Este é o crachá, o sinal de reconhecimento, a caraterística típica dos cristãos. Ou, pelo
menos, deveria sê-lo, porque Jesus pensou que a sua comunidade seria assim.
Um fascinante escrito dos primeiros séculos do cristianismo, a Carta a Diogneto, refere
que «os cristãos não se distinguem das outras pessoas, nem pelo território, nem pela
maneira de falar, nem pela maneira de vestir. De fato, não vivem em cidades especiais,
não usam qualquer linguagem estranha, nem adotam nenhuma maneira especial de
viver». São pessoas normais, como todas as outras, mas têm um segredo que lhes permite
influenciar profundamente a sociedade, tornando-se a sua alma (cf. cap. 5-6).
Trata-se de um segredo, que Jesus confiou aos seus discípulos, pouco antes de morrer.
Como os antigos sábios de Israel, como um pai para com o seu filho, também Ele,
Mestre da sabedoria, deixou como herança a arte de saber viver e de viver bem. Arte
que Ele aprendera diretamente do Pai − «Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi do meu
Pai» (Jo 15,15) − como fruto da sua experiência de relação com Ele, e que consiste no amor
recíproco. Esta é a sua última vontade, o seu testamento, a vida do Céu que Ele veio
trazer à Terra, partilhando-a conosco para que se torne a nossa própria vida.
Ele quer que a identidade dos seus discípulos seja esta e que sejam reconhecidos como
seus discípulos pelo amor recíproco:
«Por isto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
Os discípulos de Jesus são reconhecidos pelo amor recíproco entre eles? «A história
da Igreja é uma história de santidade», escreveu João Paulo II. Todavia, ela «regista também
bastantes vicissitudes que constituem um contratestemunho do cristianismo»
(Incarnationis Mysterium, 11). Durante séculos, os cristãos travaram, em nome de Jesus,
guerras intermináveis, e hoje permanecem divididos entre si. Para muita gente, os cristãos
continuam a estar associados às Cruzadas, aos tribunais da Inquisição, ou são considerados
os defensores acérrimos de uma moral antiquada, que se opõem ao progresso
da ciência.
Isto não acontecia com os primeiros cristãos da nascente comunidade de Jerusalém. As
pessoas eram admiradas pela prática da comunhão dos bens, pela unidade que reinava
entre elas, pela «alegria e simplicidade de coração» que as caracterizava (cf. At 2,46). «O
povo enaltecia-os», lê-se nos Atos dos Apóstolos, e, em consequência disso, todos os
dias «aumentava o número de homens e mulheres que acreditavam no Senhor» (At 5, 13-14).
O testemunho de vida desta comunidade tinha uma forte capacidade de atração.
Porque é que hoje em dia nós já não somos conhecidos como aqueles que se distinguem
pelo amor? O que fizemos do mandamento de Jesus?
«Por isto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
Na tradição católica, o mês de outubro é dedicado à “missão”, à reflexão sobre o mandato
de Jesus de ir por todo o mundo anunciar o Evangelho, bem como ao apoio e
oração por aqueles que se encontram na primeira linha. Esta Palavra de Vida pode ser
uma ajuda para que todos nós ponhamos em evidência a dimensão fundamental do
anúncio cristão. Não se trata de impor a fé, nem de fazer proselitismo, nem sequer de
ajudar interesseiramente os pobres para que se convertam. Também não é só a defesa
exigente dos valores morais, ou uma firme tomada de posição perante as injustiças e as
guerras, embora sejam deveres que um cristão não pode ignorar.
O anúncio cristão é, acima de tudo, um testemunho de vida que cada discípulo de
Jesus deve oferecer pessoalmente: «O homem contemporâneo escuta mais facilmente
as testemunhas do que os mestres» (Evangelii nuntiandi, 41). Até aqueles que são contra
a Igreja ficam muitas vezes impressionados com o exemplo de quem dedica a sua vida
aos doentes e aos pobres, disponibilizando-se a deixar o seu país e ir para as periferias
para oferecer ajuda e proximidade aos últimos.
Mas o principal testemunho que Jesus exige é o de uma comunidade inteira que
manifeste a verdade do Evangelho. Esta será a prova de que, a vida que Ele veio trazer,
pode realmente gerar uma nova sociedade, onde se vivem relacionamentos de autêntica
fraternidade, de ajuda, de serviço mútuo, de atenção comunitária às pessoas mais
frágeis e necessitadas.
A vida da Igreja já conheceu testemunhos assim: as aldeias indígenas criadas pelos
Franciscanos e pelos Jesuítas na América do Sul, os mosteiros em torno dos quais surgiram
cidades. Também atualmente há comunidades e movimentos eclesiais que dão
vida a “cidadelas de testemunho”, onde se podem ver os sinais de uma sociedade nova,
fruto da vida evangélica e do amor recíproco.
«Por isto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
Se vivermos entre nós aquela unidade pela qual Jesus deu a sua vida, também nós
podemos − sem precisarmos de sair dos locais onde vivemos, nem de nos afastar das
pessoas que conhecemos − criar uma nova maneira de viver, semeando ao nosso redor
os germes de esperança e de vida nova. Qualquer família que renove todos os dias a
vontade de viver concretamente o amor recíproco, pode tornar-se um raio de luz no
meio da indiferença generalizada, tanto no próprio condomínio, como entre a vizinhança.
Uma “célula de ambiente” − isto é, duas ou mais pessoas que se põem de acordo
para atuar com radicalidade as exigências do Evangelho, no seu âmbito de trabalho, na
escola, no sindicato, nos escritórios administrativos, numa prisão… − poderá quebrar a
lógica da luta pelo poder e criar um clima de colaboração, levando ao despertar de uma
inesperada fraternidade.
Não era assim que faziam os primeiros cristãos no tempo do império romano? Não
foi assim que conseguiram difundir a novidade transformadora do cristianismo? Hoje,
somos nós os “primeiros cristãos”, chamados como eles a perdoar-nos, a ver-nos sempre
novos, a ajudarmo-nos reciprocamente. Numa palavra, a amarmo-nos com a intensidade
com que Jesus nos amou, na certeza de que, a Sua presença no meio de nós, tem a
força de englobar também outros na lógica divina do amor.
Fabio Ciardi