“O Padre é um mediador entre Deus e os homens, não um funcionário que não suja as mãos” – REUTERS
21/06/2017 17:43
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Cidade do Vaticano (RV) – No dia do Sagrado Coração de Jesus, celebrado em 23 de junho, recorre o Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, ocasião propícia para um tempo de oração e de comunhão entre os sacerdotes, além de uma oportunidade ímpar para redescobrir e reavivar o dom do sacerdócio.
O Papa Francisco, em diversas ocasiões, fala dos pastores com o coração de Cristo, a serviço do povo de Deus, como foram no século passado os dois sacerdotes italianos, Padre Mazzolari e Padre Milani, homenageados com sua visita a Bozzolo e Barbiana em 20 de junho.
A enfatizar este aspecto foi o Prefeito da Congregação para o Clero, Cardeal Beniamino Stella, em entrevista concedida ao L’Osservatore Romano com o título “Pecador e pescador”.
OR: Qual é o significado deste dia?
“Antes de tudo a possibilidade de um tempo de oração e reflexão que apresenta ao menos três aspectos. O primeiro é justamente a centralidade da oração; rezando juntos, de fato, os sacerdotes recordam que o seu ministério não é radicado nas coisas a serem feitas e que, sem a relação pessoal com o Senhor, se corre o risco de mergulhar no trabalho, negligenciando Jesus. O segundo aspecto, é a redescoberta do valor da diocesanidade, porque não se é padre sozinho, mas como parte da família do presbitério, e este dia convida os sacerdotes a reencontrarem a beleza da fraternidade presbiteral junto ao próprio bispo, renovando o compromisso a superar as divergências que frequentemente impedem aos sacerdotes viver a comunhão e de atuar juntos em âmbito pastoral. Por fim, por meio de momentos de reflexão e de verificação, o dia quer ajudar os padres a redescobrir a essência de sua identidade e o sentido de seu serviço ao povo de Deus”.
OR: Seria possível delinear um modelo de pastor segundo o magistério pontifício?
“Dirigindo-se aos sacerdotes ou falando de seu ministério, o Papa pouco a pouco, delineou lentamente um verdadeiro retrato do padre. E surge então o modelo de um pastor que caminha em meio ao seu povo, participa com a própria vida de suas vicissitudes, se comove profundamente pelas suas feridas e o unge com a alegria do Evangelho. Mesmo recentemente, o Pontífice expressou a sua preocupação maior: a de que os sacerdotes caiam na tentação de viver o ministério como um dever de ofício, como se fossem, isto é, “clérigos de Estado”, ou “funcionários do sagrado”; pelo contrário, o povo de Deus tem necessidade de um pastor que escute, acolha, acompanhe, que seja o bom samaritano para quem ficou ao largo da vida. Recentemente, o Santo Padre usou uma expressão muito forte sobre a figura do padre: “É um mediador entre Deus e os homens, não um funcionário que não suja as mãos”. O padre, segundo Francisco, é o homem da relação com o Pai e com as pessoas, ministro da compaixão que sabe consolar e guiar, que sabe fazer um discernimento pastoral em todas as situações e é capaz de acender pequenas luzes, mesmo naquelas existências ou naqueles contextos onde parece que tudo esteja perdido”.
OR: O Papa recém visitou os lugares que tiveram como protagonistas dois padres “incômodos”, Padre Primo Mazzolari e Padre Lorenzo Milani. Que mensagem se pode tirar disto, para os párocos italianos de hoje?
“Estas duas etapas, tão ricas de significado para a espiritualidade da Igreja na Itália, embelezam o retrato do padre delineado pelo Papa Francisco de que falava. Foi uma homenagem importante a dois sacerdotes corajosos, livres, animados por um autêntico espírito evangélico, que os tornou “incômodos” muitas vezes – e por isto incompreendidos – capazes de comunicar o Evangelho na “periferia”, mesmo aos mais distantes. Com esta dupla visita o Papa quis reiterar que “os párocos são a força da Igreja na Itália”, exortando a viver o sacerdócio naquela dimensão profética que nos faz “caminhar em frente”, também ao custo de ser, não logo ou não por todos, entendidos. Destas duas extraordinárias figuras de padres, colheria dois aspectos enfatizados pelo Pontífice e que podem representar uma mensagem importante também para os sacerdotes de hoje. Do Padre Mazzolari, o Papa recordou como amava dizer que o “padre não é um repetidor passivo e sem alma”, mas alguém que proclama a verdade por meio de uma “cordial humanidade”, fazendo dela um instrumento de misericórdia de Deus. Do Padre Milani, reevocou a paixão educativa e o empenho em “devolver a palavra aos pobres”, sublinhando que a raiz desta missão era o seu ser “um padre de fé”. Deste modo, o Pontífice descreve um padre que é um anunciador humano, cordial, misericordioso; e, ainda, “homem de fé sincera e não aguada”, para poder viver “uma caridade pastoral por todos”.
OR: Diversas vezes o Pontífice falou sobre a necessidade de um caminho de formação e amadurecimento para os sacerdotes. Como realizá-lo?
“Hoje se percebe de modo especial esta necessidade, realmente imprescindível, da formação dos padres, também eles discípulos chamados a seguir Jesus: devem ser plasmados pela sua palavra e configurar o seu coração àquele do Bom Pastor. É necessário trabalhar muito na qualidade do percurso que se vive nos seminários e sobre isto a Congregação para o Clero investe muita energia. Temos necessidade de seminários que sejam locais de crescimento humano, espiritual, acadêmico e pastoral; e temos necessidade de formadores preparados, que saibam oferecer aos candidatos a possibilidade de amadurecimento psico-afetivo e de enraizamento na oração, em um clima comunitário fraterno, capaz de fazê-los sair de si mesmos e de ajudá-los gradualmente a inserir-se no campo pastoral”.
OR: Como superar a tentação do “sentido de derrota, que nos transforma em pessimistas descontentes e desencantados pelo rosto escuro”, como se lê na Evangelii gaudium?
“O Papa Francisco mostra possuir, além de uma lúcida capacidade de leitura da vida pastoral, aquilo que poderíamos chamar a pulsação da vida: sabe, isto é, que na vida dos fiéis e dos sacerdotes podem existir momentos de desencorajamento, cansaço, frustração. O padre vive na própria pele a lógica do Evangelho, isto é, do reino que cresce como uma pequena semente ou um fermento escondido, em modo invisível, para além dos cálculos humanos. Por isto deve ter a armadura forte da fé e da oração, para que não interprete nunca a sua missão como o equivalente a um trabalho empresarial, baseado no lucro; deve chegar à confiança da escuta da Palavra e da colaboração ativa com os confrades e com os leigos, lutando contra todo o pessimismo e buscando ser criativo e dinâmico no anúncio do Evangelho. Como observou o Pontífice, quando um padre se deixa abater pelos problemas e pelas necessidades das pessoas, recebe o afeto e o amor gratuito do povo de Deus. E isto torna-se para ele consolação e antídoto a todo sentimento de derrota e de desencorajamento”.
OR: Muitas vezes os padres se encontram diante de lapsos de fé. Como superar esta provação?
“Existem regiões do mundo marcadas por um crescente secularismo, pela pobreza e pela injustiça, pelos conflitos étnicos e religiosos: ali é difícil testemunhar a fé cristã, e mais ainda viver o ministério sacerdotal. Às vezes se tem a impressão – como afirma o Papa na Evangelii gaudium – que se vai de encontro a uma “desertificação espiritual” e a um esfriamento do dinamismo da própria evangelização. Penso que o sacerdote, em tais contextos, deva antes de tudo, radicar-se em uma relação íntima e pessoal com Jesus, o qual, durante a sua missão, teve dificuldades, foi impedido e no final levado à morte. A ressurreição do Senhor dá a certeza interior de que, dentro de nossa fraqueza e do “escândalo da paixão” a qual frequentemente é submetido o próprio anúncio do Evangelho, resplandece o poder do amor de Deus. No encontro com os sacerdotes de Milão, o Pontífice recordou também que não devemos nunca temer os desafios: porque nos fazem crescer, nos salvam de um pensamento fechado e ideológico e, de uma forma ou outra, nos desacomodam. Na provação, eu diria, somos desafiados a parar, a retornar ao Senhor, despojando-nos de toda presunção, a buscar novos caminhos para o anúncio do Evangelho, saindo dos hábitos consolidados e da pretensão de já ter chegado. Assim, também um momento de provação pode revelar-se como uma ocasião de crescimento”.
OR: Como convivem em um padre ou em um bispo a consciência de serem pecadores aos olhos de Deus e a consciência do chamado de Jesus para serem pescadores de homens?
“Na dinâmica da vocação sacerdotal existe este paradoxo, bem visível no chamado dos apóstolos por parte do Senhor: quem é chamado nunca é um perfeito ou uma pessoa que tenha dons extraordinários, mas pelo contrário, Jesus se detém na margem do mar para dirigir-se a alguns simples pescadores e, pouco depois, a um cobrador de impostos. Um padre ou um bispo experimentam isto durante toda a sua vida; sentem que a exigência da missão a eles confiada é levada em frente porque a misericórdia de Deus vem em auxílio a sua fraqueza e às suas fragilidades; aprendem, a cada dia, a serem apóstolos, não por méritos pessoais, mas porque foram escolhidos pelo Senhor, que os chamou e os enviou. Os dois aspectos – ser pecadores e ser pescadores de homens, enviados a proclamar o Evangelho – não somente convivem bem, mas são também uma garantia para a nossa santificação: se tudo dependesse da nossa perfeição, logo nos esqueceríamos de Deus e nos tornaríamos soberbos. Há poucos dias, em uma homilia na Santa Marta, o Papa disse que não devemos maquiar-nos para parecer “vasos de ouro”, mas pelo contrário, devemos aceitar sermos “vasos de barro”; somente assim o oleiro, que é Deus, nos modela com amor e permite que, mesmo dentro de nossa fraqueza, resplandeça o tesouro do Evangelho, a ser levado ao mundo inteiro”.
(JE – L’Osservatore Romano)
Fonte: Site da Rádio Vaticano