Era Irlandês o personagem que deu nome ao Complexo do Alemão. Em torno do morro da Penha, estão vivas e atuantes, sete paróquias da Igreja Católica e presentes centenas de pequenos templos pentecostais. Éramos perto de 100 bispos que, participando de um curso de atualização para bispos, promovido pela Arquidiocese do Rio, tivemos a oportunidade de visitar a Comunidade de Nossa Senhora Aparecida, no coração do complexo do Alemão.
Lá oramos com o povo pobre, humilde e fiel, assistimos uma bela apresentação de cerca de 20 violinistas, crianças e adolescentes do bairro, bem como ouvimos os depoimentos de uma jovem e de um casal sobre sua experiência de viver a paz em um contexto de conflito e de insegurança. Antes, naturalmente, tivemos uma exposição sobre a geografia do Complexo do Alemão e sobre a situação vivida por seus moradores, reféns, ora dos traficantes, ora da chamada “milícia organizada”, tão opressora quanto os primeiros. O expositor descreveu o clima de terror imposto pelo tráfico organizado á população local.
O Estado não conseguia se fazer presente. O tráfico governava as favelas. Acontecia inclusive de traficantes coagirem pais de família a cederem suas filhas para stisfazerem suas paixões desregradas. A Igreja da Penha, tão linda, já não era mais procurada por devotos porque os traficantes ransformaram-na em território próprio. Os traficantes se enriqueciam pelo comércio das drogas. As milícias, ao expulsarem os traficantes, se valiam do disfarce da justiça para se enriquecerem com pesadas taxas sobre a distribuição de gás, de água e de outros serviços. Era a mesma opressão, organizada por ex-policiais, muitas vezes com apoio de elementos ligados às forças do Estado. A população, agora, vive um momento de alívio com a presença das forças de segurança do Estado. Ouvi, entretanto, que a fuga dos traficantes, em parte, foi facilitada por elementos da própria polícia, comprometidos historicamente com os líderes do tráfico. Ouvi também que uma solução definitiva do problema depende da formação de um quadro de polícia novo, preparado também do ponto de vista ético para tão difícil tarefa.
Mas, sem dúvida, o povo vive uma situação nova, feita de muita esperança. A pergunta esperançosa dos moradores é esta: a paz veio para ficar definitivamente? Veio por causa de nós ou das olimpíadas? E nós nos perguntamos: e as outras comunidades pobres e oprimidas espalhadas por esse Brasil afora? O Núncio Apostólico Dom Lorenzo Baldisseri esteve também presente. Na ocasião fez uma apresentação ao piano onde deliciou-nos, e ao povo presente, com Vivaldi, Vila Lobos, Chopin e outros. Chamou-me a atenção a exibição do grupo de crianças e pré-adolesentes com seus vilolinos. A arte medra também no meio dos pobres. Basta dar-lhes chance. E resgata a dignidade dos orpimidos. Eram crianças felizes a encantar-nos com a beleza de sua arte. Esse grupo é parte de um projeto, se não me engano de uma ONG, com o apoio da Igrja, que foi implantado na região atingindo várias comunidades. E fico a me perguntar: quando nosso país vai investir preferencialmente em educação, oferecendo o que há de melhor em matéria de ensino e de cultura nos bairros mais pobres de nossas cidades, no país inteiro? A felicidade de um povo não se constrói, em primeiro lugar, pelo aumento da renda “per capta”, ou seja, não basta o mero desenvovimento econômico, pois o ser humano vive de valores tais como a arte, a religião, a solidariedade, a comunhão. Recentemente a Universidade Católica da África Oriental em parceria com o Movimento dos focolares realizou em Nairóbi, de 26 a 28 de janeiro a Conferência Internacional sobre Economia com o tema “Economia de Comunhão, um novo paradigma para o desenvolvimento africano”. Como explicaram os organizadores, o encontro refeltiu sobre como "o povo africano precisa urgentemente, por um lado, de uma cultura empreendedora e de desenvolvimento econômico e, por outro, de um modelo econômico que não destrua a comunidade e a comunhão, consideradas grandes valores em sua cultura".
De acordo com a centro-africana Geneviève Sanze, membro da Comissão Internacional sobre a Economia de Comunhão, "a experiência da Economia de Comunhão nos faz entender que não se pode sair das cadeias da indigência apenas com dinheiro, nem com a redistribuição das riquezas ou com a construção de bens públicos, nem tampouco com o aumento das relações comerciais entre o norte e o sul". E acrescenta: "Será possível sair destas cadeias quando formos capazes de construir verdadeiras e profundas relações humanas entre pessoas diferentes, mas ao mesmo tempo iguais; quando conseguirmos compreender que não há nenhuma pessoa no mundo tão pobre, que não possa significar um dom para outra. Nesse momento, o mundo verá florescer a fraternidade e a comunhão." A educação para a comunhão e para a solidariedade aliada à valorização da cultura e da capacidade do próprio povo é o segredo de um desenvolvimento autêntico.
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba
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