Deus sempre nos dá a oportunidade de renovarmo-nos por desafios possíveis.
Estamos dando hoje o 10º passo de um Programa de Vida que a Pastoral da Sobriedade apresenta, que nos leva ao encontro de um Jesus-Libertador, um Jesus-Vida. Para chegar até aqui, talvez no início tenhamos relutado em admitir nossas dependências. Tivemos de deixar de lado preconceitos, sentimentos de auto-suficiência e orgulho para procurar ajuda. Nesta caminhada fomos convidados a confiar e entregar a nossa vida a Cristo. Juntos, aprendemos mediante as experiências de outros irmãos que passam o mesmo dilema dos vícios. Foi necessário vencer o egoísmo, ter bastante humildade e honestidade para se conhecer, e aceitar os nossos defeitos, para que arrependidos, confessássemos os nossos pecados e pudéssemos renascer no Espírito como criatura nova. Assim, tivemos condições de reparar os nossos erros e pedir perdão para aqueles que prejudicamos, fosse moralmente ou financeiramente. Descobrindo esse novo caminho, pudemos professar a nossa fé, e vigilante, viver a sobriedade, a serenidade e a beleza de quem conquistou o equilíbrio; de quem conquistou, por meio da oração, a paz interior que antes não conhecia. Somos pessoas escolhidas e abençoadas que optaram pela decisão de trabalhar pela recuperação, não somente em causa própria, mas nos colocando a serviço do irmão.
O trecho do Evangelho de Lucas 4, 38-39, embora pequeno, quer-nos dizer muito. Quando fala que Jesus saiu da Sinagoga e foi à casa de Simão, e lá encontrou sua sogra doente, fica claro que na Sinagoga Ele estava falando à comunidade, num grande grupo e que depois se dirigiu a um grupo menor, mas não menos importante, que é a família, na casa de Simão, e lá se reportou a uma pessoa que era a sua sogra. Jesus se desloca em todas as direções para que possamos Lhe ouvir. Ele não deixa ninguém de fora, principalmente se precisamos Dele. Ele está na comunidade, está na família, vai ao encontro de quem o busca.
Em outro contexto, e aqui vamos compreender melhor o valor familiar que é atribuído às sogras, naquele período, elas tinham papel importantíssimo dentro do grupo familiar, pois sendo a mulher mais velha, tinha o compromisso de auxiliar seus filhos, agregados aí nora e genro, na recepção, acolhida e afazeres domésticos. Era papel da sogra orientar e servir este novo casal, ensinando os hábitos e comportamentos dessa nova vida a dois, como também na chegada dos filhos, seus netos. Era a sogra quem tinha o compromisso de garantir a educação e apoio moral na criação dos seus sucessores. Esta era uma obrigação instituída pela sociedade da época. Talvez essa seja a razão pela qual se fazem tantas piadas pejorativas de sogras nos dias de hoje, por não se compreender que este papel já fora uma condição social e de muita significação. Os anciãos, diferentemente dos dias atuais, eram as pessoas mais consideradas, pois somavam experiências e sabedorias. Estavam além dos anseios de jovem e eram considerados pelas atitudes e pensamentos. Todos da família deveriam acatar o que era dito pelos seus anciãos.
A partir dessa interpretação, voltemos à leitura onde a sogra de Simão encontra-se acamada. Impossibilitada de cumprir as suas funções pede que Jesus a cure. Ele lhe socorre em seu momento difícil, toma-lhe pela mão e a faz levantar-se. Isso significa a restauração da saúde de sua vida. Ela estava convalescendo e poderia vir a morrer, pois naquela época não se tinha recursos nem tratamentos tão rápidos quanto hoje. Jesus a trouxe à vida, e assim restabelecida, pôde voltar a realizar seus afazeres. E o primeiro deles foi servir a Jesus, não apenas cumprindo o seu papel, em gratificação pela cura que Ele realizou nela.
Esta representação nos chama a atenção para o fato de que estamos aqui em busca de uma cura, em busca de um milagre, em busca de uma vida melhor, de uma vida sensata e coerente, uma vida de paz e tranqüilidade no seio familiar. Jesus é capaz de sair da comunidade porque não estávamos seguindo os seus princípios e chega aos nossos ouvidos através da fala de alguém que se propõe a nos ajudar. Entra em nossa casa, chega aos nossos ouvidos, toca o nosso coração, afirma que pode nos ajudar. É preciso que queiramos a cura dessas nossas doenças, desses nossos males. É preciso que queiramos nos livrar dos nossos erros, dos nossos vícios. Quando somos convidados a levantar não devemos ter receios. Mas uma vez de pé, devemos assumir as nossas obrigações.
Quais seriam então essas obrigações? A primeira delas é tomar para si todos os nossos compromissos que deixamos de lado quando caímos doente, quando cegos, não enxergamos como deveríamos agir. É mudar as nossas atitudes e sermos fiéis e comprometidos com a nossa família, com a nossa comunidade, segundo as orientações do Senhor. É assumirmos integralmente o nosso papel familiar, seja de pai/mãe, seja de esposo/esposa, seja de filhos… Esse é um papel básico, de orientação moral e educacional. Se entendemos que as sogras comprometem de forma destorcida a educação que queremos dar aos nossos filhos, como muitos pensam, devemos então nós mesmos arcar com a responsabilidade plena e total dessa educação.
Se nos achamos auto-suficientes para dar conta dessa demanda, porque será que as escolas precisam ensinar nossos filhos a escovarem os dentes? Porque será que na catequese tem tanta criança que sequer sabe fazer o sinal da cruz? Porque será que as creches estão tão superlotadas? Cedo ou tarde pagamos pela nossa arrogância. Vamos aceitando os hábitos culturais sem questionarmos as consequências. Estamos abraçando esse corre-corre diário porque não queremos refletir sobre os nossos reais compromissos com nossos familiares. As consequências dessas faltas de atitude são inevitáveis e provavelmente nós já estamos sofrendo alguma delas. Cabe-nos, antes de tudo, avaliarmos as condições da nossa família e entendermos o que acontece com ela enquanto estamos prostrados na cama, moribundos, inertes, sem coragem de assumir o nosso papel, porque nos deixamos adoecer ou porque preferimos manter-nos convalescentes, vítimas, lamentando-nos, ao invés de aceitar a cura, a salvação das nossas doenças.
Falamos da nossa primeira obrigação, que é assumirmos o nosso compromisso, retomando a nossa caminhada de vida nova. A segunda se remete justamente a maneira como nós vamos assumir esse novo projeto de vida. Que instrumentos vamos utilizar? Ora, se buscamos no Senhor a recuperação, é preciso que nos mantenhamos sob a Sua guarda para não cairmos em tentação novamente. Se aceitamos a conversão é porque aceitamos o chamado à vida e esta é uma experiência marcante e decisiva, pois muda completamente a nossa trajetória. Já não seremos com antes: frágeis, indisciplinados, covardes, moribundos…
Servir à família, através dos nossos compromissos é uma questão de obrigação. Servir ao Senhor requer desejo e preparação. A mente e o coração devem estar harmonizados em um mesmo ritmo, as atitudes devem acompanhar os testemunhos de fé. É preciso que nos preparemos para servir ao Senhor. É preciso que, assim como a sogra de Simão, tenhamos em nós as habilidades de acolher a Cristo com humildade, com sabedoria, com dedicação e zelo. Se fomos ao Seu socorro e Ele nos curou, agora devemos dedicar nossos afazeres em Sua intenção. E podemos começar a princípio por aqueles a quem amamos que é a nossa família. Deus sempre nos dá a oportunidade de renovarmo-nos por desafios possíveis. Ele nos quer bem e vai nos possibilitar a cura e um dos remédios é a oração, paciente e contínua, determinada a envolver e converter o seio familiar.
Quanto ao tempo, apenas dediquemo-nos aos afazeres com alegria. Muitos argumentam que os dias são difíceis e há pouco tempo para realizar as próprias coisas, que dirá, se dar ao trabalho de se lançar a outros desafios que não sejam em causa própria. Se prestarmos atenção, em geral, as pessoas que servem a Deus têm vários outros compromissos e dão conta do recado, enquanto que boa parte de quem está à toa, nunca tem tempo para viver uma entrega plena. Quem serve ao Altíssimo não é melhor que os outros, mas certamente faz escolhas mais direcionadas, mantém o foco em atitudes coerentes e consegue aproveitar melhor as horas de seus dias.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau