1ª Leitura: Ez 34,11-12.15-17
Sl 22
2ª Leitura: 1Cor 15,20-26.28
Evangelho: Mt 25,31-46
Com a solenidade de Cristo, Rei do Universo, encerramos hoje o Ano Litúrgico, no qual celebramos os principais mistérios de nossa fé. As leituras nos falam desse REI e do seu Reino. O Reino de Deus é uma realidade que Jesus semeou, que os discípulos são chamados a edificar na história e que terá o seu tempo definitivo no mundo que há de vir. A palavra de Deus da liturgia de hoje nos apresentam três aspectos da Realeza de Cristo:
Na primeira leitura aparece a imagem de Deus como Rei PASTOR escatológico (já que os pastores temporários, os reis de Israel, não prestam), para tomar conta do rebanho, cuidar das ovelhas enfermas e pronunciar o juízo entre ovelhas e bodes. O texto completo de Ez 34 (não lido na liturgia) traz ainda outros elementos que permitem compreender melhor a parábola do Último Juízo. Deus fará justiça entre ovelhas gordas e ovelhas magras (protetor dos fracos). Enfim, segundo Ez 34,23s, não é Deus pessoalmente, mas o Rei davídico messiânico que executará essas tarefas.
Ora, olhando para a 1ª leitura, notamos que essa compaixão gratuita, que é o critério do Reino, e, no fundo uma imitação daquilo que Deus mesmo faz. Assumindo a causa dos fracos – dos famintos, desnudos, presos etc. – mostramo-nos filhos de Deus, “benditos do Pai” (Mt 25,34). A tradição judaica atribui a Deus mesmo as obras que são aqui elencadas. De modo que podemos dizer: o Último Juízo será a confirmação definitiva da nossa participação na obra divina, desde já. Pois ser bom gratuitamente é o próprio ser de Deus: amor, misericórdia.
Na 2ª Leitura apresenta-se um Rei SOBERANO que descreve a total vitória de Cristo sobre todos os inimigos, inclusive a morte. Restaura assim a criação toda, pois, como o primeiro Adão entrou a morte na vida, no novo Adão é vitoriosa a ressurreição. Mas esta vitória não pertence a Jesus como propriedade particular. Tendo submetido tudo a si, ele o submeterá ao Pai, para que Deus seja tudo em todas as coisas, e seja abolido o que é incompatível com Deus. Cristo aparece, assim, não apenas como rei messiânico, mas cósmico e universal. Porém, não um rei triunfalista, pois seu Reino é baseado no dom de si mesmo. É o Reino do “Cordeiro” morto e ressuscitado, não dos lobos. É a antecipação da vitória final dos que se doam ao mínimo dos seus irmãos.
Chamar Jesus Rei do Universo significa que é ele quem dirige a História. Sua mensagem, selada pelo dom da própria vida, é a última palavra. A mensagem do amor fraterno gratuito, manifestado ao mais pequenos dos irmãos, é o critério que decide sobre a nossa vida e sobre a História.
O cerne desta liturgia é a parábola do Último Juízo (Mt 25,31-46), em que Cristo aparece como Rei JUIZ escatológico, Filho do Homem, pastor messiânico e rei do universo (evangelho). Neste evangelho de hoje, Jesus evoca essa imagem para falar do Juízo no tempo final. Ao mesmo tempo “rei” e “pastor”, o “Filho do Homem” vai separar os bons dos maus, como o pastor separa os bodes dos carneiros. E o critério dessa separação será o amor ao próximo, especialmente ao mais pequenino. Aliás, Jesus se identifica com esses pequenos. Conforme tivermos acudido e acolhido a esses, nas suas necessidades, Jesus nos deixará participar do seu reino para sempre – ou não.
A parábola de Jesus explica o critério do juízo final: as obras de solidariedade, feitas ou deixadas de fazer aos pobres, são que decidem da participação ou não-participação do Reino. Este critério não é expressamente “religioso”, relacionado com Deus como tal: os justos não sabem que os pobres representavam o Rei, eles não praticaram a misericórdia para impressionar o Rei, mas por pura bondade e compaixão para com o necessitado. Essa despretensiosa bondade, inconsciente de si mesma, é o critério para separar “ovelhas e bodes”, pessoas com amor e pessoas de mera força.
A bondade gratuita e pura revela-se quando nos dedicamos aos que não podem retribuir. É na doação ao “último dos homens”, o pobre, o marginalizado, o abandonado, que damos prova de uma misericórdia de tipo divino. Viver deve ser: assumir a causa dos que mais precisam. Deus mesmo faz assim. Este é o critério da eterna participação no senhorio de Deus e Jesus Cristo, seu filho predileto. Se somos “imitadores” de Deus já agora, podemos “aguentar” uma eternidade com ele (cf. oração final).
Entretanto, vivemos num mundo de pouca gratuidade. Até aquilo que deve simbolizar a gratuidade é explorado e comercializado (indústria dos brindes…). Esforçar-se por alguém ou por algo sem visar proveito parece um absurdo. Contudo, é isso que vence o mundo. É deste amor não interesseiro que Cristo pedirá contas na hora decisiva. Iremos para o céu não por aquilo que temos, mas por aquilo que damos, que fizemos aos outros.
Ora, olhando bem, descobrimos que esse amor gratuito existe no mundo. Mas por sua própria natureza, ele fica na sombra, age no escondido, produzindo, contudo, uma transformação irresistível e sempre renovada. Temos assim exemplos de pessoas individuais que optaram pelo amor gratuito, ou também de grupos que vencem a exclusão pelo modo solidário de viver. Evangelho é educar as pessoas para a caridade não interesseira e criar estruturas que a favoreçam (contra o consumismo, a competição exacerbada, o racismo e todas as formas de negação dos nossos semelhantes). Neste sentido, os humildes projetos de solidariedade não interesseira (visita a hospitais, asilos…, hortas comunitárias, escolas atendidas por voluntários etc…) são uma coroa para Cristo Rei, que hoje celebramos.