. Sl 24[23],3-4), mas também podiam até mesmo ver a Deus. Qual seria, então, esta pureza tão sublime a ponto de merecer tanto? Jesus explicaria isso várias vezes no decorrer de sua pregação. Vamos procurar segui-lo para chegar à fonte da autêntica pureza.
“Felizes os puros no coração porque verão a Deus”.
Para Jesus, antes de mais nada, existe um meio excelente de purificação: “Vós já estais limpos por causa da palavra que vos falei” (Jo 15,3). Não são tanto as práticas de rituais que purificam a alma, mas a sua Palavra. A Palavra de Jesus não é como as palavras humanas. Cristo está presente nela, assim como, embora de outro modo, está presente na Eucaristia. Pela Palavra, Cristo entra em nós e, na medida em que a deixamos agir, torna-nos livres do pecado e, consequentemente, puros de coração.
A pureza, portanto, é fruto da Palavra vivida, de todas aquelas Palavras de Jesus que nos libertam dos chamados apegos, nos quais invariavelmente caímos, se não temos o coração fixo em Deus e nos seus ensinamentos. Podem ser apegos às coisas, às criaturas ou a nós mesmos. Mas se o coração está voltado somente para Deus, todo o resto perde interesse.
Para obter êxito nessa tarefa, pode ser útil repetir a Jesus, a Deus, durante o dia, a invocação do Salmo: “És tu, Senhor, o meu único bem” (cf. Sl 16[15],2). Experimentemos repeti-la frequentemente e, sobretudo, quando os diversos apegos ameaçarem arrastar o nosso coração para aquelas imagens, sentimentos e paixões que podem ofuscar a visão do bem e nos tirar a liberdade.
Somos levados a olhar certas publicidades, a assistir certos programas de televisão? Não. Digamos: “És tu, Senhor, o meu único bem”, e este será o primeiro passo que nos fará sair de nós mesmos, ao redeclararmos o nosso amor a Deus. Desse modo teremos crescido em pureza.
Percebemos, às vezes, que uma pessoa ou uma atividade se interpõe, como um obstáculo, entre nós e Deus, poluindo o nosso relacionamento com Ele? É o momento de repetir-lhe: “És tu, Senhor, o meu único bem”. Isso nos ajudará a purificar as nossas intenções e a reencontrar a liberdade interior.
“Felizes os puros no coração porque verão a Deus”.
A Palavra vivida nos torna livres e puros porque é amor. É o amor que purifica, com o seu fogo divino, as nossas intenções e todo o nosso íntimo, pois na linguagem bíblica, o “coração” é a sede mais profunda da inteligência e da vontade.
Mas, existe um amor que é um mandamento de Jesus e que nos permite viver esta bem-aventurança. É o amor mútuo entre pessoas que estão prontas a dar a vida pelos outros, a exemplo de Jesus. Esse amor – pela presença de Deus, o único que pode criar em nós um coração puro (cf. Sl 51[50],12) – cria uma corrente, um intercâmbio, uma atmosfera cuja nota dominante é justamente a transparência, a pureza. É vivendo o amor recíproco que a Palavra age com seus efeitos de purificação e de santificação.
A pessoa isolada não é capaz de resistir por muito tempo às solicitações do mundo, enquanto que, no amor mútuo, ela encontra o ambiente sadio, capaz de proteger a sua pureza e toda a sua autêntica existência cristã.
“Felizes os puros no coração porque verão a Deus”.
E é este o fruto dessa pureza, sempre reconquistada: pode-se “ver” a Deus, isto é, pode-se entender a sua ação na nossa vida e na história, ouvir a sua voz no coração, reconhecer a sua presença lá onde ela se encontra: nos pobres, na Eucaristia, na sua Palavra, na comunhão fraterna, na Igreja.
É saborear antecipadamente a presença de Deus, que já começa nesta vida, “caminhando pela fé e não pela visão” (2Cor 5,7), até o dia em que “veremos face a face” (1Cor 13,12) por toda a eternidade.
Chiara Lubich
(Este comentário à Palavra de Vida foi publicado originalmente em novembro de 1999.)