O que é e sobre o quê se funda a tradição da Indulgência, cujos abusos escandalizaram Martinho Lutero? Que significado tem hoje?
Andrea Torinelli – Cidade do Vaticano
“Confiamos desde já este Ano à Mãe da Misericórdia, para que volva para nós o seu olhar e vele sobre o nosso caminho: o nosso caminho penitencial, o nosso caminho com o coração aberto, durante um ano, para receber a indulgência de Deus, para receber a misericórdia de Deus”. Com estas palavras, sexta-feira, 13 de março, Francisco concluiu a homilia da celebração penitencial, durante a qual anunciou o novo Jubileu extraordinário dedicado à misericórdia. A última frase, com a citação da “indulgência” foi acrescentada a mão. A indulgência plenária é tradicionalmente ligada ao Ano Santo.
Não é a primeira vez que Francisco a cita. No dia 3 de junho de 2013, o Papa Bergoglio havia anunciado a indulgência plenária para os jovens que tivessem participado do encontro do Rio do Janeiro da última semana de julho. E no decreto da Penitenciária apostólica se introduzia esta novidade: ”Os fiéis legitimamente impedidos de estar no Rio poderão obter a indulgência plenária, pois seguem estes mesmos ritos através dos novos meios da comunicação social”. Obviamente, sem nada de mecânico, e a condição de confessar-se e comungar. Uma outra indulgência plenária foi anunciada pelo Papa no dia 25 de março de 2014, em vista do Sínodo sobre a família, concedida a quem, em espírito de penitência e sincero arrependimento dos pecados”, tivesse visitado, “em forma de peregrinação o Santuário de Loreto e os lugares de culto lauretano existentes no mundo católico”, recitando a Oração à Sagrada Família, composta para o sínodo pelo mesmo Pontífice.
Embora muita teologia moderna olha com não pouca consideração as indulgências, na base deste ato da Igreja existe uma lógica do dom, e da colocação em circulação dos “bens” em favor de quem está mais em dificuldade. Eis um pequeno “vademecum” sobre indulgências, fundamentado num documento doutrinal de Paulo VI e no Catecismo da Igreja católica.
O que é a indulgência?
“A Indulgência é a remissão diante de Deus da pena temporal pelos pecados já perdoados quanto à culpa (isto é, para os quais já se obteve a absolvição confessando-se, ndr), remissão que o fiel, devidamente disposto e sob determinadas condições, adquire por intermédio da Igreja que, como administradora da redenção”, com a sua autoridade “dispensa e aplica o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos”. A indulgência é parcial ou plenária conforme liberte em parte ou totalmente da pena temporal devida pelos pecados’. Isto estabelece Paulo VI no “Indulgentiarum doctrina” (“A Doutrina das indulgências”), de 1967. A indulgência é, portanto, um ato de jurisdição da Igreja e permite ao fiel batizado que se tenha confessado, comungado e realizado as obras prescritas, de extinguir também a dívida da “pena temporal”.
O que é a “pena temporal”?
O pecado tem duas consequências. A primeira é a separação de Deus, é a pena eterna, isto é o inferno. E esta fica cancelada cada vez que nos confessamos e somos readmitidos ao estado de graça e à comunhão com Deus. Mas todo pecado, também aquele venial, provoca o que o Catecismo da Igreja católica define como “o apego desregrado às criaturas” que tem necessidade de purificação e acarreta uma pena temporal, a que se pode (é preciso sublinhar “se pode”, porque nós não estamos em condições de sabe-lo) ainda ser obrigado mesmo que tenha sido perdoado das culpas na confissão. “Se eu ofendo alguém e depois quero me reconciliar com ele, – explicava o então patriarca de Veneza Albino Luciani em 1973 – devo dar-lhe uma satisfação. Isto implica num abaixamento e em alguma pena minha. Acontece assim entre nós, homens, acontece assim também com Deus; e nós, católicos, tememos que tendo apagado o pecado, Deus não cancele toda a pena devida, no caso de o arrependimento do pecador ter sido imperfeito”. Esta segunda consequência do pecado, isto é, a pena temporal, pode ser descontada sobre a terra com voluntárias orações e penitencias, com obras de bem e com a aceitação dos sofrimentos e das provas da vida. Ou também pode ser descontada do outro lado, no Purgatório. A pena temporal não é uma vingança imposta por Deus, mas deriva da própria natureza do pecado cometido.
Por qual força a Igreja dispensa as indulgências?
Ela o faz através de seu único e verdadeiro tesouro, isto é, os méritos de Jesus Cristo, de Nossa Senhora e dos santos. Na comunhão dos santos, “entre os fiéis que já chegaram à pátria celeste ou que estão expiando as suas culpas no Purgatório, ou que ainda são peregrinos sobre a terra, existe certamente um vínculo de caridade e um abundante intercâmbio de todos os bens”, escreve Paulo VI. Neste intercâmbio de bens, a santidade de um ajuda os outros. O recurso à comunhão dos santos permite ao pecador ser purificado com mais rapidez e mais eficientemente das penas do pecado. Quem tem menos é ajudado por quem tem mais. A Igreja dispensa as indulgências em virtude do poder de ligar e desligar confiado por Jesus a Pedro. O poder que a Igreja tem de conceder as indulgências foi confirmado pelo Concilio de Trento. “A Igreja – escrevia João Paulo II na bula de instituição do Jubileu do ano 2000 – tendo recebido de Cristo o poder de perdoar em seu nome, é no mundo a presença do amor de Deus que se inclina sobre cada humana fraqueza para acolhe-la no abraço da sua misericórdia. É precisamente através do ministério da sua Igreja que Deus expande no mundo a sua misericórdia mediante aquele precioso dom que, com nome antiquíssimo é chamado indulgência”.
Que diferença existe entre a indulgência parcial e a indulgência plenária?
Com a indulgência plenária se obtém a remissão de toda a pena temporal dos pecados já perdoados em confissão. Com a indulgência parcial se obtém a remissão de uma parte da pena temporal. Um tempo atrás a indulgência parcial vinha quantificada: existiam indulgências de 100, 300 dias, um ou mais anos. A determinação do tempo era ligada a quanta remissão seria obtida com tantos anos e tantos dias de penitência canônica segundo a antiga disciplina da Igreja. Como muitos fiéis acreditavam erroneamente que se tratasse de dias ou anos de Purgatório a menos a serem descontados, o papa Paulo VI decidiu não mais indicar a determinação do período da indulgencia parcial. O metro usado para medir as indulgências parciais não são portanto mais meses ou anos, mas é a própria ação do fiel: uma boa ação vale tanto mais quanto mais custa sacrifício e quanto mais é acompanhada de amor para com Deus.
O que se requer para obter as indulgências?
Antes de tudo, um sujeito capaz de obtê-las, que seja batizado (porque a concessão das indulgências é um ato de jurisdição que pode ser exercido só quem pertence ao Corpo místico de Cristo que é a Igreja. E não se pertence à Igreja senão por meio do batismo). Não excomungado, porque se o fosse, não poderia participar das indulgências e às públicas orações da Igreja. Em estado de graça, porque a dívida da pena temporal não pode ser cancelada a não ser depois do cancelamento da culpa e da pena eterna mediante a confissão sacramental. É portanto necessária a intenção de obter a indulgência, porque o benefício não vem concedido a quem não o quer. À Igreja, segundo quanto sancionado pelo cânon 925 Código de Direito canônico, basta somente “a intenção habitual implícita”, pela qual se podem obter todas as indulgências das quais não se tem conhecimento, uma vez que se tenha a intenção de obter todas as indulgências possíveis.
Traduzido do italiano pelo Pe. Raul Kestring