Apresentamos, a seguir, a meditação escrita por Dom Jesús Sanz Montes, OFM, arcebispo de Oviedo, administrador apostólico de Huesca e Jaca, sobre o Evangelho deste 3º domingo da Páscoa, 18 de abril (Jo 21,1-19).
* * *
O relato da última aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamente entre redes, como no começo; novamente diante de um trabalho cansativo e ineficaz, como tantas vezes; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem Jesus, como antes de que tudo acontecesse.
Alguém estranho, muito cedo, da margem do lago, atreve-se a provocar, fazendo uma pergunta onde mais doía: sobre o que havia… onde não existia mais que cansaço e vazio.
Haviam aprendido que a verdade das coisas nem sempre coincide com o que nossos olhos conseguem enxergar e nossas mãos, tocar; e se fiaram daquele desconhecido. O resultado foi o inesperado, esse que surpreende porque já não se espera, porque nos é dado quando estamos nos retirando e estamos de volta… de todos os nossos "nadas" e inutilidades. Para uns, seria uma boa vista, talvez magia para outros, mas, para o discípulo amado, só poderia ser o Senhor.
Há algumas brasas, que recordam aquela fogueira em torno da qual, alguns dias antes, o velho pescador jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao fogo irmão, Jesus lavará com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando para sempre seu barro frágil em pedra fiel.
O verdadeiro milagre não é uma rede que se enche, como vazio que se torna plenitude desmerecida. O maior milagre é que a traição covarde se transforma em confissão de amor. Até três vezes o confessará. A traição desumanizou Pedro, fez que ele fosse como no fundo não era e o obrigou a dizer com os lábios o que seu coração não queria. O amor de Jesus, sua graça sempre pronta, o humanizará de novo, até re-estrear sua verdadeira vida. Sem ironia, sem indiretas, sem pagamento de contas atrasadas. Gratuitamente, assim como a própria graça.
No nosso mundo existem muitas fogueiras e lugares em que Deus e os irmãos são traídos e, agindo assim, somos desumanizados, partidos. Mas há outras brasas, as que Jesus prepara ao amanhecer das nossas escuridões e depois das nossas fadigas, e nela nos convoca em companhia nova, transformando-nos em humanidade distinta. Lá, permite-nos voltar a começar, na alegria do milagre da sua misericórdia desmerecida. É a última pesca, a das nossas torpezas e cansaços.
Feliz quem tiver olhos para reconhecê-lo, como João, e quem se deixar renascer, como Pedro.
Dom Jesús Sanz Montes, OFM, arcebispo de Oviedo
ZENIT, 16/04/2010