CARTA AOS SACERDOTES
Caros Sacerdotes,
Na próxima solenidade do Sagrado Coração de Jesus (que será no dia 15 de junho de 2012) celebraremos, como de costume, a “ Jornada Mundial de Oração pela Santificação do Clero”.
A expressão da Escritura, «esta é a vontade de Deus: a vossa santificação !» (1Ts 4,3), mesmo que dirigida a todos os cristãos, refere-se de modo particular a nós, sacerdotes, que respondemos não apenas ao convite de “santificar-nos”, mas também àquele de nos tornarmos “ministros da santificação” para os nossos irmãos.
Em nosso caso, esta “vontade de Deus”, por assim dizer, redobrou -se, multiplicou-se ao infinito, e isto de tal modo que podemos e devemos obedecê-la em cada ação ministerial que desempenhamos.
Este é o nosso magnífico destino: não podemos santificar-nos sem trabalhar pela santificação dos nossos irmãos, e não podemos trabalhar pela santificação dos nossos irmãos sem que primeiro tenhamos trabalhado e ainda trabalhemos em nossa própria santificação.
Introduzindo a Igreja no novo milênio, o Beato João Paulo II nos recordava a normalidade deste “ideal de perfeição”, que deve ser oferecido desde o início a todos: «Perguntar a um catecúmeno: “Queres receber o Batismo?” significa ao mesmo tempo perguntar-lhe: “Queres fazer-te santo?”» (Beato JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 6 de janeiro de 2001, n. 31.)
Certamente, no dia da nossa Ordenação Sacerdotal, esta mesma pergunta batismal ressoou novamente em nosso coração, solicitando ainda a nossa resposta pessoal; mas esta nos foi feita, também, para que soubéssemos transmiti-la aos nossos fiéis, conservando-lhe a beleza e a preciosidade.
Esta persuasão não é desmentida pela consciência das nossas pessoais inadimplências, e muito menos pelas culpas daqueles que, em certas ocasiões, humilharam o sacerdócio aos olhos do mundo.
Com a distância de dez anos – considerando os ulteriores agravamentos das notícias difundidas – devemos fazer ressoar ainda em nosso coração, com maior força e urgência, as palavras que João Paulo II nos dirigiu na Quinta-feira Santa do ano de 2002:
«Neste momento nós, sacerdotes, temos sido pessoal e profundamente perturbados pelos pecados de alguns irmãos nossos que atraiçoaram a graça recebida na Ordenação, chegando a ceder às piores manifestações do mysterium iniquitatis que atua no mundo. Originaram-se assim escândalos graves, com a consequência duma pesada sombra de suspeita lançada sobre os restantes sacerdotes benfazejos, que desempenham o seu ministério com honestidade, coerência e até caridade heróica. Enquanto a Igreja manifesta a sua solicitude pelas vítimas e procura dar resposta, segundo verdade e justiça, a cada penosa situação, todos nós – cientes da fraqueza humana, mas confiando na força sanante da graça divina – somos chamados a abraçar o “mysterium Crucis” e empenhar-nos ainda mais na busca da santidade. Devemos rezar a Deus para que, na sua providência, suscite nos corações um generoso ressurgimento daqueles ideais de total doação a Cristo que estão na base do ministério sacerdotal» (IDEM, Carta aos sacerdotes por ocasião da Quinta -feira Santa de 2002)
Como ministros da misericórdia de Deus, nós sabemos, por isso, que a busca da santidade pode recomeçar sempre através do arrependimento e do perdão. Todavia, sentimos também a necessidade de pedi-lo individualmente, como sacerdotes, em nome de todos os sacerdotes e por todos os sacerdotes (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O sacerdote ministro da Misericórdia Divina. Subsídio para os Confessores e Diretores espirituais, 9 de março de 2011, 14-18; 74-76; 110-116 (sacerdote como penitente e discípulo espiritual).
A nossa confiança é ulteriormente reforçada pelo convite que a própria Igreja nos dirige de ultrapassarmos novamente a Porta fidei, acompanhando todos os nossos fiéis.
Sabemos que este é o título da Carta Apostólica com a qual o Santo Padre Bento XVI convocou o Ano da Fé, que iniciará proximamente, em 12 de outubro de 2012.
Uma reflexão sobre as circunstâncias deste convite pode nos ajudar.
Este se coloca no quiquagésimo aniversário da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II (11 de outubro de 1962) e no vigésimo aniversário da publicação do Catecismo da Igreja Católica (11 de outubro de 1992). Além disso, para o mês de outubro de 2012, foi convocada a Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos sobre o tema da Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã.
Nos será pedido, então, de trabalhar profundamente sobre cada um destes “capítulos”:
– sobre o Concílio Vaticano II, para que seja novamente acolhido como «grande graça que beneficiou a Igreja no século XX »: «uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa», «uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja» (S.S. BENTO XVI, Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio Porta fidei, 11 de outubro de 2011, n. 5.);
– sobre o Catecismo da Igreja Católica , para que seja verdadeiramente acolhido e utilizado como «norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial» (Ibidem, n. 11.);
– sobre a preparação do próximo Sínodo dos bispos, para que seja verdadeiramente « uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé» (Ibidem, n. 5.)
Por ora, como introdução de todo este trabalho, podemos meditar brevemente sobre esta indicação do Pontífice, para a qual tudo converge:
«É o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28,19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé» (Ibidem, n. 7.)
“Todos os homens de todas as gerações ”, “todos os povos da terra”, “nova evangelização”: diante deste horizonte tão universal, sobretudo nós sacerdotes devemos perguntar-nos como e onde estas afirmações podem coligar-se e ter consistência.
Podemos, então, começar recordando como o Catecismo da Igreja Católica se abre já com um abraço universal, reconhecendo que «o homem é “capaz” de Deus» (Primeira Seção. Capítulo I.); mas o faz escolhendo – como sua primeira citação – este texto do Concílio Ecumênico Vaticano II:
«A razão mais sublime (“eximia ratio”) da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor (“ex amore”), é por Ele, e por amor (“ex amore”), constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador (“hanc intimam ac vitalem coniunctionem cum Deo”)»( CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo atual Gaudium et Spes, 7 de dezembro de 1965, n. 19 e Catecismo da Igreja Católica, n. 27.)
Como esquecer que, com o texto que acabamos de citar – propriamente mediante a riqueza das formulações escolhidas – os Padres conciliares tinham a intenção de dirigir-se diretamente aos ateus, afirmando a imensa dignidade da vocação da qual eles se tinham afastado já enquanto seres humanos? E o faziam com as mesmas palavras que servem para descrever a experiência cristã, no nível máximo de sua intensidade mística!
Também a Carta Apostólica Porta Fidei começa afirmando que esta «introduz na vida de comunhão com Deus», o que significa que esta nos permite imergir-nos diretamente no mistério central da fé que devemos professar: « Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor »( S.S. BENTO XVI, Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio Porta fidei, n. 1.)
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Tudo isso deve ressoar particularmente em nosso coração e na nossa inteligência, para tornar-nos conscientes de qual seja atualmente o drama mais grave dos nossos tempos.
As nações já cristianizadas não são mais tentadas a cair num genérico ateísmo (como no passado), mas correm o risco de serem vítimas daquele particular ateísmo que consiste em esquecer a beleza e o calor da Revelação Trinitária.
Hoje, são sobretudo os sacerdotes que, em sua adoração quotidiana e em seu quotidiano ministério, devem reconduzir tudo à Comunhão Trinitária: somente a partir desta e imergindo-se nessa os fiéis podem descobrir realmente a Face do Filho de Deus e a sua contemporaneidade, e podem verdadeiramente atingir o coração de cada homem e a pátria à qual todos são chamados. E, apenas assim, nós sacerdotes podemos oferecer novamente aos homens de hoje a dignidade de ser pessoa, o sentido das relações humanas e da vida social, e o objetivo de toda a criação.
“Crer em um só Deus que é Amor”: nenhuma nova evangelização será realmente possível se nós cristãos não estivermos em condições de impactar e comover novamente o mundo com o anúncio da Natureza de Amor do Nosso Deus, nas Três Pessoas Divinas, que a exprimem e que nos envolvem em sua própria vida.
O mundo de hoje, com as suas lacerações sempre mais dolorosas e preocupantes, precisa do Deus-Trindade, e anunciá-lo é tarefa da Igreja.
A Igreja, para poder executar esta tarefa, deve permanecer indissoluvelmente abraçada a Cristo e não deixar-se nunca separar dele: necessita de Santos que morem “no coração de Jesus” e sejam testemunhas felizes do Amor Trinitário de Deus.
E os Sacerdotes, para servirem a Igreja e o Mundo, precisam ser Santos!
Vaticano, 26 de março de 2012
Solenidade da Anunciação da B.V.M.
Mauro Card. Piacenza
Prefeito
Celso Morga Iruzubieta
Arcebispo titular de Alba Marittima
Secretário