Visitando a galeria de retratos das mulheres do Novo Testamento, aí encontramos Jesus. Cada retrato conta a história de uma relação.
No Evangelho de Marcos, o corpo de Jesus recebe uma atenção especial. Uma mulher derrama um perfume precioso sobre a sua cabeça (Cf. Mc 14,9). O gesto da mulher de Betânia, lido pelos presentes num registro utilitário e “calculista”, provoca irritação pela audácia e pelo desperdício. Jesus, ao contrário, acolhe e louva, com doce emoção, a generosa gratuidade do gesto; deixa-se tocar no seu corpo e não permite que o gesto de sublime afeição da mulher seja lido num registro banal.
Marta e Maria, duas irmãs (Lc 10,38-40a) – Marta atarefa-se no acolhimento a Jesus, enquanto Maria contempla e escuta. Marta cumpre os deveres da hospitalidade, enquanto Maria assume uma atitude surpreendente e inusual, característica do discípulo: sentada aos pés do mestre, escutando com atenção. Ela é, certamente, conhecedora das obrigações domésticas, mas na sua relação com Jesus prevalece a atitude de discípula: à escuta da palavra do mestre. Jesus aprecia o serviço hospitaleiro de Marta – que encarna o papel exigido às mulheres judias na época –, mas louva a atitude de Maria, que se distancia do padrão de comportamento expectável.
Conta S. João que levaram junto de Jesus uma mulher apanhada em adultério (Jo 8,3-6). Só a mulher é acusada. Ao homem – deveria ter havido pelo menos um – não é feita qualquer referência. Esta era a sensibilidade da época. Jesus não vai entrar no jogo dos homens que acusam a mulher adúltera; ele não é um juiz ou um zelador da moral e dos bons costumes. Diante de tão grave situação, não “fala de alto”, nem toma partido. Com uma surpreendente pedagogia, inclina-se, escrevendo na terra com o dedo. Deixa aos presentes a iniciativa na condenação e no castigo; aquele que nunca pecou… atire a primeira pedra. Os acusadores partiram; ficou Jesus e a mulher. Jesus não vira as costas à “pecadora”; fala com ela, devolvendo-lhe o direito à palavra, libertando-a do estatuto de mero “objeto de acusação” a que os escribas e os fariseus a haviam reduzido. Jesus não a condena, antes lhe aponta um futuro de vida nova ainda possível: “Vai”. Aquele lugar de condenação transformou-se em lugar de libertação.
De S. Lucas recebemos a informação de que os Doze e também algumas mulheres – Maria Madalena, Joana e Susana – acompanhavam Jesus através das cidades e dos povoados (Lc 8,1-3). Esta referência às mulheres que acompanham Jesus é bem representativa da Sua “surpreendente liberdade”, que rompe claramente com o que na época seria admitido, do ponto de vista social e religioso. As mulheres não haviam sido explicitamente chamadas a seguir o Mestre, como o foram os Doze. Mas elas estão lá: caminheiras, próximas, olhadas, escutadas, consideradas, acolhidas, tratadas com respeito e afeição. Estão lá, até à cruz.
Maria Madalena, aquela que na Idade Média vai ser chamada apóstola dos apóstolos, será a primeira a visitar o túmulo do seu Senhor morto; mas, Ele não está lá; ressuscitou e apareceu-lhe. O ressuscitado “envia-a em missão”: contar aos discípulos que o Mestre está vivo. Eis uma mulher, Maria Madalena, lá, primeira nos albores da fé cristã, precedida apenas por Maria, a mulher de Nazaré, no seio de quem Jesus, o Filho de Deus, foi gerado homem.
Maria – presença discreta, ícone da disponibilidade e do dom – gera um filho para o mundo. O Filho doa a sua mãe ao mundo. No seu calvário, envia-a em missão: ser mãe do mundo. Maria, mãe de Jesus e mãe nossa. Maria, primeira discípula de Jesus. Mãe, discípula do Filho até à cruz, onde, mãe do Filho, se torna mãe da Igreja e discípula na Igreja.
As mulheres de Jesus não são as suas mulheres; a nenhuma retém; nenhuma ignora; com nenhuma se prende; a todas ama; para todas tem uma palavra que cura, que salva, que liberta, que perdoa, que lhes reconhece o direito à palavra; a todas acolhe: nos gestos extravagantes da mulher de Betânia, na humilhação da mulher adúltera, na azáfama de Marta, na escuta atenta de Maria, no amor possessivo de Maria Madalena e no amor oblativo de Maria, Sua mãe.
Hoje, como ontem, que mulher resistiria ao encanto todo humano e todo divino de um tal Jesus Cristo?
Isabel Varanda, Faculdade de Teologia da UCP