Por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, arcebispo eleito de Oviedo
Publicamos o comentário ao Evangelho deste domingo, 2º do Tempo Comum (Jo 2,1-12), redigido por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, bispo de Huesca e de Jaca (Espanha), arcebispo eleito de Oviedo.
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Hoje, o Evangelho nos convida a um casamento. Será o primeiro milagre de Jesus que acontecerá nele. São João apresenta seu relato evangélico a partir do fio condutor da “hora”. Tudo o que ele recolheu sobre Jesus tem como finalidade levar o leitor à contemplação da entrega suprema de Cristo, verdadeira “hora” na qual o Senhor dará por terminado o que o Pai lhe havia confiado: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). Por isso, Jesus insiste em que ninguém modifique seu “horário” redentor: explica-se assim que, no relato das bodas de Caná, Jesus diga à sua Mãe: “Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2 4). Não é um desprezo do Senhor com relação a Maria, mas uma afirmação que Ele faz da absoluta primazia das coisas do seu Pai, às quais se dedicará antes que a qualquer outra.
É a primeira hora, antecipação daquela derradeira, em que Maria, junto a João, voltará a aparecer na cena de Jesus, que se dirigirá novamente a ela para chamá-la com o mesmo nome, “mulher”, tornando-a “mãe” de João e da nova humanidade que nascerá quando Jesus ressuscitar no primeiro dia da semana, isto é, também “três dias depois” daquela cena ao pé da cruz.
Maria percebe algo que falta: o vinho. Faz da sua descoberta uma petição ao seu Filho e convida os que estavam servindo a escutarem esta Palavra de Jesus: “Fazei o que ele vos disser”. Ela lhes propõe o que no fundo foi sua vida desde que decidiu que se cumprisse nela a vontade de Deus: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Ela propõe aos outros algo que não lhe é estranho, que é a entranha da sua atitude diante de Deus.
Qual é o vinho que nos falta neste mundo? O vinho da paz, da ternura; o vinho da fé, da esperança e do amor; o vinho da verdade…? Quando faltam esses vinhos, a vida se “avinagra”. Surgem os interesses partidários, as trapaças econômicas, as frivolidades vácuas, a mentira como ferramenta de comunicação, o relativismo moral, a violência e o terror.
Maria viu o que faltava no casamento, fez sua essa necessidade solidariamente e colocou mãos à obra. Não ficou apenas relatando o que acontecia e lamentando pelo que faltava ou estava ruim. Perceber o “vinho” que nos falta, dar uma mão no que depender de nós, tendo na Palavra de Jesus nossa força e nossa luz. Caná foi isso. Maria foi assim.
O Evangelho termina dizendo que “seus discípulos creram nele” (Jo 2,11). O final é que, havendo vinho, houve festa e os discípulos, vendo o sinal, o milagre, acreditaram em Jesus. Sim, precisamos de milagres de “vinho”; o mundo precisa ver que os vinagres do absurdo se transformam em vinho bom e generoso, o do amor e da esperança, o que germina na fé.
Sempre há um brinde por fazer. Que seja com um vinho como o de Maria em Caná.
Fonte: ZENIT, 15 de janeiro de 2010