Miguel Pereira*
Depois do sucesso comercial de “O código Da Vinci”, a mesma dupla de escritor e diretor, Dan Brown e Ron Howard, retornam num típico produto da indústria do best-seller e do cinema de entretenimento, ancorado nos efeitos especiais e cenas mirabolantes. A história narrada em Anjos e demônios é o que menos importa. Trama confusa, como é comum nesse tipo de filme em que a coerência narrativa vai para o espaço a cada imagem, realização primária, com a caracterização simplória de personagens e situações, e uma pretensa ambição de tratar de temas do campo religioso, no caso, da Igreja Católica, considerados misteriosos, fazem do filme de Ron Howard, algo de inverossímil e ridículo na grande maioria das suas seqüências. Basta citar uma das últimas quando o verdadeiro vilão toma o helicóptero, no coração da Praça de São Pedro, no Vaticano, e explode o tubo da anti-matéria no espaço celeste para evitar a destruição da cidade-estado e a morte de milhares de pessoas. E pior que isso, o herói-vilão quase chega a Papa, não fosse a intervenção das figuras patéticas da dupla de cientistas, vividos por Tom Hanks e Ayelet Zurer, que descobrem as fitas gravadas da farsa, na última hora. É muito efeito para pouco resultado.
O filme pode até causar algum impacto em espectadores com sensibilidade menos atenta às suas armadilhas e estratégias narrativas. Não se pode levar a sério, por exemplo, o conclave da eleição papal, não só pelas grosseiras caracterizações e insólitas situações dramáticas, mas, principalmente, por uma hipotética e mal ajambrada ação política. A evocação da chamada seita dos Illuminati não faz sentido, assim como, as ridículas interpretações dos símbolos feitas pelo professor Langdon (Tom Hanks), onde a seta na mão de uma imagem indica exatamente a direção de um esconderijo, enfim, coisas das aventuras que podem ficar bem no personagem do Harrison Ford na série Indiana Jones, de Steven Spielberg, mas soam imbecis num filme que tem o desejo explícito de escandalizar os incautos.
Além desse desvio de conduta cinematográfica, o filme tenta iludir o espectador com os efeitos mal disfarçados da computação gráfica e de toda a engenharia digital colocada ao seu serviço. Oscila entre imagens verdadeiramente sofisticadas e outras tão elementares que se impõem apenas pelos seus efeitos de fumaças e outras coisas do gênero. Se o foco fosse a ficção-científica, talvez esse tratamento fosse adequado. Mas, num filme que começa no imenso acelerador de partículas europeu na busca da anti-matéria, esse lugar beira ao ridículo. A pretensão de discutir as relações entre a fé e a ciência não se realiza em momento algum do filme. Fica apenas um rótulo sem consistência. Assim, Anjos e demônios por qualquer ângulo de visão que seja observado confirma apenas a exploração comercial de um livro e de um filme sem outras conseqüências.
*Miguel Pereira é jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio e escreveu a convite da equipe do Portal da Arquidiocese de São sebastião do Rio de Janeiro.
Fonte: Site CNBB, 23 de Junho de 2009