Por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, arcebispo de Oviedo
Apresentamos a meditação escrita por Dom Jesús Sanz Montes, OFM, arcebispo de Oviedo, administrador apostólico de Huesca e Jaca, sobre o Evangelho deste domingo (Lucas 15,1-32), 24º do Tempo Comum.
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Estamos frente a uma das páginas evangélicas mais surpreendentes, na qual, como dizia Charles Péguy, parece que Deus perdeu a vergonha. Diante da pergunta sobre a misericórdia, Jesus descreve uma parábola que simbolicamente representa os dois tipos de pessoas que estão com Ele: os publicanos e pecadores, por um lado, e os fariseus e letrados, por outro. Mas o protagonismo não é dos filhos nem de quem os representa, mas do pai e da sua misericórdia.
Publicanos e pecadores (o filho mais novo): este filho sempre havia sido medidor do seu destino; decidirá ir embora e voltar, fazendo, para ambos os momentos, um discurso diante do seu pai. Surpreende a atitude do pai descrita com intensidade por uma lista de verbos que desarmam os discursos do seu filho e que indicam a tensão do seu coração: "Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos" (Lc 15,20). É o processo-relato da misericórdia.
E o erro daquele filho menor, que o conduziu à fuga rumo às miragens de uma falsa felicidade e de uma escravizante independência, será transformado pelo pai em gozo e encontro, em alegria inesperada e desmerecida. A última palavra dita por esse pai, que é a que permanece sobre todas as penúltimas ditas pelo filho, é o triunfo da misericórdia e da graça.
Fariseus e letrados (o filho mais velho): triste é a atitude deste outro filho, aparentemente cumpridor, sem escândalos… mas ressentido e vazio. Não pecou, como seu irmão, mas não foi por amor ao pai, e sim por amor a si mesmo, à sua imagem, à sua fama. Quando a fidelidade não produz felicidade, é sinal de que não se é fiel por amor, e sim por interesse. Ele tinha ficado com seu pai, mas havia colocado um preço ao seu gesto, que o impedia de permanecer como filho. Tendo tudo, queixava-se da falta de um cabrito. Quem vive calculando, não pode entender, nem sequer ver o que lhe é oferecido gratuitamente, em uma quantidade e qualidade infinitamente maiores do que se pode esperar.
Talvez cada um de nós seja uma variante desta parábola e tenha uma parte da atitude do filho mais novo e uma parte da do filho mais velho. O importante é que, no caminho da nossa vida, possamos ter um encontro com a misericórdia. Há muitas maneiras de viver longe do Pai Deus e muitas formas de desprezar seu amor estando junto d’Ele, porque podemos ser um filho perdido ou um filho órfão.
A trama desta parábola é a da nossa possibilidade de ser perdoados. O sacramento da Penitência é sempre o abraço desse Pai que, vendo-nos em todas as nossas distâncias, aproxima-se e nos abraça, beija e nos convida para a sua festa. Esta é a revolução de Deus que, de forma desproporcional e gratuita, com sua própria medida, não quer se resignar a que se perca um só dos seus filhos queridos.
ZENIT, 10/09/2010