DOMINGO XVI TEMPO COMUM
Leituras: 1ª: Sb 12,13.16-19; 2Rm 8,26-27; Ev.: Mt 13,24-43
“O reino dos céus é semelhante à…”.
Como vimos na meditação do domingo passado, Jesus, ao narrar suas parábolas, continua desvelando progressivamente a ação secreta com a qual Deus atua na história dos homens através da sua pessoa. A linguagem das parábolas, pela sua proximidade com a experiência de vida e às palavras de cada dia usadas pelo povo, facilita a comunicação com as pessoas simples, enquanto abre os olhos e o coração dos ouvintes às surpresas e à novidade de Deus. Ao deixar vislumbrar o dinamismo misterioso da sua ação, a pedagogia de Jesus continua sendo a mesma.
A compreensão profunda da sua mensagem, porém, é dom de Deus e do ensino pessoal de Jesus e pressupõe a atitude interior de abertura e de se deixar envolver e comprometer. Os evangelistas destacam o cuidado particular com o qual Jesus introduz os discípulos no sentido profundo das parábolas: “Então, deixando as multidões, entrou em casa. E os discípulos chegaram-se a ele, pedindo-lhe: ‘Explica-nos a parábola do joio no campo’” (Mt 13,36). “A vós é dado conhecer os mistérios do reino de Deus; aos outros, porém, em parábolas, a fim de que vejam sem ver e ouçam sem entender” (Lc 8, 10).
Não é suficiente o conhecimento da mente. Somente quem confessa sob o impulso do Espírito Santo que “Jesus é o Senhor” alcança a salvação (cf. Mc 3,11; 1Cor 12,3). É necessário deixar que a palavra desça até o coração e aí suscite a decisão de se render ao Senhor e ao seu projeto. Maria é o modelo do verdadeiro discípulo: ela escuta e acolhe com todo o seu ser a palavra do reino: “Eles, porém, não compreenderam a palavra que ele lhes dissera… Sua mãe, porém, conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração” (Lc 2,49-51).
Continuando na imagem da semente jogada no campo com generosidade pelo semeador, Jesus acrescenta outra parábola com a qual ilumina a situação complexa que a boa semente vai encontrar no processo de seu crescimento. Tem grande influência neste processo não somente a qualidade do terreno (Mt 13,4-9), mas também a convivência com outras ervas ruins, como o joio, que disputam com ela os recursos vitais do terreno (Mt 13,30).
A comunidade dos discípulos, nascida pela força intrínseca da palavra, se pergunta como pode acontecer que no próprio seio experimente a presença do mal, a falta da fé, as divisões internas, etc. Com a parábola do joio, Jesus entende abrir a fé dos discípulos de todos os tempos ao misterioso dinamismo do reino de Deus e da palavra do evangelho. Permanece um mistério a modalidade com a qual o processo do reino de Deus se insere e se desenvolve na complexidade da história humana, na consciência de cada pessoa, assim como na consciência das comunidades. Seu estilo continua sendo o da fraqueza da Palavra, que continua a se fazer carne, como no próprio Jesus (cf. Jo 1,14; Gl 4,4).
É na fraqueza que se manifesta o poder e a força de Deus, assim como a sua sabedoria que confunde a sabedoria humana. Mas tais experiências, na boca dos crentes, se tornam perguntas doloridas sobre Deus, sobre o mundo e sobre si mesmos e invocações apaixonadas de ajuda. “O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois não sabemos nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor com gemidos inefáveis” (Rm 8,26 – segunda leitura).
A experiência do apóstolo Paulo é emblemática. Diante do misterioso “aguilhão na carne” que o atormenta, pede insistentemente ao Senhor para ser libertado, mas recebe a surpreendente resposta: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo seu poder”. Ele, com renovada paz, declara: “Por conseguinte, com todo o ânimo prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que pouse sobre mim a força de Cristo… Pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,9-10).
Cumpre lembrar que esta radical mudança de perspectiva amadureceu em Paulo através de duras experiências e sucessivas conversões interiores ao Senhor, como ele mesmo nos lembra(cf. 2Cor 5, 16; Fl 3,7-8).
A explicação alegórica da parábola (Mt 13,36-43), elaborada pela comunidade à luz da sofrida experiência amadurecida nos anos, atualiza o ensino de Jesus por todo tempo e por toda situação histórica.
É o que vão destacar as duas parábolas que seguem imediatamente à parábola do joio: o grão de mostarda (Mt 13,31-32) e o fermento colocado na farinha (Mt 13,33). Nada pode impedir que a energia vital do reino e da palavra exprima toda sua fecundidade e força transformadora.
Pelo contrário, seja o grão de mostarda, seja o punhado de fermento, ambos desenvolvem uma energia imprevisível e desproporcionada em relação à própria aparência. Esta perspectiva surpreendente, que vem do próprio Deus, alimenta a esperança e ilumina o caminho da comunidade. Igualmente alimenta a esperança e ilumina o caminho de cada um de nós.
No entanto, porém, as inquietações suscitadas pelas experiências negativas no nosso caminho pessoal, dentro e fora da comunidade, impelem para soluções eficazes e imediatas. “Os servos perguntaram-lhe: ‘Queres, então, que vamos arrancá-lo?’ [o joio]” (Mt 13,28). A convivência com o mal, moral, espiritual, físico, fica insuportável em si, e torna-se escandalosa em relação à maneira humana de pensar em Deus, o onipotente, o Pai cuidadoso, o juiz que faz justiça. Terá porventura Deus se tornado impotente? A reação mais imediata e razoável dos homens é sempre a mesma: arrancar logo o joio, limpar o terreno, separar e destruir o que impede a beleza do campo e a fecundidade da colheita! Dentro de nós e nas relações com os outros.
A resposta do dono do campo, porém, vai em direção bem diferente: “Ele respondeu: Não, para não acontecer que, ao arrancar o joio, com ele arranqueis também o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita” (Mt 13, 29-30). Ele abre perspectivas de julgamento que vão além da pressa dos homens, e de sua sede por julgamento e condenação imediatos, segundo critérios aparentemente mais eficazes: “No tempo da colheita, direi aos ceifeiros: Arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; quanto ao trigo, recolhei-o no meu celeiro” (Mt 13,30). Pedro interpreta os pretendidos atrasos de Deus como expressão benevolente da sua paciência e do seu cuidado carinhoso conosco, para que ninguém se perca e todos venham a converter-se (2Pd 3,10).
“Vós, Deus de ternura e de bondade, nunca vos cansais de perdoar. Ofereceis vosso perdão a todos, convidando os pecadores a entregarem-se confiantes à vossa misericórdia” (Oração Eucarística VII). A paciência de Deus é oferta de oportunidade para conversão, não descuido. Recentes experiências de ignorar graves abusos de membros qualificados da Igreja em nome da discrição, do bom nome da Igreja e da misericórdia para com os pecadores, mostrou quão diferente foi esta atitude inspirada por critérios humanos, da paciência de Deus ao cuidar do trigo misturado com o joio.
Desde o início a Igreja de Cristo teve de enfrentar a tentação de se constituir somente pelos “puros”. Pelo contrário, Jesus anuncia a boa nova e acolhe sobretudo os marginalizados e pecadores. Paulo chama o povo de Deus, reunido no sangue de Cristo e santificado pelo seu Espírito, de “santo” e ao mesmo tempo marcado pela fragilidade humana, pelo pecado e sempre necessitado do perdão de Deus (cf. 1Cor 1,2; 2 Cor 5,17-19). Com admirável sentido de fé e de esperança, na Oração eucarística V, a Igreja se apresenta humildemente ao Senhor, como “povo santo e pecador”, para implorar a sua força a fim de construir, na comunhão entre todos os seus membros, “o vosso reino que também é nosso”. E nós, a cada domingo, na profissão de fé do Creio, proclamamos: “Santa a Igreja”.
Hoje em dia, os cristãos ficam vivendo numa sociedade pluralista e, sob vários aspectos, também secularizada. Ela apresenta diferentes pontos de vista, compreensões, interesses, comprometimentos religiosos, políticos, sociais e culturais. Uma situação muito diferente de quando a quase totalidade da população no Brasil e em outras “nações católicas” se referia, pelo menos em nível de práticas religiosas e do costume social, ao mundo da Igreja católica e a seu ensino.
Alguém poderia sentir-se impelido, mais que a confrontar-se com esta complexa realidade histórica, iluminado pelo discernimento espiritual e por uma madura avaliação cultural, a contrapor-se a tudo o que é diferente dos modelos culturais e religiosos vigentes no passado, e da sua própria visão cultural e religiosa, à maneira dos servidores diante do joio.
A parábola parece nos sugerir que, ao olhar de maneira crítica sobre o campo das conquistas do progresso humano, assim como dentro das suas ambigüidades, é preciso apreender a discernir com a simplicidade dos “puros de coração”, prontos a reconhecer também as novas oportunidades de anunciar a boa nova e de espalhar a boa semente do reino que o Senhor nos proporciona. Este nosso tempo constitui uma parábola para nós, a ser interpretada na luz do Espírito de Cristo.
O Concílio Vaticano II, convidou a Igreja a se confrontar com amor e sabedoria espiritual com os sinais de Deus, que se deixam entrever nas situações do tempo atual. Sucessivamente os pontífices de Roma continuaram a transmitir ao povo de Deus esta mensagem de confiança e de discernimento, junto com claras indicações sobre as ambigüidades e sombras da mentalidade atual.
Este trabalho de discernimento entre o trigo e joio toca cada cristão na sua vida cotidiana. É um apelo à responsabilidade pessoal a ser exercitada na comunhão com toda a Igreja. Chama em primeira pessoa os leigos e as leigas não menos que os membros da hierarquia, pelo Espírito e pela vocação recebida no batismo. Foi assim desde o início da comunidade cristã, guiada pelos apóstolos. Não foi fácil para ela sair de Jerusalém e do mundo judaico, berço da sua origem e da sua identidade, para o mundo afora, pagão, grego e romano. Os Atos dos Apóstolos nos relatam este penoso trabalho interior da comunidade e a firme pedagogia com a qual o Espírito conseguiu guiar os apóstolos e as comunidades à plena liberdade em Cristo, através dos medos, confrontos, discernimentos.
A obediência ao Espírito permite à palavra do evangelho “continuar seu caminho e ser glorificada”, graças ao impulso divino e à sua vitalidade interior (cf 2Ts 3,1).
As parábolas do grão de mostarda e do fermento destacam o dinamismo que o reino tem em si mesmo, e que está atuando no caminho da comunidade e de cada um de nós. Potencialidade, vocação e dom a invocar com a Igreja inteira: “Ó Deus, permanecestes junto ao povo que iniciastes nos sacramentos do vosso reino, para que, despojando-nos do velho homem, passemos a uma vida nova” (Oração depois da comunhão).