A vocação só pode ser missionária Entrevista do Pe. Carlo Faggion sobre Missão

Tags

Coordenador do Conselho Missionário Diocesano, Pe. Carlo, explica a relação entre Vocação e Missão

Pe. Carlo Faggion, comboniano, coordenador do Conselho Missionário Diocesano (COMIDI) de Blumenau, concedeu-nos uma entrevista sobre vocação e missão. O pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em Indaial, fala da relação entre o chamado e o envio, como podemos ter uma vida mais missionária a partir do nosso estado de vida e faz um apelo neste Mês Vocacional.

 

– Qual é a relação entre vocação e missão?

Parece-me existir ainda hoje um equívoco sobre o que se entende por “vocação” e “missão”. Algum tempo atrás, entendia-se por vocação um jovem ser chamado ao sacerdócio ou uma moça à vida religiosa. Mas esta é uma vocação especial dentro da Igreja. O equívoco consiste em considerá-la “a vocação”. Atualmente, em especial depois do Concilio Vaticano II, entende-se o que a própria palavra exprime: o “chamado de Deus”.

Deus nos chamou em primeiro lugar à vida, carregando-nos abundantemente de dons, e nos “chama” constantemente de várias maneiras, a desenvolvê-los para a sua glória, para a nossa felicidade e para o bem dos outros.

Quando Deus nos “chama” à vida e também nos envia neste mundo, nos dá uma finalidade que constitui a nossa missão. É o primeiro e mais importante “chamado” e “envio”. Vocação e missão nascem e crescem unidos. Nós devemos simplesmente descobrir a nossa missão particular e depois ser fiéis a ela, custe o que custar. Esta é a vocação e missão que cabe a cada um.

E antigamente se pensava que missão fosse somente sair do próprio país e pregar o Evangelho em terra pagã. Atualmente entende-se, além disso, que permanece válido e urgente o envio de qualquer pessoa a testemunhar o valor da vida e a pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus.

Vocação e Missão se entrelaçam no quotidiano da vida e não se realizam separadamente.

– Então, todas as vocações são missionárias?

A vocação só pode ser missionária. Os dons que recebemos ao nascer não são para nós, mas em função do bem da humanidade. Isto significa que cada um é chamado a não se preocupar consigo mesmo, mas com a partilha dos seus dons para que o mundo seja “cristificado”. A vocação e missão de Jesus é a nossa vocação e missão. Assim, nós somos chamados e enviados a testemunhar o grande sonho de Deus: viver na paz e na comunhão amorosa com Ele e com todos. Fora disso, a vida não tem sentido.

– Como podemos, a partir da nossa vocação, ter uma vida missionária?

Só vivendo com amor no ambiente em que nos encontramos. Quando colocamos o outro no centro das preocupações, lutando para que a vida seja respeitada e valorizada. A nossa missão é agir, uma ação que nasce da contemplação, oferecendo os dons recebidos. Numa palavra: viver o Evangelho.

Não é lícito ficar acomodado neste mundo ou só se lamentar vendo o mal que nos oprime, nem podemos só rezar individualmente. A nossa missão é agir. Uma ação que nasce da contemplação, oferecendo os dons recebidos, para que o homem de hoje possa viver na liberdade e na alegria dos filhos de Deus.

– Fale um pouco sobre a Congregação dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus, à qual o senhor pertence.

Eu sou um dos 1.800 missionários combonianos espalhados pelo mundo inteiro e provenientes de vários continentes.

Com certeza, esta é uma vocação especial que meus colegas e eu recebemos. Não tenho mérito algum por isso. Fui agraciado pela bondade infinita de Deus Pai que, chamando-me à vida me deu esta missão especial.

Desde criança senti este chamado extraordinário e, quase sem me dar conta de todas as consequências, disse que aceitava ser um missionário na África para ajudar as crianças pobres que estavam sozinhas. Aos poucos, foi-se esclarecendo as exigências que isto comportava e tentei renovar a cada dia este sentimento.

Eu sou europeu, mas vivi como missionário na África, no Maranhão, em Rondônia, no norte do Espírito Santo, e agora estou aqui, nesta Diocese. Amanhã posso ser enviado para outro lugar. Nós, missionários, somos gente itinerante, sempre enviados em missão. Vivo uma vocação especial junto aos meus Irmãos de Congregação, pois temos este carisma, no espírito de São Daniel Comboni, de chegar aos locais de primeira evangelização, nos lugares mais pobres e difíceis.

No século 19, Comboni deu a sua vida para evangelizar a África Central, por ser a região mais pobre e abandonada do mundo. Lá viviam 100 milhões de africanos em situação degradante, vítimas também do comércio de escravos e sem o anúncio de Jesus, que os libertaria. Todas as congregações que antes tentaram a evangelização abandonaram aquele lugar devido às graves doenças e ao terrível clima. Todos morriam em pouco tempo. Mas Comboni foi para lá e conscientizou também a Igreja no Concilio Vaticano I. Elaborou um grandioso plano para “salvar a África com a África”. Ele também foi vítima da febre malárica aos 50 anos. Mas, como disse: “Eu morro, mas a minha obra não morrerá”. E, de fato, a Igreja, a partir de São Daniel Comboni, foi implantada na África Central e hoje, depois de mais de 150 anos, mais do que nunca, é viva.

Nós herdamos o espírito do nosso fundador e tentamos mantê-lo vivo na Igreja. Vamos aos lugares mais pobres e difíceis para evangelizar. No Brasil, somos enviados aos índios, às periferias das grandes cidades, aos afro-descendentes, nas regiões mais carentes como a Amazônia e o Nordeste. Estamos presentes na América Latina, na África e na Ásia.

Depois de ter realizado a primeira evangelização deixamos a Igreja local e nos dirigimos para outros lugares. Somos missionários itinerantes. Todos os lugares onde trabalhei foram entregues à Igreja local.

Entretanto também somos enviados às Igrejas já constituídas e organizadas para animá-las missionariamente. Quer dizer, abrir os horizontes da Igreja local às dimensões do mundo como parte integrante da própria vida cristã. Porque um grande entrave na Igreja local é se preocupar só consigo mesma, com seus problemas e dificuldades. Possui estruturas cada vez mais lindas e abundantes, mas acaba se esquecendo de colocar os pobres e marginalizados em primeiro lugar e da responsabilidade de colaborar com a primeira evangelização de muitos.

Às vezes as dioceses e paróquias nem conhecem a vida daquelas Igrejas e as graves situações que enfrentam. O nosso carisma é lembrar constantemente a elas que Ser Igreja é sair de si, de suas próprias fronteiras, de suas seguranças e ser solidária, se preocupando com os marginalizados da sociedade.  É necessário também que as dioceses saibam enviar alguns dos próprios sacerdotes, os melhores, como missionários para colaborar na evangelização das regiões mais carentes. 

Este é o dom especial que recebemos de Deus e colocamos a serviço de toda a Igreja.

– Fale um pouco sobre o Conselho Missionário Diocesano (COMIDI). Qual o seu objetivo e que trabalho desenvolve?

O COMIDI é um órgão diocesano ligado ao Conselho Missionário Regional (COMIRE) e ao Conselho Missionário Nacional (COMINA) que tem como finalidade a animação missionária da Diocese. Também de formar os Conselhos Missionários Paroquiais (COMIPAs), para que a Paróquia viva a sua vocação missionária.

O COMIDI deve divulgar a vida dos missionários além fronteiras, organizar ajuda econômica concreta e, especialmente, enviar sacerdotes e leigos, na Igreja Irmã de Humaitá ou de outras regiões necessitadas.

As Igrejas do sul do Brasil, em geral, têm clero em abundância. Mas não podem ficar satisfeitas com uma pastoral que visa fundamentalmente a manutenção da vida cristã, uma pastoral de manutenção. Uma Igreja autêntica será adulta quando partilhar os seus melhores sacerdotes para a missão além fronteiras nas regiões mais carentes e desafiantes.

– O que o senhor salientaria neste mês vocacional?

Com certeza, a nossa jovem Igreja de Blumenau tem uma história missionária, desde o seu início ao apoiar a Igreja irmã de Humaitá, na região amazônica, graças ao espírito missionário de Dom Angélico. Mas ainda não conseguimos enviar sacerdotes como missionários naquela vasta região desprovida de padres.

O apelo da nossa vocação missionária converte a Igreja, purifica-a, leva-a ao essencial, faz viver a pobreza evangélica, fonte de felicidade e garantia do verdadeiro Reino de Deus.

O Mês das Vocações é uma oportunidade de lembrar à nossa Igreja o que é de todos os meses e de todos os dias: somos chamados a ser discípulos missionários no mundo de hoje. Chamados a carregar no nosso coração, nas nossas liturgias e nas nossas atividades paroquiais o anseio de Jesus ao dar o mandato: “Ide pelo mundo e fazei meus discípulos todas as gentes” (cf. Mt 16,15).

 

Leia também...