Posse de Dom Murilo S.R. Krieger, scj ,como Arcebispo de São Salvador da Bahia
Catedral, Solenidade da Anunciação do Senhor, 25.03.11
1. “Alegra-te, cheia de graça. O Senhor está contigo!” (Lc 1,30b-31). Tinha razão o anjo Gabriel, em pedir a Maria que se alegrasse. O anúncio que ele trazia à jovem de Nazaré era uma boa nova, uma alegre notícia: “Encontraste graça junto a Deus. Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus” (Lc 1,28). Jesus: esse era o nome que o enviado por Deus dava ao filho que Maria era chamada a conceber, por obra do Espírito Santo. Além de chamá-lo de “Jesus”, o mensageiro de Deus o chamou também de Filho do Altíssimo (cf. 1,32).
2. Dias depois da Anunciação do Senhor, Maria foi apressadamente à casa de sua prima Isabel. Da boca de sua parenta, o Filho que esperava recebeu outro nome: Senhor. “Como mereço que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc 1,43). Elogiada por Isabel, por haver acreditado no que lhe foi anunciado e proposto, a Mãe de Jesus prorrompeu num canto, conhecido com o nome de Magnificat (cf. 1,47-55). Nele, Maria engrandece seu Senhor e testemunha sua alegria em Deus, seu Salvador.
3. Salvador. Até o momento da Anunciação, desconhecia-se que Deus é Trindade. Maria foi a primeira criatura a saber que Deus é Pai; e é Pai porque desde toda a eternidade tem um Filho, Jesus Cristo, “nascido do Pai antes de todos os séculos…, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro” (Símbolo Niceno-constantinopolitano). Foi também a primeira a saber que o Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, é o “Senhor que dá a vida e procede do Pai e do Filho” (id.).
4. Por ocasião do nascimento de Jesus, o anúncio dos anjos aos pastores centrou-se em uma certeza: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Jo 2,11). Mais tarde, o mesmo título – Salvador – será dado a Jesus pelos conterrâneos da Samaritana: “Já não é por causa daquilo que contaste que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4,42). Em sua segunda Carta, o apóstolo Pedro incentivará as comunidades do norte da Ásia Menor: “Procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pd 3,18).
5. Salvador. São Salvador da Bahia. É com não pequena emoção que tomo posse como Arcebispo na cidade que, além de ser sede da primeira Diocese do Brasil, presta em seu nome uma homenagem a Jesus Cristo. Sim, o Filho de Deus é o nosso Salvador: “por nós foi crucificado…, padeceu e foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia…”.
6. Venho por nomeação feita pelo sucessor de Pedro. Procurarei exercer minha missão em profunda unidade com o Papa Bento XVI. Através de Sua Excelência, o Senhor Núncio Apostólico Dom Lorenzo Baldisseri, representante do Papa no Brasil, quero fazer chegar ao coração de Bento XVI a certeza de que me dedicarei com amor à missão que ele, Bispo de Roma, me confiou.
7. Sucedo nesta sede episcopal ao Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo. Em sua pessoa, sempre me impressionaram a bondade e o senso de equilíbrio. Sua permanência em Salvador, após deixar o governo da Arquidiocese, assegura-me que terei, perto de mim, o apoio de um amigo e a ajuda de um colaborador eficaz.
8. Presto minha homenagem aos nove bispos e 26 arcebispos que me antecederam. Todos eles foram decisivos na construção da bela história desta Arquidiocese. Nos passos que eles deram sou chamado a descobrir os passos de Deus, nesta terra abençoada. Na pessoa de dois deles, que conheci, reverencio a memória dos demais: o Cardeal Dom Avelar Brandão, de quem guardo a força da palavra e a bondade do coração; e Dom Lucas Moreira Neves, do qual recordo a unidade com o Papa João Paulo II e o amor à Igreja. Sei que esta Arquidiocese muito deve também a seus Bispos Auxiliares. Aos dois, que recentemente deixaram esta Arquidiocese para assumir governos diocesanos, Dom Josafá Menezes da Silva, Bispo de Barreiras, e Dom João Carlos Petrini, Bispo de Camaçari, asseguro minha prece e minha amizade. A Dom Gregório Paixão, atual Bispo Auxiliar, dou minha certeza: contarei muito com sua colaboração no governo desta Arquidiocese Primaz.
9. Trabalharei de perto com os Arcebispos e Bispos do Regional Nordeste 3 da CNBB, formado pelas 23 Dioceses dos Estados da Bahia e de Sergipe. Muito terei que aprender com vocês, meus irmãos, porque sei que muito vocês têm a me ensinar.
10. Aos sacerdotes desta Arquidiocese, diocesanos e religiosos, quero testemunhar o que aprendi ao longo de meus vinte e seis anos de episcopado: a maior parte do que um Bispo consegue realizar em sua Diocese, consegue fazê-lo por meio de seus sacerdotes. Procurarei ser seu pai, seu irmão mais velho, seu amigo.
11. Como pensar nos sacerdotes, sem pensar nos seminaristas? Porque vocês são a esperança da Igreja, são a minha esperança. “Amai a vossa vocação como o dom mais precioso que vos foi concedido” (João Paulo II, Catedral de Salvador, 06.07.80, dirigindo-se aos seminaristas).
12. Ao dirigir-me aos Diáconos Permanentes, lembro que o ministério que vocês exercem é uma advertência a todos: seguir Jesus Cristo significa servir seus irmãos e irmãs, como aquele que lhes lava os pés.
13. Sou religioso, da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus. Devo muito à Congregação fundada pelo Pe. Dehon. Sei que uma congregação religiosa é um dom do Espírito Santo, para ressaltar na Igreja algum aspecto da infinita riqueza de Cristo. Confirmo-lhes, religiosos e religiosas, que a maior contribuição que poderão continuar prestando a esta Arquidiocese é a vivência profunda do próprio carisma. Vale o mesmo para os Institutos Seculares aqui presentes.
14. Aos leigos e leigas, asseguro: vocês estão sempre presentes no ministério de um Bispo. Juntos, somos chamados a fazer de cada batizado um entusiasta discípulo missionário de Jesus Cristo. Nessa missão e responsabilidade, conto muito com as pastorais e os movimentos, as irmandades e as associações, as novas comunidades e outras organizações laicais.
15. Ao me dirigir às Autoridades civis e militares, penso na afirmação do apóstolo Paulo: “Toda autoridade vem de Deus” (Rm 13,1). O serviço que prestam à sociedade os aproxima de mim, pois também sou chamado a servir a comunidade. Numa realidade tão desafiadora como a da Bahia, com imensas riquezas culturais e sérios desafios sociais, trabalhemos, pois, no devido respeito às responsabilidades de cada um, para, juntos, construirmos uma sociedade justa, fraterna e solidária. Agradeço a presença, nesta celebração, não somente das Autoridades deste Estado que me acolhe, mas também as que vieram representar meu Estado natal, Santa Catarina.
16. Há nesta Arquidiocese a presença de outras Igrejas cristãs. Respeitando nossas diferenças e aproximando-nos em vista do patrimônio imenso que nos une – por exemplo: a fé em Jesus Cristo Filho de Deus e Salvador, e na mesma Palavra de Deus –, estaremos buscando a unidade desejada por Jesus: “Pai…, que todos sejam um, para que o mundo creia” (Jo 17,21).
17. Aos que são de religiões não-cristãs, lembro as palavras do Documento de Aparecida, que apresenta orientações para a Igreja que está na América Latina e no Caribe: somos chamados “ao encontro fraterno e respeitoso com os seguidores de religiões não cristãs e com todas as pessoas empenhadas no bem da justiça e na construção da fraternidade universal” (DA 168).
18. Muitos devem estar se perguntando: quem é este Bispo que vem de um Estado distante? O que pensa? O que nos traz? Limito-me a dizer-lhes que, catarinense da cidade de Brusque, muito devo à minha família; daí a profunda ligação que tenho com meus irmãos, cunhados e sobrinhos, com meus primos e primas. Posso-lhes dizer que experimentei em minha própria vida qual o valor da família. Muito devo, também, aos inúmeros amigos dos Estados em que trabalhei: São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Muito devo às Dioceses que estiveram sob minha responsabilidade: Ponta Grossa e Maringá, no Paraná, e Florianópolis, em Santa Catarina. Essa última me é particularmente cara por ser a minha Diocese de nascimento e onde, como Bispo, vivi por quinze anos.
19. O que lhes trago? Meu lema episcopal sintetiza minhas convicções: “Deus é amor” (1Jo 4,16). Sei que essa certeza é vivida nesta Arquidiocese há 460 anos. Venho, pois, me unir a vocês nesta proclamação ao mundo: quem quer que você seja, qualquer que tenha sido sua história, há uma verdade que é mais forte do que qualquer outra: Deus o ama, porque é da sua essência amar, ser misericordioso e dar a paz. Nossa proclamação se faz tanto mais necessária diante da insegurança em que muitos vivem e dos imensos bolsões de pobreza que questionam as dimensões de nosso amor e de nossa criatividade. Além da proclamação do amor e da misericórdia de Deus, cabe-nos assumir como programa pastoral aquele que foi proposto pelo Papa João Paulo II, no início do novo milênio: a santidade. Santo é aquele que, imitando Jesus Cristo, caminha com ele, na força do Espírito Santo, ao encontro do Pai. A beatificação nesta Arquidiocese, pouco mais de três anos atrás, de Irmã Lindalva, e a beatificação, no próximo mês de maio, de Irmã Dulce, nos ensinam que os santos, porque tinham o olhar fixo em Deus e na eternidade, tinham os pés bem plantados na terra e, por isso, se debruçavam sobre os mais necessitados. Aliás, como dizia Dom Uribe, bispo colombiano: “Nenhum santo fracassou na pastoral”.
20. Enfim, volto um olhar para o passado e um para o futuro. Para o passado: em sua primeira visita a Salvador, em 1980, o saudoso Papa João Paulo II afirmou: “Todo homem deve poder encontrar-se com Cristo… Todo homem, aliás, necessita de Cristo, também ele homem perfeito e salvador do homem. Cristo é a luz que, integrada nas mais diversas culturas, as ilumina e eleva por dentro” (07.07.80).
20. Olho para o futuro e confio meu ministério episcopal, confio a Arquidiocese de São Salvador da Bahia ao Senhor do Bonfim, que da Colina Sagrada protege o bom povo da Bahia, e à Nossa Senhora da Conceição da Praia, Mãe de Jesus, sempre disponível à vontade de Deus. Imitando-a, coloquemo-nos diante do SENHOR, e digamos-lhe: Somos teus filhos e filhas, ó Pai! Realiza em nós, e através de nós, a tua vontade! Para que assim, conduzidos por teu divino Filho, o Salvador, possamos participar um dia do Reino eterno. Amém.