As imagens da cultura bíblica, ritmada pelos tempos cadenciados da vida nômade e pastoril, parecem bem distantes das nossas exigências diárias de eficiência e competitividade. No entanto, também nós sentimos por vezes a necessidade de uma pausa, de um lugar para repousar, de um encontro com alguém que nos acolha do jeito que somos.
Jesus se apresenta como aquele que, mais do que ninguém, está pronto a nos acolher, a nos revigorar. Mais ainda: a dar a vida em favor de cada um de nós.
No longo trecho do Evangelho de João em que encontramos esta Palavra de Vida, Jesus nos transmite a certeza de que Ele é a presença de Deus na história de cada pessoa, conforme prometido a Israel pela boca dos profetas [1].
Jesus é o pastor, o guia que conhece e ama as suas ovelhas, ou seja, o seu povo cansado e por vezes desnorteado. Não é um estranho que desconhece as necessidades do rebanho, não é um ladrão que vem para roubar, ou um bandido que mata e dispersa, nem mesmo um mercenário, que age apenas por interesse.
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua vida pelas ovelhas.”
O rebanho que Jesus reconhece como seu é formado certamente pelos seus discípulos, por todos aqueles que já receberam o dom do batismo. Mas não apenas por esses: Ele conhece todas as criaturas humanas, chama-as pelo nome e cuida de cada uma com ternura.
Ele é o verdadeiro pastor, que não só nos guia rumo à vida, que não só vem à nossa procura cada vez que nos perdemos[2], mas que até mesmo já deu a sua vida para cumprir a vontade do Pai, que é a plenitude da comunhão pessoal com Ele e a reconquista da fraternidade entre nós, ferida mortalmente pelo pecado.
Cada um de nós pode procurar reconhecer a voz de Deus; ouvir a palavra que Ele dirige pessoalmente a cada um e segui-la com confiança. Sobretudo, podemos ter a certeza de que somos amados, compreendidos e perdoados incondicionalmente por Aquele que nos assegura:
“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua vida pelas ovelhas.”
Quando experimentamos, pelo menos um pouco, esta presença silenciosa, mas poderosa na nossa vida, acende-se no coração o desejo de partilhá-la, de fazer aumentar a nossa capacidade de dedicação e de acolhida dos outros. Seguindo o exemplo de Jesus, podemos tentar conhecer melhor as pessoas da nossa família, o nosso colega de trabalho ou o vizinho de casa, e permitir sermos incomodados pelas necessidades dos que estão ao nosso lado.
Podemos desenvolver a criatividade do amor, envolvendo os outros e permitindo que nos envolvam. No nosso pequeno mundo, podemos contribuir para a construção de comunidades fraternas e abertas. E nos tornaremos capazes de acompanhar a caminhada de muitos, com paciência e coragem.
Meditando essa mesma frase do Evangelho, Chiara Lubich escreveu: Jesus diz abertamente de si mesmo: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). E Ele vive a sua oferta até as últimas consequências. O seu amor é um amor oblativo, de doação, isto é, um amor feito de efetiva disponibilidade a oferecer, a doar a própria vida. […] Deus pede também a nós […] atitudes de amor que tenham a medida do seu amor (pelo menos na intenção e na decisão). […]. Somente um amor assim é um amor cristão: não uma pitada de amor, não um verniz de amor, mas um amor tão grande que coloca em jogo a própria vida. […] Desse modo, a nossa vida de cristãos dará um salto de qualidade, um grande salto qualidade. E assim veremos reunirem-se em torno de Jesus, atraídos pela sua voz, homens e mulheres de todos os cantos da terra.[3]
Letizia Magri
[1] Cf. Ez 34,24-31
[2] Cf. Lc 15,3-7; Mt 18,12-14.
[3] LUBICH, Chiara. Um salto de qualidade. Palavra de Vida, abril de 1997.