Jesus veio inverter uma ordem social e os últimos, os excluídos e os miseráveis tornaram-se os preferidos, os primeiros!
Texto: Padre Raul Kestring
Você já observou como anda, como se comporta, como fala, o que fala, uma pessoa sem esperança, desanimada, sem ver saída para sua situação ou para seus sonhos? Talvez até tenha passado momentos, períodos da sua vida e tenha experimentado a desesperança, a falta de motivação para viver, conviver, trabalhar, estudar, divertir-se.
Assim eram os pastores no tempo de Jesus. Considerados sujos (pouco tomavam banho), ladrões (na sua maioria roubavam facilmente), impuros pela lei farisaica (e quem deles se aproximava necessitava de purificação porque se tornava impuro também, nem podia entrar na igreja daquele tempo), pobres, excluídos. Uma classe, portanto, inferiorizada ao extremo!
E eis a surpresa! Eis o escândalo! O primeiro escândalo! Jesus vem inverter uma ordem social, onde os últimos, os excluídos, miseráveis, se tornam preferidos, primeiros! Veja só: ele faz seu primeiro anúncio da encarnação, dos eu nascimento a eles, os pastores. E faz isto com uma verdadeira festa. Um anjo anuncia-lhes: “Nasceu para vós um Salvador que é o Cristo Senhor!” Na sua rica narrativa do Natal, São Lucas descreve uma multidão de anjos subindo e descendo do céu e cantando: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos seres humanos por ele amados”. Em outras passagens, como a do filho pródigo, Lucas faz renascer a esperança a um filho desobediente, ingrato, viciado, mulherengo e esbanjador.
Aquele filho, tendo abandonado a casa paterna, gastado todos os seus bens, a herança que o pai lhe dera. Imagino aquele filho, na pior das misérias, voltando para casa. Com pouca esperança de ser acolhido pelo seu pai e sabendo que seu irmão era trabalhador, exigente, severo. E tinha até um bom tanto de razão para isso! Mas a esperança foi mais forte e ele chega até seu pai que, misericordiosamente lhe recuperou a dignidade, fazendo aquela festa! ´
Todos somos um pouco pastores – será poesia? Diz-se que ao apontar o erro dos outros com o dedo indicador da nossa mão, deixamos virados para nós três dedos! Pequena analogia pra dizer uma grande verdade: todos somos pecadores, limitados, temos misérias. Não nos justifica condenar os erros dos outros. Carecemos, nós igualmente da graça misericordiosa do Senhor para vivermos e construirmos a paz! Atentos: “Na lógica de Deus, os orgulhosos, arrogantes, “certinhos”, são por ele rejeitados. Os humildes, os pequenos, os servidores, os verdadeiramente próximos dos irmãos são agraciados e benditos (Não deixe de ler Lc 10,25-37, a parábola do bom samaritano).
Esperar contra toda esperança
Num mundo que facilmente nos rouba a esperança, atira- -nos na desilusão econômica, social, política. Até mesmo familiar, porque nos despoja do que é mais sagrado: uma família acolhedora, unida, permanente! No Brasil, em torno de 12 milhões de desempregados! Temos pena de alguém que diz não poder comprar uma roupa nova ou um chocolate para o Natal! Mas eles vivem assim, em penúria, durante todo o ano! E uma cesta básica vai aliviá-los por um dia! E depois? Deus é quem sabe! Onde está a justiça social, tão propalada por todo lugar?
Nossos rios estão morrendo! Nossas águas? – precisamos comprar para ingeri-las! Nossa mobilidade, urbana sobretudo, está próxima do caos!
Jesus se faz criança no seio de uma mulher pobre para nos dizer: Há esperança! Há soluções! Há saídas para os embrolhos da nossa existência! Diz Santo Agostinho: “Deus se fez ser humano para nos divinizar”! Paulo, “o primeiro depois do Único” – expressão de um famoso escritor, vai na mesma linha ao dizer: É preciso “esperar contra toda a esperança” (Rm 4, 18), isto é, quando não restar mais esperança alguma, ainda assim, vale a pena esperar. Esperar em quê, Senhor? Minha irmã, meu irmão, Deus é Pai e não um pai irresponsável. Jamais abandona um filho, uma filha! Os seus filhos o abandonam. Ele, não! Olha por todos e cada um e cada uma! Em qualquer situação em que se encontrem, mesmo em caminhos errados! Qual é o pai ou mãe humanos capazes de abandonar um filho? Só se por algum motivo, desequilibraram-se!
Papa Francisco diz: “O Apóstolo (Paulo) ensina que o homem é chamado a viver esta experiência, a ‘esperar contra toda esperança’; a acreditar no Deus que salva, que chama à vida e o tira do desespero e da morte“ (Audiência 4ª. feira, 29.03.2017).
A luz de Mateus
Termino com uma “pérola” do Evangelho de Mateus que, não escondo, tem sido para mim alento de vida, perseverança e alegria: “Não vivais preocupados dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir? Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus sabe que precisais de todas essas coisas. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,31-33).
Que os presentes, luzes, hinos, encontros, celebrações, neste Natal e Ano Novo, seja isso: momentos de partilha de esperança, fruto da fé, da confiança no Deus Conosco, da reconciliação entre nós! Não poderiam ser diferentes os meus votos natalinos a você, irmã, irmão de inquieta caminhada existencial!