DOMINGO XV TEMPO COMUM
O semeador saiu para semear
Leituras: Is 55,10–11; Rm 8,18–23; Mt 13,1-23
“Jesus disse-lhes muitas coisas em parábolas: O semeador saiu para semear…” (Mt 13,3).
A Liturgia da Palavra dos próximos três domingos do Tempo Comum (15º, 16º e 17º) nos coloca na escuta do próprio Jesus, enquanto faz ressoar também para nós o anúncio da Boa Nova, através de um conjunto de sete parábolas. Na sucessão dessas parábolas, distribuídas ao longo do capítulo 13 do seu evangelho, Mateus nos oferece o âmago da pregação de Jesus sobre o reino de Deus, que ele inaugura com seus gestos e suas palavras.
Ao nos propor estas parábolas do reino de Deus na Liturgia do Tempo Comum, a Igreja nos convida a tomar consciência que nós também estamos vivendo o tempo da nossa vida, como tempo de graça (kairós), segundo a expressão do Novo Testamento, para um encontro vital com Jesus e sua Palavra, com seu apelo para nos abrirmos à graça e às exigências sempre novas da conversão ao Senhor.
“Arrependei-vos, mudai a maneira de viver, porque está próximo o reino dos Céus” (Mt 4,17), proclama Jesus desde o início da sua pregação. Na linguagem bíblica do AT herdada por Mateus, o termo “Céus” é sinônimo de “Deus”, cujo nome não pode ser pronunciado por respeito à sua transcendência e santidade.
Lucas, para salientar que este processo de renovação promovido por Deus é uma realidade já atuante na pessoa de Jesus, e que chama cada um de nós a um compromisso pessoal, traz a resposta mais pontual de Jesus aos fariseus, sobre o tempo da chegada do reino de Deus: “O reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17,21), ou, segundo outra tradução: “…está dentro de vós”.
Considerando que a Liturgia da Palavra dos próximos domingos nos apresentará todo o capítulo 13 de Mateus, com o anúncio do reino de Deus por parte de Jesus através de sete parábolas, convém ilustrar brevemente o sentido da linguagem simbólica dessas parábolas.
Desde o momento em que, por livre escolha de amor e por divina condescendência, “O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14), ele assumiu como “sua casa”, seu modo de ser e de atuar, a fraqueza da condição humana, as ambiguidades da história e até mesmo o pecado (cf. 2Cor 5,21; Gl 3,13).
Desde então, “o reino de Deus” está atuando em maneira misteriosa, escondida na fraqueza humana de Jesus e nossa; opera com a potência do seu Espírito dentro esta mesma complicada realidade, para renová-la. O Espírito atua para transformar esta realidade e abri-la novamente à vida, à comunhão com Deus e recíproca entre as pessoas, e à alegria, segundo o projeto originário de Deus expresso na criação. Jesus, na sua própria pessoa é a primeira “parábola” através da qual, o Pai se revela e se comunica, doando-nos a si mesmo.
Em Jesus, o Pai imprime à nossa vida uma orientação nova e decisiva. Diz-nos que a nossa história e, portanto, a nossa vida pessoal, é o lugar em que se expressa a misericórdia de Deus que tudo reconcilia e renova. Essa é a “Boa Notícia”, o “Evangelho” no seu sentido literal, que traz alegria e esperança, para todos, sobretudo para os pequenos e os pecadores.
Para ilustrar, de modo mais acessível, às pessoas do seu tempo e de todo tempo, este misterioso dinamismo da ação de Deus, que supera a capacidade humana de entendê-lo e reconhecê-lo, Jesus usa a linguagem simbólica das “parábolas”, linguagem simples, sugestiva e rica ao mesmo tempo. Simples, pois usa feitos e imagens da vida cotidiana do povo. Sugestiva, enquanto através dela deixa entrever e vislumbrar a realidade profunda da ação de Deus, que nos transcende, mas que ao mesmo tempo toca a nossa existência mais íntima. Rica e profunda, pois a Palavra de Jesus, não somente informa sobre o Pai e sobre suas relações para conosco, mas nos comunica sua própria vida, e nos transforma nela, nos impelindo a nos comprometermos com ela.
Assim a linguagem simbólica das parábolas, conexa com a experiência cotidiana, se faz alusiva ao mistério da ação de Deus em Jesus e na história, e solicita a resposta dos ouvintes. Muitas vezes Jesus introduz uma parábola com esta expressão: “O reino de Deus é semelhante a….” (cf. Mt 13, 24;31;33). Desta maneira Jesus suscita o interesse dos ouvintes, impelindo-os a procurar com maior profundidade a mensagem que ele lhes propõe. Aos poucos, cada um descobre que ao final não está somente ouvindo a mensagem de Jesus, como quem escuta a história de outras pessoas, mas como alguém chamado em primeira pessoa a se reconhecer como protagonista da parábola: a palavra de Jesus está sendo oferecida a ele para uma conversão ao Senhor, para uma vida nova. “Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 13,9).
Para fazer esta passagem do sentido imediato das palavras de Jesus ao conteúdo profundo e vital da parábola se faz mister abrir-se com simplicidade de coração e confiança ao Senhor. Se falta esta atitude, a parábola, como aconteceu com a pessoa humana de Jesus, acaba velando, escondendo o que em verdade queria desvendar e revelar.
Depois da cura do homem possuído pelo demônio, “As multidões ficaram admiradas e diziam: Nunca se viu coisa igual em Israel. Os fariseus porém, diziam: É pelo chefe dos demônios que ele expulsa os demônios” (Mt 9,33-34).
Esta passagem de inteligência e de acolhida pressupõe ao mesmo tempo o dom da inteligência, que vem do Espírito de Deus, e a simplicidade do coração e da fé diante dele. “Por que falas ao povo em parábolas?”, perguntam os discípulos a Jesus. Sua resposta nos deixa com a respiração suspensa: “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do reino dos céus, mas a eles não é dado…. É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem e, ouvindo, eles não escutam nem compreendem…. porque o coração deste povo se tornou insensível” (Mt 13,15).
Os discípulos pertencem aos que, pelo seguimento sincero de Jesus, tem o coração simples e o olhar luminoso da fé, iluminado pelo Pai: “Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem”, a realidade misteriosa de Deus, que os profetas e os justos do Antigo Testamento desejaram e não conseguiram ouvir e ver (Mt 13,16-17- cf. Mt 16,16-18: confissão de fé inspirada a Pedro pelo Pai).
Jesus tinha já sublinhado que esta inteligência interior do seu mistério por parte dos discípulos era dom do Pai e fruto da simplicidade da fé deles: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi de teu agrado” (Mt 11,25-26).
As coisas que pertencem a Deus podem ser entendidas somente graças ao Espírito de Deus, como sublinha o apóstolo: “Quem pois, dentre os homens conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, o que está em Deus, ninguém o conhece senão o Espírito de Deus. Quanto a nós não recebemos o espírito do mundo mas o Espírito que vem de Deus, a fim de que conheçamos os dons da graça de Deus” (1Cor 2,11-12).
A afinidade interior, criada pelo Espírito Santo, nos põe em sintonia com a ação e o estilo de Deus, nos introduz na alma do evangelho, nos revela e faz experimentar a fraqueza de Deus e a cruz, como manifestação da sua sabedoria e energia vital e transformadora. Sem esta sintonia no Espírito, tudo se torna mudo e escandaloso: o escândalo da cruz! Pelo contrário, quando subsiste a sintonia com o Espírito, a cruz de Jesus se torna como que “a parábola” por excelência, que nos revela o coração do Pai e do Filho, e o nosso destino de filhos e filhas amados por ele no Espírito Santo.
Este é o “caminho espiritual” que todo discípulo autêntico de Jesus é chamado a cumprir em todo tempo, escutando e acolhendo de todo coração sua palavra e seu impulso interior. As numerosas parábolas com que Jesus acompanha sua pregação e seus gestos nos deixam vislumbrar e saborear a infinita ternura, perseverança e fantasia criativa, com que o Pai se doa e nos chama a entrar em comunhão sempre mais profunda com ele.
“O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, outras caíram em terreno pedregoso…. outras… outras… Quem tem ouvido ouça!” (Mt 13,3-9).
Com a parábola do semeador que espalha com generosidade as sementes em toda direção e condições do terreno, Jesus destaca a iniciativa de Deus, o dinamismo intrínseco da palavra proclamada, as dificuldades que encontra em seu desenvolvimento, e, além de toda dificuldade, o bom êxito final. Este último aspecto é ainda mais reforçado pela proclamação paralela da palavra do profeta Isaias: “Assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vem irrigar e fecundar a terra…. assim a minha palavra que sair de minha boca…” (Is 55,10-11).
A iniciativa gratuita de Deus e a fecundidade da palavra anunciada constituem o centro da parábola, na sua primeira parte (13,3-9). A maneira de atuar do semeador, que vai contra a lógica razoável do aproveitamento de qualquer agronegócio, destaca o surpreendente estilo de Deus: “Nisto se manifestou o amor de Deus por nós… Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho” (1Jo 4,9-10). Esta semente generosamente entregue à terra, sem distinção no cálculo da resposta possível, é o próprio Filho, a Palavra vivente e vivificadora do Pai, que somos chamados a acolher, e deixar que ela nos faça partícipes de sua mesma fecundidade. “A palavra de Deus, cresce com aquele que a lê”- “Verbum Dei cum legente crescit”, afirmava o grande papa e doutor da Igreja São Gregório Magno, fazendo-se intérprete da tradição comum teológica e espiritual dos Padres da Igreja.
O discípulo que a acolhe com fé se torna, por sua vez, Palavra vivente de Deus. É a partir desta convicção de fé que o Concílio Vaticano II, com o intuito de renová-la nas suas profundas raízes divinas, decidiu colocar novamente a toda a Igreja na atitude de “ouvir e escutar com profunda fé a Palavra de Deus e de proclamá-la com confiança”. (Verbum Domini religiose audiens….” Const. Conciliar Dei Verbum, n. 1).
Assim como faziam os Padres da Igreja, o Papa Bento XVI nos fala novamente da “sacramentalidade da Palavra”, indicando sua origem no mistério da encarnação e sua eficácia salvífica, em analogia com a presença real de Cristo nas espécies do pão e do vinho consagrado (Verbum Domini, n. 56). A celebração da palavra de Deus na liturgia, feita com cuidado e devoção, e a sua meditação cotidiana na Lectio Divina, recomendadas com tanta solicitude pastoral pelo Papa, constituem extraordinários eventos salvíficos, a serem vivenciados com adequada preparação e intensa fé, que realizam em plenitude o anúncio de Jesus, e nos tornam “parábola vivente” do semeador.
De maneira surpreendente, de fato, a segunda parte da parábola do semeador (Mt 13,23) apresenta uma nova interpretação, segundo a qual, a semente semeada não é mais a palavra anunciada, mas a pessoa, que a recebe com suas variadas atitudes. Algumas destas favorecem o desenvolvimento fecundo da palavra ouvida, outras o impedem: “Ouvi, portanto, a parábola do semeador: todo aquele que ouve a palavra do reino e não a compreende…. este é o que foi semeado à beira do caminho….. A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta” (Mt 13,18-19; 23).
A criação inteira, juntamente conosco, “está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus… gemendo no tempo presente como que em dores do parto” (Rm 8,18-23). O projeto de Deus e o dinamismo da palavra que está fecundando potencialmente a história, abrangem num único processo cada pessoa e toda a criação, como no início (cf. Gen 1). Nós, os escolhidos e chamados por graça, os porta-vozes de agradecimento e de louvor diante de Deus.
“Quem tem ouvidos ouça!”