Carta de Dom José aos Padres em vista do Ano Sacerdotal

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Caro irmão,

Ao começarmos o Ano Sacerdotal gostaria de lhe falar pessoalmente como irmão e como amigo.
Falo a você, que partilha comigo o serviço pastoral para o povo de Deus, neste ano dedicado especialmente aos sacerdotes. A oportunidade de chegar até você deve-se ao fato de que neste ano celebraremos o 150º aniversário da morte de S. João Maria Vianney, o Cura d´Ars. É nele que me inspirei para escrever esta carta.
O Cura d´Ars será proclamado este ano Patrono de todos os sacerdotes; é, portanto, à proteção dele que quero confiar desde já o nosso clero de Blumenau, os nossos diáconos, os seminaristas e os jovens que generosamente oferecem a sua vida para o Reino na vida sacerdotal, religiosa e missionária.

O tempo do padre para Deus

Gostaria neste momento de entrar em sua vida e perguntar-lhe, caro irmão, quanto tempo você passa com Deus. É verdade que para nós, sacerdotes, todo o tempo é tempo com Deus; seria a mesma coisa que perguntar a uma pessoa casada se poderia ficar muito tempo longe do seu cônjuge, sem sentir saudades. Muitas vezes percebo que o fato de trabalhar com as coisas de Deus pode nos fazer cair na tentação de usar Deus.
O Papa Bento XVI alerta, em um dos últimos discursos, que É sempre forte a tentação de reduzir a oração a momentos superficiais e apressados, deixando-se submergir pelas atividades e preocupações terrenas.
Já foi falado de muitas maneiras, e em diferentes contextos, mas acredito firmemente que o padre é, antes de tudo, um homem de oração. Você lembra aquela pergunta que o Bispo lhe dirigiu, na ordenação diaconal? Queres, de acordo com o teu estado, perseverar e progredir no espírito de oração e neste mesmo espírito, segundo tuas condições, rezar fielmente a Liturgia das Horas com o povo de Deus, em seu favor e pelo mundo inteiro? Nós nos comprometemos diante da Igreja em sustentar, com as nossas orações, a fé do povo de Deus e do mundo inteiro.
Exemplo disso foi o Cura d´Ars, que passava horas e horas diante da Eucaristia, apesar do trabalho pastoral extenuante que o absorvia. Ele falava: Está ali Aquele que tanto nos ama; por que nós não haveremos de amá-lo? E, por certo, ele O amava e sentia-se como que atraído para o sacrário. Aos seus paroquianos explicava o que era para ele a oração: Para bem rezar não há necessidade de falar tanto! Sabemos, pela fé, que Deus está ali, no sacrário; abrimos-lhe o nosso coração e sentimo-nos felizes por ser admitidos à sua presença. É a melhor maneira de rezar.
É na oração que poderemos encontrar o verdadeiro sentido do ser padre; é na união com Deus que reavivaremos cada dia a nossa fidelidade aos compromissos que assumimos diante Dele e da igreja, no dia da nossa ordenação sacerdotal. Na Missa cotidiana oferecemos com Cristo a nossa vida ao Pai, para que o nosso coração seja, como o de seu Filho, pobre, obediente e casto. Com São João M. Vianney, poderemos afirmar: Quando o coração é puro não pode deixar de amar, porque encontrou a fonte do amor, que é Deus.

O tempo do padre para o povo de Deus

Nós, como os apóstolos, fomos enviados para anunciar o Reino de Deus. O ministério da Palavra é uma prioridade para nós irrenunciável. O cuidado que devemos ter para realizar uma boa pregação é um serviço que estamos prestando ao nosso povo. O tempo que dedicamos à leitura orante da Palavra, para alimentar a nossa vida cristã, e a proposta insistente para com o povo, a fim de que se cultive uma familiaridade com as Escrituras, vem de uma força criadora e consoladora da Palavra de Deus. Prepararemos bem as nossas homilias, sobretudo as do domingo; os textos das Sagradas Escrituras e o Espírito nos sugerirão as palavras oportunas para mostrar ao nosso bom povo que a escuta da Palavra de Deus pretende e suscita uma resposta, exige escolhas precisas, em vista de uma verdadeira conversão.
Coloquemos o nosso tempo à disposição das pessoas que nos procuram, tentando sempre deixar transparecer Jesus em nós. É Ele que acolhe, consola, escuta, cria comunhão, se interessa pelas pessoas que estão longe, pelos pobres, excluídos. É Ele que acolhe quem procura o perdão.
A esse propósito, desejo citar o Documento de Aparecida [199]: O povo de Deus sente a necessidade de presbíteros cheios de misericórdia, disponíveis para administrar o sacramento da Reconciliação. Bem sabemos que o apostolado maior do Cura d´Ars foi o trabalho incansável no confessionário; sabe-se que ele, em média, passava diariamente quinze horas no confessionário.
Proponho que este Ano sacerdotal seja uma oportunidade para que nós descubramos o valor do sacramento da Reconciliação. O Documento de Aparecida afirma ainda que nós, bispos e presbíteros, deveríamos ser conscientes da nossa fraqueza e da necessidade de sermos purificados pela graça do sacramento, e… também nós temos de nos aproximar frequentemente, em caminho penitencial, do sacramento da reconciliação [177]. Uma vez que nós mesmos fizermos a experiência do perdão, poderemos entender o significado profundo do fato de sermos ministros do perdão. Hoje, mais do que nunca, o mundo, afetado pela secularização, precisa fazer a redescoberta de um Deus-Amor, da misericórdia de Deus, e nós não podemos delegar a ninguém esse ministério tão precioso. Em Aparecida os Bispos encorajaram os presbíteros a dedicarem um tempo suficiente para oferecer o sacramento da reconciliação com zelo pastoral e profunda misericórdia; sugeriram, além disso, prepararmos um lugar adequado para o sacramento.

O testemunho alegre da Comunhão

Nós, que somos mais velhos, escreveu alguns anos atrás o teólogo Karl Rahner, fomos espiritualmente individualistas, dada a nossa proveniência e nossa formação. Ele o afirmava com a convicção de que, no futuro, uma espiritualidade vivida juntos, sacerdotes e povo, teria um papel determinante na Igreja. Comentando a experiência do primeiro Pentecostes, afirmava: Foi um evento que não consistiu certamente no casual encontro de uma soma de místicos individualistas, mas em uma experiência do Espírito, feita pela comunidade.
Também hoje o Espírito nos convida, docemente, mas com decisão, a viver a comunhão, não apenas como participação espiritual no mistério de Deus uno e trino, mas também como comunhão inter-pessoal concreta entre nós, presbíteros, e com todos os nosso fieis, a fim de que se realize o novo Pentecostes da Igreja, preconizado pelos mais recentes papas.
Qual é a Igreja que queremos apresentar a Deus, depois de nove anos de História? Com certeza, cada um deverá começar a fazer a sua parte. Com um pequeno esforço e sacrifício posso colaborar para criar a unidade dentro do meu presbitério. Como dizia Rahner, vejo que este nosso clero é muito heterogêneo, justamente pela sua proveniência, pelas histórias diferentes de cada um, por causa de um passado que me levou a estar mais próximo de um, em lugar de próximo de outros.
Está na hora de olhar para frente, está na hora de eu testemunhar com alegria que o fato de eu pertencer a Cristo e a esta Igreja valem mais do que tudo. A nossa unidade servirá para tornar o meu ministério mais autêntico, mais verdadeiro. João Paulo II, em uma das suas Exortações Apostólicas, dizia que Um renovado anúncio do Evangelho não pode ser coerente e eficaz, se não for acompanhado por uma robusta Espiritualidade de Comunhão.
Da nossa unidade surgirão os frutos, as vocações. A esse respeito convido você, caro irmão, a trabalhar durante este ano com mais intensidade pelas vocações . Usei o verbo trabalhar, mas sem esquecer que a primeira coisa que devemos fazer é rezar, convidando as nossas comunidades a se unirem ao nosso apelo: Pedi ao Dono da messe que envie operários para a sua messe [Lc 10,2]. Nós recebemos tanto, ao longo da nossa vida sacerdotal! Quantas pessoas, a partir das nossas famílias, nos ajudaram a crescer na vocação! Quantos padres foram pontos de referência, para que o chamado de Deus se tornasse mais vivo em nosso coração? Todo padre deveria sentir-se inquieto no dia em que não encontrar alguém que poderá, futuramente, continuar a sua missão. Toda paróquia sem vocações deveria perguntar-se o porquê de não existirem vocações.
O ano que vem festejaremos 10 anos da criação desta nossa Diocese. Vamos preparar um bom presente para esta ocasião. Vamos rezar e trabalhar para que o Senhor nos envie santas vocações.

Dom José Negri, PIME
Bispo Diocesano de Blumenau

Blumenau, 21 de junho de 2009
Dia do aniversário da Diocese
Abertura Diocesana do Ano Sacerdotal

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