Texto: Pe. Raul Kestring
Padre e Coordenador da Pastoral da Comunicação da Diocese de Blumenau
Não importa o número de vezes que se tenha caído: o importante é saber quantas vezes conseguiu levantarse (Raoul Follereau)
No último dia 26 de fevereiro teve início o tempo da Quaresma, denominação dos quarenta dias que nos preparam para a celebração da Páscoa da Ressurreição. Como os demais ciclos litúrgicos do ano, este também assume características muito definidas, mas com acento marcante na atitude de conversão. Na abertura do tempo quaresmal, durante o rito da imposição das cinzas sobre os fiéis, proclama-se o apelo de Jesus, quando começava sua vida pública: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
Contudo o empenho de conversão, mesmo tendo seu caráter ascético, penitencial, ele aponta para a alegria, a verdadeira alegria, aquela que “ninguém poderá tirar” (Jo 16,22). E ainda mais: a conversão de uma pessoa causa alegria no céu, à Trindade, a Maria, aos anjos e santos. Por consequência, toda a Igreja, o povo de Deus, a própria natureza, usufrui desta mesma alegria. Nesse sentido Jesus afirma com toda a clareza: “Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converta do que por noventa e nove justos que não precisam de penitência” (Lc 15,7). Encontramos esta afirmação do Senhor no contexto das três parábolas da misericórdia: a ovelha perdida, a moeda encontrada e o filho pródigo. O pastor, a mulher e o pai de família evocam o Deus Pai e amor que encontra o que havia se perdido. Com o destaque para o filho egoísta que passa pela privação e a dor, isto é, por um percurso pessoal fadigoso até chegar à alegria do abraço paterno.
Nesta pequena reflexão, desejamos motivar leitores e amigos a retomarem seu processo de conversão que nos abre as portas para a vivência da alegria prometida por Jesus. A mulher e o homem que desejam ser santos, isto é, serem verdadeiramente felizes e construir felicidade para o seu próximo, devem estar atentos a diversos aspectos da sua caminhada com Deus e para Deus neste mundo. Elencamos aqui brevemente quatro desses importantes aspectos.
CONVERSÃO PESSOAL – Um dos mais exemplares convertidos, dos que os evangelhos nos apresentam, é o apóstolo Pedro. Os evangelistas descrevem o primeiro papa da Igreja num caminho constante e progressivo de conversão. Constata-se aí diversos momentos em que ele demonstra sua decisão pessoal de aderir ao projeto de Jesus a seu respeito. Desde o primeiro chamado, quando ele tudo deixou, inclusive as redes de pescador e seu pai, até o momento perpetuado pela tradição em que, diante da iminência do seu martírio em Roma, vai fugindo da cidade e encontra o Senhor carregando pesada cruz. Pedro, então, lhe pergunta: “Quo vadis, Domine?” Em português, para onde vais, Senhor? Compreende ele definitivamente que deve seguir Jesus também enfrentando a morte de cruz. Assim, tornou-se a “pedra” sobre a qual a Igreja foi e é perenemente fundada. Por entre paraísos e cruzes, o filho de Zebedeu conquistou a plena e eterna alegria, atraindo consigo uma multidão de irmãos e irmãs a já viverem na terra como se vive no céu.
Com certeza, todos nós nos identificamos mais ou menos com a vida e o caminho de conversão de Pedro. Que sejamos, como ele, perseverantes, embora tenhamos de inevitavelmente atravessarmos dificuldades e dores. São elas, porém, as portas que nos abrem os paraísos neste mundo e depois a eterna alegria.
CONVERSÃO SOCIAL – A Igreja no Brasil, através da Campanha da Fraternidade, percorreu uma trajetória de conversão. Iniciou em 1964 propondo aos cristãos/católicos: “Lembre-se: você também é Igreja”. Desafio este, claramente pessoal, individual. Outros desafios desse tipo se seguiram. Em 1974 percebe- -se uma mudança de perspectiva. O lema daquele ano perguntava: “Onde está o teu irmão?” O escopo da conversão torna-se a preocupação com o outro, sua dignidade, libertação, salvação. No decorrer de seus mais de cinquenta anos, a Campanha ganhou proporções gigantescas, inclusive com adesão de outros países. E o apelo ao protagonismo diante dos grandes problemas sociais dos sem pão, sem moradia, carentes de saúde, discriminados, escravizados, desempregados, carentes de efetiva educação, persistiram. Neste ano de 2020, o tema sugerido é: Fraternidade e Vida, Dom e Compromisso. E seu lema, inspirado na parábola do Samaritano: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele (Lc 10,33-34)”.
Que a conversão tenha um viés individual, não há dúvida, pois trata-se de decisão livre, responsável, da pessoa. Ser obrigado a converter-se é atitude contraditória, quase absurda. Por outro lado, um convertido que vivesse somente uma atitude pessoal de conversão, com orações, penitências, práticas piedosas nesse sentido, com certeza não mostraria a compreensão verdadeira da conversão pedida por Jesus. “Ninguém tem o direito de ser feliz sozinho” é o título de um livro escrito pelo jornalista, poeta e escritor francês Raoul Follerau, falecido em 1977, tendo dedicado sua vida aos leprosos. Portanto, alguém que mostra uma vida de conversão social.
CONVERSÃO ECOLÓGICA – Na sua encíclica Laudato Sì, o Papa Francisco confirmou a perspectiva ecológica, inalienável do protagonismo cristão/católico no mundo. Mas como se pode vivê-la? É o mesmo pontífice quem nos explica que precisamos perceber que muitas vezes somos negligentes com relação ao cuidado que devemos com a criação. Depois precisamos arrepender- nos, pedir perdão e procurar mudar. Em outras palavras, precisamos fazer com que a Reconciliação que o Senhor Jesus nos trouxe seja efetiva na dimensão ecológica, também chamada de quarta ruptura. As outras três rupturas são as seguintes: com Deus, consigo mesmo e com o próximo.
Em audiência com advogados penais, no dia 15 de novembro de 2019, o Papa Francisco revelou que deseja incluir oficialmente o conceito de “pecado ecológico” na doutrina da Igreja Católica. O tema foi tratado no Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Dessa forma, cuidar da natureza e denunciar a sua exploração, devastação, indiferença são atitudes elevadas a sinais de santidade pessoal, comunitária.
CONVERSÃO PASTORAL – O Documento emitido pela V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida no ano de 2007, em seu número 370, afirma: “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim será possível que “o único programa do Evangelho continue introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial” (NMI, 12) com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de formação missionária” (DAp 370).
Nesse sentido, o mesmo Documento sugere que “os leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução pastorais” (n. 371).
Os bispos em Aparecida, ainda manifestam desejo de que, “devido às dimensões das nossas paróquias, recorra-se à setorização em unidades territoriais menores, com equipes próprias de animação e coordenação que permitam maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região” (n. 371).
Fica evidente que este apelo de conversão não se dirige apenas para o clero e religiosos. Os leigos, as famílias, os jovens, os adultos e idosos, todos alistam- -se necessariamente neste empenho. Pois está em causa a construção do Reino de Deus naquela região, no mundo.
CONCLUSÃO – Nada melhor do que terminarmos nossa reflexão referindo-nos à Exortação Apostólica do Papa Francisco intitulada Gaudete et Exsultate e publicada no dia 19 de março de 2018, dia de São José. Traz como subtítulo: “Sobre o chamado a santidade no mundo atual”. Sem dúvida, o grande objetivo é animar os cristãos/católicos no caminho da santidade. E mesmo não cristãos e pessoas de boa vontade não estão excluídos da tarefa de melhorar a sua vida e o mundo.
Já a partir do título Alegrai- -vos e Exultai percebe-se como Francisco deseja ver a alegria estampada no rosto dos seguidores de Jesus, em todos filhos e filhas de Deus. Neste período quaresmal, invocamos a graça da nossa sincera conversão, levando em conta as indicações acima enumeradas e brevemente explicadas. Pois é ela que nos traz a verdadeira alegria. E uma alegria partilhada com toda a sociedade e a criação. No entanto, como dizia Pe. Paulo Bratti, professor de teologia do Instituto de Teologia de Santa Catarina – ITESC, atualmente Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC: “Um santo triste é um triste santo”.
Dessa forma, mesmo em caminhada penitencial, podemos e devemos ser alegres. Não da alegria superficial que nos vem dos sentidos, do prazer, da riqueza, da fama. Através das práticas piedosas, próprias da Quaresma, aprofundemos nossa alegria. Assim, provamos de fato, a veracidade da Palavra do Senhor: “Haverá mais alegria por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15,7). Alegria esta que transborda para a toda a criação.