(7º Passo da Sobriedade – REPARAR)
Mais um passo a dar nesse programa de vida nova. Há sete semanas, admitimos nossa dependência, senão dos vícios, de erros que repetimos, mesmo sabendo que não deveríamos praticá-los. Estamos confiando no Senhor e a Ele já nos entregamos. Já nos arrependemos e confessamos os nossos pecados, e por esta razão, pudemos viver o renascimento da conversão, nos tornando pessoas melhores. E hoje, diante deste passo, devemos perceber que cada vez que vivenciamos um novo passo, ele exige uma condição de verdade ainda maior e se assim não for, não há como vivê-lo. Como poderemos estar diante do Senhor, receber a sua acolhida, se não acolhemos o irmão? Como poderemos nos comprometer com o Senhor, se não conseguimos cumprir com o nosso dever, perdoar e pedir perdão pelas nossas ações? Como poderemos ser beneficiados se não reparamos os males que causamos?
Até então fizemos uma caminhada individual, voltada para a nossa conversão. A partir de agora devemos entender que não estamos sozinhos, que as nossas atitudes alcançam as outras pessoas e isso é algo que mais cedo ou mais tarde volta à nossa consciência em forma de cobrança. Nessa caminhada individual no sentido da conversão, não há como trabalhar a sobriedade isoladamente. Obviamente, primeiro tentamos dar conta da gente, mas depois, como é impossível viver isolado, a experiência de vida nova deve ser externada para além de nós, reparada pelos males que causamos por nosso egoísmo, pelas aflições que provocamos sem considerar o sofrimento de quem amamos. Sabemos que de alguma forma todas essas atitudes termina reverberando em nós, como um bumerangue. Em verdade, se prejudicamos alguém estamos primeiramente prejudicando a nós mesmos, pois estamos atestando a nossa pequenez, e a nossa hipocrisia com nossos gestos tão mesquinhos.
Se roubamos a dignidade e a confiança da família, se fomos mais além, se fizemos práticas ilegais, se usurpamos bens materiais, se agredimos com palavras, se invadimos a intimidade do nosso irmão, se o julgamos e ofendemos, se levamos intrigas e fofocas, se prejudicamos a imagem de alguém, se atiramos pedras, se inventamos mentiras para alcançar benefícios próprios, se violamos ou ameaçamos a vida de alguém, inclusive a nossa, está na hora de parar, está na hora de refletirmos e reconhecermos estes males. Só poderemos entregar a Deus uma alma lavada. Não há como fazermos uma entrega parcial. Não há como entregar a Deus a parte boa e esconder as falhas. Essa entrega, ela só se dá por completo e se tentamos nos melhorar, Deus também o saberá.
A leitura de Mateus 5,23-26 chama-nos a atenção para a nossa relação com Deus. Ela deve ser sincera, íntegra e plena. A verdade é o ponto de partida para criar essa aproximação e nada vai promover mais essa verdade em nosso interior do que sermos transparentes e simples nas nossas relações com os nossos semelhantes. Somos convidados a acertar as nossas dívidas com os irmãos como primeiro passo para que Deus nos aceite. A humildade é um requisito necessário para essa aproximação, e nada tão humilhante para o nosso orgulho que admitir as nossas fraquezas diante de um igual, aguardando o seu perdão. Assumir os erros é um começo essencial da paz com Deus. Repará-los nos custa mais que palavras, mas é o único caminho para a conciliação com o irmão de carne e o grande Pai.
Aqui não estamos colocando em questão o erro. Também não está aqui definido o tipo de erro. Abrimos um leque para os pensamentos, as palavras e as atitudes que cometemos. Nesta leitura, Jesus não define culpados, apenas aponta a reconciliação para os relacionamentos quebrados. E vai ainda mais longe, Ele chama a atenção para que resolvamos o assunto rapidamente, para que não venhamos a penar em pagar até o último centavo. Ou seja, é como se Ele estivesse nos oferecendo uma possibilidade de resolvermos por nós mesmos as nossas práticas erradas, de forma a se tornar mais rápida essa aproximação com Ele.
Jesus nos convida a tomar iniciativa nesse processo. Mesmo se conseguimos perdoar e esse irmão ainda não teve condições de nos perdoar, devemos fazer tudo que está ao nosso alcance para concluir essa reconciliação. Ambos devem compartilhar a obrigação de trabalhar para a resolução do conflito, mas se Deus toma conta da nossa consciência, devemos praticar a Sua vontade sem medir esforços. A reconciliação é tão importante que tem prioridade sobre todo o resto. Deus prefere antes ver-nos resolver nossas diferenças a receber nossas ofertas. Obviamente, não podemos mudar o coração de outra pessoa, mas o nosso desejo e esforço devem ser para fechar a brecha tanto quanto é possível da nossa parte e não reter a raiva, se é assim que o outro age. Independente de quem é responsável pela quebra do relacionamento, na maioria das vezes existe responsabilidade dos dois lados. Façamos então o nosso papel antes de nos apresentarmos a Deus.
A lição que podemos tirar disso é que a raiva e o ódio afetam nosso relacionamento com o Senhor. Enquanto houver pecado interno de ações exteriores o encontro com Deus fica suspenso. A Reconciliação deve anteceder a nossa adoração porque a dívida não resolvida tem prioridade e deve ser quitada, ou viveremos um ato de hipocrisia, pedindo perdão a Deus sem arrependimento. Ele busca em nós os dons que lhe trazemos como oferta, seja de gratidão, de serviço, de oferta material ou financeira. E esses dons são o que de melhor podemos Lhe ofertar, mas todo dom é aceitável na medida em que oferecemos para viver um ato de partilha na comunhão, de ser digno a fazer parte da Sua mesa, apresentando uma conduta íntegra e sincera.
Podemos pensar: bom, mas se assim o for ninguém estaria comungando afinal, pois se temos que nos reconciliar com o nosso irmão antes de ofertar a nossa vida ou fazer parte de Sua mesa, então vai demorar ou será impossível, pois o irmão sequer nos perdoou ainda. Aqui não está em questão as ações do outro, mas a nossa. A nossa parte precisa ser feita, precisa haver o investimento, precisamos nos apresentar de cara limpa, com as dívidas pagas, com o pedido de perdão feito de coração. Se o outro não perdoou, essa já é uma questão dele, não nossa. Estas são as relações concretas que Deus quer que tenhamos.
Muitos comentam que os animais selvagens ferem menos a sua própria espécie que o homem está para oprimir e prejudicar o seu semelhante. De fato, temos temperamentos diferentes uns dos outros e essas diferenças devem existir e ser respeitadas. Mas muitas vezes sentimo-nos afetados por estas diferenças, e aí começamos a criar conflitos, onde chegamos a travar guerras com aqueles que mais amamos. Muitas vezes queremos provar que estamos certos ou somos mais fortes. Se a pessoa do EU sempre está em primeiro lugar, não temos como enxergar o que nos acontece do lado de fora ou quem estamos ferindo. Muito menos perceberemos se algum dos nossos semelhantes tem alguma coisa contra nós. O que devemos fazer a princípio?
· Olhar ao nosso redor e se dar conta de que as coisas que acontecem também são de nossa responsabilidade, ou seja, se disponibilizar a ver a nossa parcela de culpa.
· Reconhecer as ações que prejudicaram a relação familiar ou de amizade e estar disposto a pedir perdão.
· Essa disponibilidade vem do desejo de resgatar a alegria da amizade e o bem estar, a paz no relacionamento.
· Agora, se o prejuízo for material, o empenho terá de ser redobrado, pois além de se esforçar por resgatar o relacionamento, também teremos que repor tudo o que deterioramos, devemos repor tudo o que tiramos, devemos colocar de volta tudo o que de forma ilícita roubamos do outro.
Como dizia anteriormente, este é um passo e ação, um passo que se externa e que começa a requerer movimentos maiores, um passo que trabalha a consciência, que se reporta ao irmão, que requer, como todos os outros passos anteriores, muita coragem.
Texto: Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau
Imagens: Pe. Raul Kestring