Na manhã do último sábado, 5, os bispos dos Regionais Sul 3 e 4 da CNBB (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) foram recebidos em audiência coletiva pelo Papa Bento XVI. Dom Murilo Krieger, arcebispo de Florianópolis saudou o Papa e apresentou os desafios e esperanças presentes nos dois estados. Bento XVI dirigiu a palavra aos bispos falando das universidades e escolas católicas como lugares onde se formam se comunicam a cultura cristã.
Leia a íntegra do discurso do Papa aos bispos brasileiros:
Venerados irmãos no Episcopado,
Dou as boas-vindas e saúdo a todos e a cada um de vós, ao receber-vos colegialmente no quadro da vossa visita Ad Limina. Agradeço a dom Murilo Krieger as expressões de devotada estima a que me dirigiu em nome de todos vós e do povo confiado aos vossos cuidados pastorais nos Regionais Sul 3 e 4, expondo também os seus desafios e esperanças. Ouvindo estas coisas, sinto elevarem-se do meu coração ações de graças ao Senhor pelo dom da fé misericordiosamente concedido e arduamente concedido à vossas comunidades eclesiais e por elas zelosamente conservado e transmitido, em obediência ao mandato que Jesus nos deixou de levar a sua Boa Nova a toda a criatura, procurando impregnar de humanismo cristão a cultura atual.
Referindo-me à cultura, o pensamento dirige-se para dois lugares clássicos onde a mesma se forma e comunica – a universidade e a escola -, fixando a atenção principalmente nas comunidades acadêmicas que nasceram à sombra do humanismo cristão e nele se inspiram, honrando-se do nome “católicas”. Ora “é precisamente na referência explícita e compartilhada por todos os membros da comunidade escolar – embora em graus diversos –à visão cristã que a escola é “católica”, já que nelas os princípios evangélicos tornam-se normas educativas, motivações interiores e metas finais” (Congregação para a Educação Católica, Doc. A escola católica, n. 34). Possa ela, numa convicta sinergia com as famílias e com a comunidade eclesial, promover aquela unidade entre fé, cultura e vida que constitui a finalidade e fundamental da educação cristã.
Entretanto também as escolas estatais, segundo diversas formas e modos, podem ser ajudadas na sua tarefa educativa pela presença de professores crentes – em primeiro lugar, mas não exclusivamente, os professores de religião católica – e de alunos formados cristãmente, assim como pela colaboração das famílias e pela própria comunidade cristã. Com efeito, uma sadia laicidade da escola não implica a negação da transcendência, nem uma mera neutralidade face àqueles requisitos e valores morais que se encontram na base de uma autêntica formação da pessoa, incluindo a educação religiosa.
A escola católica não pode se pensada nem vive separada das outras instituições educativas. Está ao serviço da sociedade: desempenha uma função pública e um serviço de pública utilidade, não reservado apenas aos católicos, mas aberto a todos os que queiram usufruir de uma proposta educativa qualificada. O problema de sua paridade jurídica e econômica com a escola estatal só poderá ser corretamente impostado se partirmos do reconhecimento do papel primário das famílias e subsidiário das outras instituições educativas. Lê-se no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “os pais têm direito de prioridade na escolha do gênero de educação a ser ministrada aos próprios filhos”. O empenho plurissecular da escola católica situa-se nesta direção impelido por uma força ainda mais radical, ou seja, a força que faz Cristo o centro do processo educativo.
Este processo, que tem início nas escolas primária e secundária, realiza-se de modo mais alto e especializado nas universidades. A Igreja foi sempre solidária com a universidade e com a sua vocação de conduzir o homem aos mais altos níveis do conhecimento da verdade do domínio do mundo em todos os seus aspectos. Apraz-me também aqui a mais viva gratidão eclesial às diversas congregações religiosas que entre vós fundaram e suportam renomadas universidades, lembrando-lhes, porém, que estas não são uma propriedade de quem as fundou ou de quem as freqüenta, mas expressão da Igreja e do seu patrimônio de fé.
Neste sentido, amados Irmãos, vale a pena lembrar que, em agosto passado, completou 25 anos a Instrução Libertatis nuntius da Congregação da Doutrina da fé, sobre alguns aspectos da teologia da libertação, nela sublinhando o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos de teses e metodologias provenientes do marxismo. As suas seqüelas mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa, anarquia fazem-se sentir ainda, criando nas vossas comunidades diocesanas grande sofrimento e grave perda de forças vivas. Suplico a quantos de algum modo se sentiram atraídos, envolvidos e atingidos no seu íntimo por certos princípios enganadores da teologia da libertação, que se confrontem novamente com a referida Instrução, acolhendo a luz benigna que a mesma oferecida de mão estendida; a todos recordo que “a regra suprema da fé [da Igreja] provém efetivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de maneira independente” (João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 55). Que, no âmbito dos entes e comunidades eclesiais, o perdão oferecido e acolhido em nome e por amor da Santíssima Trindade, que adoramos em nossos corações, ponha fim à tribulação da querida Igreja que peregrina nas Terras de Santa Cruz.
Venerados Irmãos no episcopado, na união a Cristo, precede-nos e guia-nos a Virgem Maria, tão amada e venerada nas vossas dioceses e por todo o Brasil. Nela encontramos, pura e não deformada, a verdadeira essência da Igreja e assim, através dela, aprendemos a conhecer e a amar o mistério da Igreja que vive na história, sentimo-nos profundamente uma parte dela, tornamo-nos por nossa vez “almas eclesiais”, aprendendo a resistir àquela “secularização interna” que ameaça a Igreja e os seus ensinamentos.
Enquanto peço ao Senhor que derrame a abundância da sua luz sobre todo o mundo brasileiro da escola, confio os seus protagonistas à proteção da Virgem Santíssima e concedo a vós, aos vossos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, aos leigos empenhados, e a todos os fiéis das vossas dioceses paterna Bênção Apostólica.
Vaticano, 05 de dezembro de 2009
Bento XVI – Papa
Site CNBB, 07/12/2009