Toda lágrima derramada, seja qual for o mote, traz em seu escorrimento uma fala, um grito, uma saudade, uma dor, uma gratidão, um sentimento por vezes indizível de outro jeito. Uma lágrima é sagrada. Às vezes de alegria, chorar de tanto rir, outras de pranto, tão somente pranto. O menor versículo bíblico – Jesus chorou – alberga um gesto de alcance imensurável, traz consigo o preciso dom das lágrimas, recentemente lembrado pelo Papa Francisco. Felizes os que choram, reza uma bem-aventurança. É um dom chorar pelo outro, chorar com o outro.
Não se trata de resolver os problemas, as dores, sanar as angústias de alguém, sangrar uma ferida fazendo diluir todo seu
sofrimento. Está em cena, isto sim, um nobre sentimento de solidariedade que, mesmo não plenamente, também sente o que sente aquele que padece. Chorar ao lado de alguém não é, necessariamente, dizer algo, mas demonstrar um grau
de comoção que beira ares de compaixão – Jesus chorou. Eu só consigo chorar sobre uma realidade se ela tocou o mais profundo do meu ser, se o que alguém experimenta em si afetou a minha sensibilidade emocional, psicológica, humana, mas ao mesmo tempo, claro, não desequilibrou meus instintos, minha razão, meus sentimentos.
As lágrimas que vertem de olhos abençoados com este dom encerram, parece-me, a última maneira de eu dizer a alguém que não estou indiferente ao que ela está sentindo. E, para isso, nem é preciso que eu esteja presente a ela. Quando vemos um noticiário que choca pelo seu drama, por exemplo, há lágrimas que podem e pedem ser derramadas quando este dom nos habita.
Falamos e ouvimos falar muito a respeito do mundo formatado cada vez mais individualista, pouco altruísta, indiferente, voltado apenas para o eu, cheio de vazios, cheio de superficialidades e de cosias supérfluas, dominado pela tecnologia que não sabemos se mais aproxima ou mais afasta. Mas esse mundo é formado de pessoas singulares, irrepetíveis, originais em suas histórias, únicas em sua identidade, em seus choros. O dom das lágrimas me diferencia no meio de toda essa multidão de indivíduos quando, ao menos por uns instantes, eu não me permito ser roubado em meu tempo pelos afazeres apenas pessoais, antes, ofereço um fragmento deste tempo, regando-o com qualquer coisa que não é minha propriamente, mas de outrem e que agora adoto e cuido, simplesmente chorando.
O misterioso país das lágrimas está quase desabitado. Esta fonte de líquido tão vital, em certos momentos, está quase seca. A poesia presente no choro quase não se declama mais. Neste momento alguém está chorando e eu não sou capaz de ouvir seu soluço, nem de secar seu pranto. Queira Deus que estas lágrimas de agora, em minha face, encontrem alguém que eu não fui capaz de ser aos que precisavam por, negligencia minha, não pedir nem usar dom tão precioso.
Pe. Fernando Steffens – 08 de junho de 2020