É hora de aprender – Reflexão de Pe. Fernando Steffens

Diante de tudo o que estamos vivendo nesses dias – e não sabemos até quando –, lembrei-me de um testemunho do Apóstolo Paulo que, creio, ilumina-nos bastante. Suas palavras vêm a calhar por se tratar de um momento de dificuldade pelo qual ele estava passando – igualmente, nós – e diante do qual não perdeu a confiança no Senhor, mantendo-se sereno e tranquilo. Depois de falar, no versículo dez, da alegria que sentiu porque os filipenses se interessaram outra vez pelos seus ensinamentos, diz Paulo: “Não digo isso por estar passando necessidade, pois aprendi a me manter com o que tenho. Sei disciplinar-me na
penúria e na abundância. Estou acostumado com toda e qualquer situação…” (Fl 4,11-12).

De qual necessidade está falando? Daquelas de um prisioneiro. Paulo escreve aos santos em Cristo que estão em Filipos, provavelmente, da prisão. Ali, aprendeu a viver com o que tem, e podemos supor, devia ser muito pouco, um mínimo para sobreviver. Seu segredo é a disciplina adquirida ao longo de suas viagens, nas quais experimentou as mais diversas realidades e, como bom atleta de Cristo, combateu os bons combates da fé, fortalecendo-se nas provações. Paulo fez bem as lições de casa recebidas na escola do discipulado.

Por isso, não perde a compostura e a confiança diante da adversidade, pois está convicto: “Tudo posso naquele que me fortalece” (v. 13). Enquanto humanidade, enquanto comunidade global, enquanto população planetária talvez a dimensão que a pandemia tomou seja inédita. Já quanto a problemas pessoais, grande maioria de nós, por vezes, enfrentamos situações bem mais difíceis, doloridas e trágicas. Diante do Covid-19 ou sob o peso da cruz particular – esta, às vezes, perdurando por sei lá quantos anos – como aprendemos a reagir, que disciplina desenvolvemos, qual confiança a nossa fé alcança?

A pergunta para a qual busco resposta é a seguinte: em nosso tempo, o que realmente permite a vida acontecer? A vida por si mesma, como um valor a priori, ou as prisões das quais nos tornamos tão dependentes, sendo a primeira de suas celas a do dinheiro? Foi mesmo esse mundo maluco que Deus sonhou para seus filhos? – indago-me, com medo da resposta que vai se desenhando aqui dentro. É momento, sim, para repensarmos o nosso ritmo, as nossas falsas seguranças e ilusórias garantias, os ideais pelos quais gastamos toda uma vida.

Agora todos, crentes e descrentes, fiéis e infiéis, acorrem a Deus, implorando salvação, mas sem tomar consciência da responsabilidade que cada um temos diante de tudo isso. “Somos todos culpados de tudo e eu mais que todos” – diz
Dostoievski. Quão bonito o testemunho do Apóstolo dos gentios, mas quão difícil seguir seu exemplo. Não há alternativa, é preciso aprender a lidar com a situação e aprender as lições que tal situação nos deixa. “A arte de viver é, simplesmente, a arte de conviver. Simplesmente? – disse eu. Mas como é difícil” – descobre Mario Quintana.

Talvez Paulo discordaria do poeta gaúcho, justamente por ter aprendido, a duras penas, óbvio, a arte de conviver. E conviver com tudo. Nós, por nossa vez, continuamos nas não simples dificuldades do dia-a-dia e nas buscas por suas soluções. E, se não aprendermos a tal arte, nunca chegaremos a estatura de Paulo – que é livre, mesmo dentro da prisão. Não é a pandemia que me interessa, não sei se ficou claro. O que ocupa minha reflexão é a vida humana e suas oportunidades de reflexão que, facilmente, passam despercebidas.

Temo que, após o Coronavírus, alguns poucos tenham apenas aprendido a desenvolver uma vacina e outros alguns tenham, nada mais que, encontrado um jeito de equilibrar a Bolsa a fim de que as ações não despenquem. Ambas as coisas são necessárias, mas, pensando para além, é muito pouco. E, tendo passado a tempestade, todos voltaremos para nossas
celas, esperando o momento de clamarmos outra vez por deus, sei lá eu qual. Sou cristão, sou padre, estou rezando também, mas penso que não é apenas de oração para a solução dos problemas por meio da intervenção divina o que precisamos nesse momento. Isso é reduzir Deus a uma espécie de vigilante sanitário com super-poderes.

Ouso dizer que Deus já fez sua parte, dando-nos inteligência para descobrirmos os remédios, ainda que não saibamos quanto tempo isso levará. Estamos, não podemos esquecer, diante das consequências da liberdade que o mesmo Deus deu a cada um de nós, cujas escolhas que fazemos acarretam consequências – micro ou macrocósmicas. O pior, desconfio, é se Deus estiver dizendo algo e não soubermos ouvir. Que outras coisas podem ser curadas em nós, a partir do Coronavírus? Que outras mais carece aprendermos com tudo isso? “Aprendi a me manter com o que tenho”. E não se trata apenas de coisas materiais, de víveres, dos supérfluos, de uma manutenção físico-biológica. A alma também requer sustento, também vive, o interior igualmente precisa de mantimentos.

É hora de aprender a viver com o pouco – pouca liberdade, pouca gente, pouca renda, pouco contato, pouca certeza, pouca coisa a fazer –, mas, nesse pouco, encontrar o essencial, o necessário, o indispensável, o insubstituível, o que dá sentido e que, no fim, é o muito que precisamos. É hora de aprender que o trabalho pode esperar, que dinheiro não compra tudo, não resolve tudo e não é comida. É hora de aprender a esperar, simplesmente esperar, como foi até que nascêssemos. É hora de aprender que os mais velhos existem. É hora de aprender que a casa é um lugar para se estar. É hora de aprender que em algumas situações, não podemos fingir que não está acontecendo nada, e que devemos obedecer, apenas obedecer. É hora de aprender que, fazendo minha parte, a vida alheia estará mais segura, ainda que me custe um pouco – aprendendo, assim, que a vida tem um custo.

Passado o Coronavírus, quiçá possamos dizer: “Estou acostumado com toda e qualquer situação”. Do contrário, terá sido apenas uma triste pandemia.

Pe. Fernando Steffens
19/03/2020.

Suas opções de privacidade

Neste painel, você pode expressar algumas preferências relacionadas ao processamento de suas informações pessoais.

Você pode revisar e alterar as escolhas feitas a qualquer momento, basta voltar a neste painel através do link fornecido.

Para negar seu consentimento para as atividades específicas de processamento descritas abaixo, mude os comandos para desativar ou use o botão “Rejeitar todos” e confirme que você deseja salvar suas escolhas.

Suas preferências de consentimento para tecnologias de rastreamento

As opções fornecidas nesta seção permitem que você personalize suas preferências de consentimento para qualquer tecnologia de rastreamento utilizada para as finalidades descritas abaixo. Lembre-se de que negar consentimento para uma determinada finalidade pode tornar as funcionalidades relacionadas indisponíveis.

Necessários / Técnicos
Estes rastreadores são usados para atividades que são estritamente necessárias para operar ou prestar o serviço que você solicitou e, assim, não precisam de sua permissão.

Funcionalidade
Estes rastreadores permitem interações e funcionalidades básicas que permitem que você acesse recursos selecionados de nossos serviços e facilite sua comunicação conosco.

Experiência
Estes rastreadores nos ajudam a melhorar a qualidade de sua experiência de usuário e permitem interações com conteúdo externo, redes e plataformas.

Medição
Estes rastreadores nos ajudam a mensurar o tráfego e analisar seu comportamento, a fim de melhorar nosso serviço.