Publicamos aqui a transcrição da entrevista concedida nesta sexta feira por Bento XVI aos jornalistas presentes no vôo papal direto a Chipre.
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Padre Lombardi: Santidade, nós lhe agradecemos por estar conosco, como em toda viagem, e por dar-nos a sua palavra para orientar a nossa atenção nestes dias, que serão muito intensos. Naturalmente, por infelicidade, a primeira pergunta é exigida pela circunstância que hoje nos atingiu tão dolorosamente, o assassinato de Mons. Padovesi e que foi para o senhor uma profundíssima dor. Então, em nome de todos os colegas quero pedir-lhe que diga alguma palavra sobre como o senhor recebeu esta notícia e como vive o início da viagem a Chipre neste clima.
Bento XVI: Naturalmente, sinto uma profundíssima dor pela morte de Mons. Padovese, que também muito contribuiu para a preparação do Sínodo; colaborou, e teria sido um elemento precioso neste Sínodo. Recomendemo-lo à bondade do Senhor a sua alma. Esta sombra, no entanto, não tem nada a ver com os temas próprios e com a realidade da viagem, porque não devemos atribuir à Turquia ou aos turcos este fato. Sobre isso, temos poucas informações. É seguro que não se trata de um crime político ou religioso; trata-se de coisa pessoal. Esperemos ainda todas as explicações, mas não queremos ainda misturar esta situação trágica com o diálogo com o Islam e com todos os problemas da nossa viagem. É um caso à parte que nos traz tristeza, mas não deve obscurecer de modo algum o diálogo, em todos os sentidos, que será tema e intenção desta viagem.
Padre Lombardi: Chipre é uma terra dividida. Santidade, o senhor ficará na parte setentrional ocupada pelos turcos. O senhor tem uma mensagem para os habitantes daquela região? E como imagina que a sua visita possa contribuir para resolver a distância entre a parte grega e a turca, em vista de uma solução de convivência pacífica, no respeito da liberdade religiosa, do patrimônio espiritual e cultural das diversas comunidades?
Papa: Esta viagem a Chipre é, em muitos sentidos, uma continuação da viagem do ano passado à Terra Santa e também da viagem a Malta, deste ano. A viagem à terra Santa tinha três partes: Jordânia, Israel e Territórios palestinos. Para todos os três se tratava de uma viagem pastoral, religiosa; não era uma viagem política ou turística. O tema fundamental era a paz de Cristo, que deve ser paz universal no mundo. O tema era, portanto: de uma parte, o anúncio da nossa fé, o testemunho da fé, a peregrinação a estes lugares que testemunham a vida de Cristo e toda a história sagrada; de outra parte, a responsabilidade comum de todos quantos crêem num Deus criador do céu e da terra, em um Deus à imagem do qual fomos criados. Malta e Chipre ressaltam ainda fortemente o tema de São Paulo, pessoa de grande fé, evangelizador, e que São Barnabé, que é cipriota e que abriu a porta para a missão de São Paulo. Portanto, testemunho da nossa fé no Deus único, diálogo e paz são os temas. Paz num sentido muito profundo: não é uma conquista política da nossa atividade religiosa, mas paz é uma palavra do coração da fé, está no centro do ensinamento paulino; pensemos na Carta aos Efésios, onde diz que Cristo trouxe a paz, destruiu os muros da inimizade. Isso permanece um mandato permanente, razão pela qual não venho com uma mensagem política, mas com uma mensagem religiosa, que deve preparar mais as almas para encontrar abertura para a paz. Estas são coisas que não acontecem de hoje para amanhã, mas é importante não só dar os passos políticos, mas sobretudo também preparar as almas para ser capazes de dar os passos políticos necessários, criar aquela abertura interior para a paz que, no fim, vem da fé em Deus e da convicção de que somos todos filhos de Deus e irmãos e irmãs entre nós.
Padre Lombardi: Obrigado, Santidade! Esta nova pergunta está em continuidade com a primeira, mas eu a faço igualmente, de modo que se o senhor deseja acrescentar alguma outra coisa poderá fazê-lo. O senhor permanece no Médio Oriente poucos dias depois que o ataque israelense à flotilha diante de Gaza atingiu posteriores tensões ao já difícil processo de paz. Como pensa que a Santa Sé, o Vaticano possa contribuir para superar este momento difícil para o Oriente Médio?
Papa: Eu diria que nós contribuímos sobretudo de modo religioso. Podemos também ser de ajuda com conselhos políticos e estratégicos, mas o trabalho essencial do Vaticano é sempre aquele religioso, que toca o coração. Com todos estes episódios que vivemos, existe sempre o perigo de se perder a paciência, que se diga “agora chega”, e não se queira mais buscar a paz. E aqui me vem à mente, neste Ano Sacerdotal, uma bela história do Pároco de Ars. Às pessoas que lhe diziam: não tem sentido que eu vá à confissão e à absolvição, porque no dia seguinte estou certo de recair nos mesmos pecados, o Cura d´Ars respondia: não é assim, o Senhor propositalmente esquece que tu amanhã farás os mesmos pecados, perdoa-te agora completamente, será longânime e continuará te ajudando, a vir aos teu encontro. Assim devemos imitar Deus, a sua paciência. Depois de todos os casos de violência, não perder a paciência, não perder a coragem, não perder a generosidade de recomeçar; criar esta disposição do coração, a de recomeçar sempre de novo, na certeza de que podemos caminhar para a frente, que podemos chegar à paz, que a violência não é a solução, mas a paciência do bem. Criar estas disposições me parece que é o melhor trabalho que o Vaticano com seus organismos e o Papa podem fazer.
Padre Lombardi: Obrigado! Passemos a um outro assunto, aquele do ecumenismo. Santidade, o diálogo com os Ortodoxos tem dado muitos passos adiante do ponto de vista cultural, espiritual e da vida. Por ocasião do recente Concerto que lhe foi oferecido pelo Patriarca de Moscou, sentiu-se uma profunda sintonia entre os ortodoxos e os católicos diante dos desafios postos ao cristianismo na Europa da secularização. Mas qual é a sua avaliação sobre o diálogo, também do ponto de vista mais propriamente teológico?
Papa: Gostaria de, antes de tudo, sublinhar estes grandes avanços que fizemos no comum testemunho dos valores cristãos no mundo secularizado. Esta não é só uma coalizão – digamos – moral, política, mas é verdadeiramente uma coisa profundamente de fé, porque os valores fundamentais pelos quais vivemos neste mundo secularizado não são moralismos, mas são a fisionomia fundamental da fé cristã. Quando somos capazes de testemunharmos juntos estes valores, de empenharmo-nos no diálogo, na discussão deste mundo, no testemunho para vivermos estes valores, já temos dado um testemunho fundamental de unidade muito profunda de fé. Claro, são muitos os problemas teológicos, mas também aqui os elementos de unidade são muito fortes. Desejo indicar três elementos que nos unem, que nos vêem sempre mais próximos, nos fazem cada vez mais próximos. Primeiro: A Escritura, a Bíblia não é um livro caído do céu, que existe agora e que ninguém o toma, mas é um livro que cresceu no povo de Deus e vive neste comum sujeito do povo de Deus e só aqui permanece sempre presente e real, isto é, a Bíblia não pode ser isolada, mas a Bíblia está no nexo entre tradição e Igreja. Esta consciência é fundamental e pertence ao fundamento da Ortodoxia e do Catolicismo e nos dá uma estrada comum. Como segundo elemento, digamos: a tradição, que nos interpreta, que nos abre a porta para a Escritura, tem também uma forma institucional, sacra, sacramental, desejada pelo Senhor, isto é, o episcopado; há uma forma pessoal, isto é, o colégio dos bispos juntos é testemunha e presença desta tradição. E terceiro: a assim chamada “regula fidei” (regra de fé), isto é, a confissão da fé elaborada nos antigos Concílios é o resumo de tudo quanto está na Escritura e nos abre a “porta” da interpretação. Depois outros elementos: a liturgia, o comum amor por Nossa Senhora nos unem profundamente e sempre se torna também mais claro que são os fundamentos da vida cristã. Devemos ser mais conscientes e aprofundar também os detalhes, mas me parece que também se as culturas diversas geraram mal-entendidos e dificuldades, crescemos na consciência do essencial e na unidade do essencial. Desejo acrescentar que, naturalmente, não é a discussão teológica que cria por si só a unidade; é uma dimensão importante, mas toda a vida cristã, o conhecer-se, a experiência da fraternidade, aprender, apesar da experiência do passado, esta fraternidade comum, são processos que exigem também grande paciência. Mas me parece que estamos exatamente aprendendo a paciência, assim como o amor com todas as suas dimensões do diálogo teológico, vamos em frente, deixando ao Senhor o momento em que nos dará a unidade perfeita.
Padre Lombardi: Agora uma última pergunta. Um dos objetivos desta viagem é a entrega do documento de trabalho do Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio. Quais são as suas principais expectativas e esperanças para este Sínodo, para a comunidade cristã e também para todas as pessoas de outras confissões de fé neste região?
Papa: O primeiro ponto importante é que diversos Bispos, Cabeças de Igrejas que, porque temos tantas Igrejas – vários Ritos estão dispersos em diversos Países, em situações diversas – e esses aparecem frequentemente isolados, frequentemente têm também poucas informações do outro; ver-se juntos, encontrar-se juntos, e assim tomar consciência um do outro, dos problemas, da diversidade e das situações comuns, formar juntos um juízo sobre a situação, sobre o caminho a tomar. Esta comunhão concreta de diálogo e de vida é um primeiro ponto. Segundo é também a visibilidade destas Igrejas, que se veja, isto é, no mundo, que existe uma grande e antiga cristandade no Oriente Médio, que muitas vezes não está diante dos nossos olhos, e que esta visibilidade nos ajuda a ser próximos deles, a aprofundar a nossa consciência recíproca, a aprender uns dos outros, a ajudar-nos e ajudar assim também os cristãos do Oriente Médio a não perder a esperança, a permanecer, também se as situações possam ser difíceis. Assim – terceiro ponto – no diálogo entre eles se abrem também ao diálogo com os outros cristãos ortodoxos, armênios, etc…, e cresce uma comum consciência da responsabilidade cristã e também uma comum capacidade de diálogo com os irmãos mussulmanos, que são irmãos, não obstante a diversidade; e me parece que vem também o encorajamento, apesar de todos os problemas, a continuar, com uma visão comum, o diálogo com eles. Todas as tentativas para uma convivência sempre mais frutuosa e fraterna são muito importantes. Este é, portanto, um encontro interno da cristandade católica do Oriente Médio nos diversos Ritos, mas é um encontro exatamente também de abertura, de capacidade renovada de diálogo, de coragem e de esperança para o futuro.
Padre Lombardi: Obrigado, Santidade, por esta panorâmica ampla e obrigado em particular pela visão tão positiva e encorajadora que nos deu também sobre a finalidade desta viagem; e nós, então, fazemos-lhe verdadeiramente votos para que a viagem se desenvolva nesta atmosfera e com estes resultados, e procuraremos colaborar também com uma boa informação para este objetivo. Obrigado, Santidade, e boa viagem!
ZENIT em italiano, 05/06/2010
(Tradução: Pe. Raul Kestring)