O bispo diocesano de Blumenau, Dom Rafael Biernaski, presidiu a Missa de Exéquias de Frei Edgar no dia 28 de setembro de 2015, às 9h, no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, Blumenau, e convidou o Definidor da Província Franciscana da Imaculada Conceição, Frei Germano Guesser, para fazer a reflexão:
Eis a íntegra desta reflexão:
“Veremos a Deus face a face e seremos semelhantes a Ele” (1Jo 3,2)
Soubemos do falecimento de Frei Edgar no sábado à noite, quando estávamos na ordenação presbiteral de um jovem frade franciscano: Frei Douglas Paulo Machado. Enquanto um confrade se encontrava com a Irmã Morte e se despedia de sua fraternidade, outro confrade era acolhido no presbiterato pelos seus confrades.
Frei Edgar partiu também num outro momento histórico para nós, frades franciscanos. Há 25 anos, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, como um gesto de gratidão aos missionários alemães pelos 100 anos de presença franciscana no Brasil, resolveu retribuir criando uma frente de missão em Angola, na África. Neste domingo, nós celebramos esse Jubileu de Prata da presença franciscana brasileira em Angola. Um gesto de gratidão, como disse. “Pagamos” os missionários alemães, que deixaram sua terra para se dedicarem de corpo e alma neste trabalho missionário no Brasil, nos dedicando aos irmãos africanos. Lá de Angola, o Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel, enviou-me a seguinte mensagem via celular: “Frei Germano, acordei nesta manhã lendo a notícia do falecimento de Frei Edgar. Nossa solidariedade e comunhão com a Fraternidade de Blumenau. Na nossa Missa de Ação de Graças pelos 25 anos da Missão e Profissão solene de Frei João Baptista Canjenjenga, incluiremos nossas orações pelo descanso eterno de Frei Edgar”.
Por que eu falo isso? Porque Frei Edgar faz parte deste grupo de missionários que deixou sua casa, família, país, irmãos, para morar no Brasil. Ele entendeu o Evangelho de Marcos, capítulo 10, versículo 28: “Em verdade vos digo: todo aquele que deixa casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos e campos, por causa de mim e do evangelho, recebe cem vezes mais agora, durante esta vida – casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições –, e no mundo futuro, vida eterna”. E vocês aqui são a prova disso…
Frei Edgar vem de uma família muito religiosa. Segundo ele conta, havia um padre e duas religiosas. Mas o que mexeu com ele foi o testemunho dos franciscanos que visitaram a sua cidade quando ainda era jovem. “Eles me inspiraram”, contava. Frei Edgar era ainda um jovem quando deixou sua cidade Osnabrück, no Norte da Alemanha, a 100 quilômetros da cidade de Hamburgo, para ser missionário no Brasil.
Em 19 de dezembro de 1957, ele era admitido no Noviciado de Rodeio, onde iria fazer a sua profissão temporária na Ordem Franciscana no dia 20 de dezembro de 1958, portanto, ele tinha 56 anos de vida franciscana.
Com seu sotaque alemão, que nunca perdeu, Frei Edgar era um homem simples e muito trabalhador. Conheceu os horrores da guerra, pois era ainda adolescente durante a Segunda Guerra Mundial. Ele contava que sua cidade chegou a ser destruída pelos ingleses. “Vivíamos em abrigos”, recordava, mas não eram só os bombardeios que causavam medo. A Polícia de Hitler também, a famosa Gestapo. Ele gostava de contar uma passagem que marcou muito a sua vida. Uma vez, a Polícia parou em frente a sua casa no momento que sua mãe estava fazendo pão. As famílias, naquela época, não podiam ter símbolos religiosos em suas casas. Quando eles chegaram, minha mãe viu a Bíblia aberta na mesa, pois tinha pego para ler um pouco para nós. Então, ela enrolou a Bíblia no pão e colocou no forno. Os policiais sentiram cheiro de pão e disseram que ficariam para comer, mas graças a Deus desistiram e até hoje minha irmã tem a Bíblia. “O pão da vida não é realmente só o que comemos. Essa Palavra de Cristo durante a guerra nos deu muito alento”.
Esse sofrimento na guerra ensinou Frei Edgar a ser solidário, como ele conta. “A comida era limitada durante a guerra. Cada família tinha uma carteira que tinha os alimentos essenciais para viver. Se não andássemos na linha, eles tiravam a comida, ou seja, ameaçavam contra o maior bem nosso: a sobrevivência. Muitas vezes a gente se revoltava contra a Gestapo. Eles não respeitavam os limites familiares”, recordava.
Essa carência fazia com que as famílias trocassem alimentos, fossem solidárias. Foi assim que Frei Edgar se criou e entrou para a vida religiosa. De porte físico alto e forte, ele era um bom coração. Humano e muito trabalhador.
É de todos muito conhecida a história do ladrão que ele regenerou em São Paulo. Um dia, voltando de um encontro com cursilhistas, quando era guardião do Convento São Francisco em São Paulo, viu a luz do coro acesa e uma pessoa lá. Tirou os sapatos para não fazer barulho e viu que era um ladrão tirando com arame e um chiclete na ponta as notas de um cofre que ficava nos pés da imagem de Santo Antônio. Segundo Frei Edgar conta, deu-lhe uns pontapés e levou vários cortes com um estilete. Chamou a polícia e o ladrão foi preso. Contou que roubava para pagar o aluguel. Mais tarde, com D. Paulo Evaristo Arns, um dia foi visitar os presos do Carandiru, a prisão que hoje não existe mais e que todos conhecem por causa da chacina que houve ali. Pois bem, nesta visita, Frei Edgar viu o ladrão que mandou prender. Quando ele o viu, jurou matá-lo, mas, segundo Frei Edgar, não se impressionou. Com o tempo, já cansado, o ladrão pediu ajuda e Frei Edgar procurou promotores, desembargadores e como diz – moveu céus e terra – para tirá-lo da cadeia. E conseguiu. Mas quando o ladrão saiu, Frei Edgar se viu diante de um problema. E agora, o que fazer? Foi então que teve a ideia de pegar um dinheiro que recebeu de sua família quando fez 25 anos de padre. Comprou um Fusca para “o ladrão” trabalhar como taxista. Quando ia para São Paulo, ele me buscava onde quer que fosse. Ele se regenerou e depois comprou outro carro… Era uma pessoa boa.
Frei Edgar deu seu sim definitivo à Ordem dos Frades Menores no dia 2 de fevereiro de 1962 e era ordenado presbítero em 14 de dezembro de 1963, portanto hoje com 51 anos de sacerdócio. O bispou que ordenou Frei Edgar foi D. Quirino Schmidt, bispo de Teófilo Otoni, também um confrade nosso alemão. Muito querido pelos frades e amado pelo povo. No seu livro “Pastor inquieto” ele conta o quanto Frei Edgar se dedicava como guardião. “Basta dizer que o guardião Frei Edgar foi praticamente meu enfermeiro. Já o conhecia, pois, havia trinta e seis anos eu o ordenara sacerdote em Petrópolis. Para celebrar, ele me levava de cadeira de rodas”, conta D. Quirino, quando teve de fazer uma cirurgia no Rio por causa de uma veia que estourou nas pernas e Frei Edgar era o guardião do Convento Santo Antônio.
Depois de um estágio pastoral no Convento do Rio, quando foi ordenado, ele foi morar em Bauru, onde está a nossa Fraternidade Santo Antônio. Depois de três anos, foi nomeado guardião do Convento São Francisco em São Paulo, onde ficou por oito anos. Mas um novo desafio apareceu para ele: trabalhar na Universidade São Francisco em Bragança Paulista. Na época era Faculdade São Francisco. Ali passou seis anos até voltar para o Rio de Janeiro como guardião, onde ficou treze anos até ser transferido para Blumenau, em 1995, sua última morada. Frei Edgar confessava com gosto que adotou o Brasil por sua pátria. Dizia recentemente em entrevista à TV Blumenau: “Eu quero ser feliz e ajudar na felicidade do outro”.
Frei Edgar, muito obrigado! Você ajudou e fez muita gente feliz!
Frei Germano Guesser, OFM