Neste domingo com a celebração da solenidade de Ramos entramos com toda a Igreja na “grande semana” ou “semana Santa”. O Evangelho da Paixão que ouviremos em nossas liturgias marcam o desfecho desta solenidade que tem seu ponto alto na morte de Jesus: “Jesus, porém, tornando a dar um grande grito, entregou o espirito” (Mt 27,50).
É um domingo verde e vermelho, que transita entre a euforia dos aplausos e a crueldade da cruz. Domingo da contradição, dos extremos, dos ramos e da Paixão. Celebração que mostra a natureza pendular dos humores humanos, que revela as maravilhas e as misérias que podem nascer no coração da pessoa a partir das escolhas que realiza.
Neste Domingo, a seiva verde que confere vida e cor aos ramos balançados em honra ao Messias remete ao sangue derramado por Cristo, seiva vermelha de coerência e entrega daquele que, “amando-nos até o fim”, se contorce, humilhado na alma e lacerado no corpo, imóvel sobre a superfície áspera e hostil do madeiro.
Assim, a liturgia deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
Logo, esta liturgia iluminada tem muito a iluminar nossa vida, pois a vida cristã tem também esta impressão. Ela não é feita somente da festa e do aplauso, tem de ser “temperada” com a Cruz e a solidão. Mas não deve ser acolhida por nós cristãos como um “peso” rígido e rigoroso, impossível de ser vivido. O início da semana santa aponta para este equilíbrio que existe na vida cristã, e que nos é oferecido exatamente na Cruz de Cristo. Ela une e integra estas duas pontas do cristianismo: a dor e amor, sofrimento vivido com gratuidade, a solidão e o reconhecimento, a morte e a vida….
Na primeira leitura encontramos uma bela imagem desta realidade: O profeta Isaías no cântico do servo apresenta-nos um discípulo que se deixa purificar por Deus. Não lhe oferece muitas resistências: “ O Senhor abriu-me os ouvidos, não lhe resisti nem voltei atrás.” (Is 50, 5). Nem mesmo quando esta purificação se encontra com o sofrimento e a humilhação: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas (…) mas o Senhor Deus é meu auxiliador” (Is 50, 7).
Isaías ainda nos oferece outras interessantes informações acerca deste seu misterioso servo que tocam também seus sentidos: Deus lhe deu ‘língua adestrada’. Fico pensando no significado disto. E da sua atualidade. Nós desaprendemos há muito a ‘adestrar nossas palavras’, a purificar nossa língua. É mais confortável ‘adestrar a outrem’, corrigir os erros dos outros. O segundo aspecto ligado a sensibilidade do servo está ligado ao que ouve: “ ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo” (Is 50, 4). O servo escuta cada manhã a Palavra de Deus. E a boca fala o que está em seu coração: Como nós estamos purificando nossa sensibilidade para que ela se torne ponte espiritual para mim e meus irmãos?
No Evangelho Jesus se dirige a Jerusalém. É seu ingresso triunfal. Quando se aproxima de Jerusalém a multidão o recebe: “as multidões que o precediam e os que o seguiam gritavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 21,9).
A euforia é generalizada. Todos aclamam ao Rei. É aquela parte importante da vida dos discípulos: que é também feita da festa, da alegria, e da esperança messiânica.
No entanto se faz necessário a busca do equilíbrio, de ‘juntar as pontas’. O verdadeiro discípulo de Jesus sabe que a vida não é só festa e exterioridade. Ela deve ser permeada pelos significados que a Cruz oferece: Paulo no antiquíssimo hino aos Filipenses (a segunda leitura) nos ajuda a integrar esta outra ponta do mistério: “ Jesus Cristo existindo em divina condição, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas Ele esvaziou-se” (Fl 2,6-7). O esvaziamento de Jesus daquela Divina condição, é afirmação de que o discípulo de Cristo é convidado a cotidianos esvaziamentos. Lá no silêncio e na oração, encontrar Cristo e a si mesmo.
Por isso nessa semana santa somos convidados a contemplar a cruz, onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus, que significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os doentes da pandemia, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Significa olhar a cruz de Jesus e denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte, pois seguir o mestre significa partilhar do destino do Mestre – a cruz, mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
A semana Santa tem somente este endereço. Seu desfecho será a cruz e nossa salvação! Neste Domingo dos extremos somos convidados a ser teimosos na esperança, a não desanimarmos diante de muitos sinais de morte e agora sobretudo, com a doença da pandemia que, infelizmente, nos têm acompanhado. É tempo de renovarmos a certeza de que a nossa força deve estar em Cristo. É caminhando com ele que teremos a coragem necessária para vencer os desafios da cruz que temos enfrentado, individual e coletivamente. É com ele – nós cremos – que desejamos ressuscitar para o compromisso da construção de um mundo novo. Avante, com o verde de nosso entusiasmo e o vermelho do sangue que estamos dispostos a consumir em favor do Reino!
Pe. Osmar Debartin
Doutor em Teologia bíblica pela Pontifícia Università San Tommaso D’Aquno (Angelicum), Roma, e pároco em Ascurra, SC