Preocupa-me certas atitudes que denunciam a idiotice humana em plenos tempos pós-modernos. Das inumeráveis descobertas científicas e tecnológicas, particularmente do século XX – todas augustas filhas de Prometeu –, algumas delas, parece, estão na fase da puberdade, mas, ao invés de promover o amadurecimento dos que delas desfrutam, levam deveras à sua infantilização. Estou falando do celular, tão pequeno e inofensivo, incapaz de pensar sozinho, frágil e descartável, com uma reserva de energia que lhe dá vida bastante curta, porém, tão astuto, tal qual certa serpente falante duma mitologia bíblica.
Mas hoje não apenas Evas, também Adãos das mais diversas idades são iludidos por seu encanto sedutor e divino. Cultuam seu deus quadrilátero, tendo-o em suas mãos, obedecendo religiosamente às suas ordens: “Abra este vídeo. Amém! Envie esta mensagem. Amém! Você possui um milhão de curtidas! Amém! Como a uma ladainha, assista este gif. Amém! Finja importar-se com esta notícia. Amém! Se gostou, compartilhe e diga amém. Amém! 90% das pessoas não repassam…. não seja um deles. Amém! …e em cinco minutos um milagre vai acontecer. Amém! Amém! Amém!”
Falo isso depois de ter presenciado uma cena, dias atrás, em um consultório. Eu aguardava na sala de espera quando entrou um casal. Ele, suditamente, já trazia nas mãos o objeto de culto. Sentaram-se, e começou a liturgia. Durante todo o tempo em que compartilhamos a sala (quase uma hora) ele não tirou os olhos do altar às suas mãos. Cabeça encurvada, um par de viseiras invisível que não permitia desconcentrar-se da cerimônia, o dedo indicador indo e vindo para cima e para baixo, de um lado ao outro, comandado por uma mente hipnotizada por aquela “sessão de auto-destruição psicológica”, cujo deus ria-se da facilidade com que manipulava seu “fiel dizimista”. Como pensasse – imagino eu – que fosse o único religioso do local, não limitava aos seus ouvidos o som do coro das vozes angelicais que provinham de dentro do próprio deus, fazendo com que ecoassem por toda a atmosfera em volta, numa atitude de pouco respeito ecumênico para com os ateus daquela divindade que estavam em volta. Nunca senti tanta dó de um ser humano! Estava em “coma celular induzido”.
Eu falei que foi num consultório? Mas, pasmem vocês, não somente. Também no ponto de ônibus, no próprio ônibus, no intervalo da aula, durante a aula, na fila do banco, enquanto o sinal está fechado, na farmácia, na calçada, na esquina, na sala de visitas lá de casa, na praça, no shopping, à beira mar, antes da missa, depois da missa, em breve: durante a missa, no banheiro, no táxi, no aeroporto, nos relacionamentos, na família, no casamento, aqui… em todo lugar. Eu gostaria que este texto fosse uma mera crítica azeda e anti-tecnicista, mas trata-se de trágica constatação. Cuidado, estamos virando idiotas, eu vi. E, usando um trecho dos Sermões do padre Vieira, “os discursos de quem não viu são discursos; os discursos de quem viu são profecias”.
Padre Fernando Steffens
Vigário da Catedral São Paulo Apóstolo.