Corpus Christi é uma expressão latina que significa Corpo de Cristo, aludindo à presença real do Senhor no pão consagrado pelo sacerdote. O apóstolo Paulo, em torno de sessenta anos depois da morte de Jesus, na carta endereçada aos cristãos de Corinto (1Cor 11-26), recorda-lhes como o próprio Cristo instituiu diretamente este sacramento. Escreve ele: “Depois de dar graças, partiu-o (o pão) e disse: ‘Isto é o meu corpo que é para vocês: façam isto em memória de mim”. E tomando também o cálice, disse: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim”.
A solenidade de Corpus Christi é também chamada de Corpo de Deus. De fato, Jesus foi para o mundo a imagem do Deus de Abraão, Isaac e Jacó. A Filipe que pedia para ver o Pai, o Mestre lhe declara: “Quem me vê vê o Pai” (Jo 14,9).
A mesma comemoração se qualifica ainda como solenidade do Santíssimo Sacramento. Todos os sete sacramentos são santos e manifestam a presença e ação divinas em quem os recebem. A Eucaristia, porém, é algo a mais: a presença real do Salvador. A teologia católica, desde o Concilio de Trento, em 1545, considera esta divina presença como real e em corpo, sangue, alma e divindade. É por isso que, adora-se a hóstia consagrada mesmo depois de os fiéis terem comungado Jesus em forma de pão. E como tal, dedica a este sacramento o aumentativo santíssimo.
A celebração de Corpus Christi remonta ao século XIII. Coube à freira agostiniana belga Santa Juliana de Mont Cornillon sugerir a introdução dessa festa no calendário litúrgico da Igreja. Percebeu ela uma lacuna entre as celebrações litúrgicas. Trabalhava na sua diocese, Liège, na Bélgica, o sacerdote que, depois, tornou-se o Papa Urbano IV. Este, com a bula Transiturus, em 8 de setembro de 1264, instituiu oficialmente a festa de Corpus Christi para toda a Igreja, fixando-a para a quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade.
As mesmas celebrações em diversos países e culturas foram-lhe acrescentando elementos que chegaram até nós, como a procissão externa ao templo, orações, hinos, tapetes e demais enfeites, através dos quais transparece a fé e o carinho do povo pela presença do Senhor.
Em tempos de pandemia, no entanto, pela primeira vez na história, a comemoração ficará restrita ao espaço da igreja ou ainda num percurso de automóvel, em que o sacerdote leva o ostensório com a hóstia consagrada pelas ruas, abençoando o povo e a cidade. O mesmo Jesus se autoproclama: “Eu sou a Vida” (Jo 11,25) e, por isso, renunciamos a aglomerações de fiéis, conforme recomendações sanitárias, em vista de proteger a vida uns dos outros. Pode-se afirmar que a vida é tão sagrada quanto a Eucaristia.
Desejo, enfim, referir-me ao contexto em que o Apóstolo Paulo evoca a instituição da Ceia Sagrada. Ele diz que não pode elogiar a comunidade de Corinto. Porque? Ele mesmo justifica: “Suas assembleias, em vez de ajuda-los a progredir, os prejudicam” (1Cor 11,17). Como prejudicam? Responde Paulo: “Antes de tudo, ouço dizer que quando estão reunidos em assembleia há divisões entre vocês (11,18)”. E especifica mais: “Cada um se apressa a comer a própria ceia. E enquanto um passa forme, o outro fica embriagado” (v. 21).
Essa advertência de Paulo torna-se muito atual para nós! Em nosso mundo, tanto pão continua sendo acumulado por alguns enquanto outros passam fome, morrem de fome. Nossas celebrações eucarísticas continuam denunciando as nossas divisões e egoísmos. Pouco partilhamos o pão da justiça, do amor, da cultura, da igualdade, da esperança, da vida. Pois quem se alimenta do pão da Eucaristia deve consequentemente ser instrumento de unidade, partilha, dignidade, solidariedade. Este era o desejo de Paulo à comunidade de Corinto. E é o desejo de Deus para o seu povo e toda a humanidade.
Pe. Raul Kestring