Interessante entrevista com Dom Aparecido Tosi Marques, arcebispo de Fortaleza, Ceará, presidente da Conferência Episcopal do Regional Nordeste 1 do Brasil – publicada na edição italiana do Jornal L’Osservatore Romano de 23 de setembro de 2009
Nicola Gori
Uma Igreja pobre, num território difícil, onde as desigualdades sociais condicionam a vida púbica e privada. Uma Igreja que deve enfrentar muitos problemas e necessidades urgentes, primeiro entre todos a miséria e a tutela da dignidade da vida. Mas também uma comunidade de grandes esperanças, que emerge nesta entrevista dada ao nosso jornal pelo arcebispo de Fortaleza, Dom José Aparecido Tosi Marques, presidente da Conferência Episcopal regional.
Quais são as características da Igreja do Nordeste 1?
Nesta região a Igreja é muito viva, graças às suas comunidades, às paróquias e às realidades missionárias, mas também por mérito da pluralidade das iniciativas de movimentos e novas comunidades eclesiais comprometidas com uma intensa ação evangelizadora. É uma Igreja tradicionalmente muito católica: o do Ceará é considerado o segundo Estado mais católico do Brasil, com cerca de 85% da população que se declara oficialmente religiosa. As nossas dioceses se encontram todas neste Estado, caracterizado em grande parte pelo semi-árido do nordeste do Brasil. Já de muitos anos, esta Igreja está empenhada na busca de projetos de convivência com esta terra, envolvendo, além das forças eclesiais, outros organismos, em recíproca colaboração com entidades governamentais e da sociedade civil. Felizmente tivemos a alegria de ver os resultados de alguns desses esforços.
Quais são os desafios mais urgentes que a Igreja está enfrentando?
A Igreja no Ceará deve enfrentar desafios como a desigualdade social, com os desequilíbrios que gera, a necessidade de uma evangelização mais profunda – superando o aspecto devocional, muito presente – para que a vida cristã seja testemunho dos verdadeiros valores do Evangelho nas diversas dimensões pessoais e sociais, de tal modo que possa suscitar uma presença incisiva na sociedade. Atualmente a principal preocupação da Igreja do Nordeste 1, com as suas nove dioceses, é mesmo a evangelização. Isto exige a formação de discípulos missionários que no encontro com Cristo, no seu seguimento, no empenho evangélico pelos mais pobres, construam uma sociedade solidária e fraterna, para que em Cristo todos tenham vida em abundância.
O problema da tutela da dignidade dos pequenos e dos abusos em relação a eles interpela a comunidade cristã. Quais as respostas que são dadas a esta dramática emergência?
A Igreja se empenha na defesa e na tutela dos direitos humanos. Naquilo que diz respeito aos menos favorecidos, temos diversos setores da pastoral a eles dedicados: além da catequese sacramental e ao impulso dado à Infância Missionária, trabalhamos com a pastoral das crianças, dos pequenos, dos nômades, dos encarcerados. Interpelada pela exigência da tutela da dignidade das crianças e dos adolescentes, contra os abusos dos quais são vítimas, a Igreja desenvolveu muitas obras educativas para a acolhida destes pequenos em situação de risco, como os meninos e meninas de rua e os jovens drogados. Ainda, em colaboração com outras instituições sociais, está trabalhando para resolver as situações mais graves, como as agressões diretas contra os pequenos e a sua exploração sexual. Também está desenvolvendo uma explícita conscientização e evangelização
sobre a dignidade humana, através da ação da Cáritas, dos centros de defesa e de promoção dos direitos humanos e da comissão brasileira Justiça e Paz.
Diante da injustiças sociais, da pobreza e da corrupção, a Igreja tem possibilidade de fazer ouvir a sua voz?
A nossa Igreja tem uma longa tradição no campo da luta a favor da justiça social, pela superação das situações de miséria social e de corrupção. Em relação à pobreza, são muitas as obras locais de assistência para responder às situações de urgência ou crônicas, em sintonia com a Conferência Episcopal Brasileira. Existem também muitas instituições sociais surgidas por iniciativa da Igreja ou por ela inspiradas, que se dedicam à promoção humana de diversos sujeitos – crianças, jovens, adolescentes, famílias em situação de risco, idosos abandonados, doentes – e se dedicam ao campo da formação profissional e à criação de frentes de trabalho e renda. Estão operantes nas dioceses os Centros de defesa e promoção dos direitos humanos (Cdpdh) e a Comissão brasileira Justiça e Paz, seção Ceará (Cbjp/Ce). A sua ação mais incisiva efetuou-se no campo da luta contra a ilegalidade, na formação da consciência cidadã e na apresentação em nível nacional de projetos de leis para combater a corrupção eleitoral. Tudo isso com bons resultados e grande esperança.
O espírito religioso que caracteriza a população pode tornar-se instrumento útil para a evangelização?
A Igreja no Ceará tem uma longa história de evangelização que marcou muito o seu povo, sobretudo no estilo de vida tradicional das famílias e nos ritmos de celebrações dos santos padroeiros nas comunidades, também as mais distantes, nas procissões e nas devoções. Os valores da fé estão profundamente enraizados no povo do Ceará. Os desafios do nosso tempo, presentes na cultura globalizada, estão vivos igualmente na nossa sociedade, sobretudo em regiões interioranas, um tempo, muito protegidas. Esses desafios são essencialmente: o pluralismo de ofertas religiosas, a perda dos traços distintivos dos valores familiares, as múltiplas formas de indigência vividas por um grande número de cidadãos, a desorientação, os novos paradigmas de comportamento pessoal e social, as propostas consumistas, a agressão à vida, a corrupção.
As diversas formas de religiosidade popular contribuem para aproximar os fiéis da verdadeira fé?
Não há dúvida que o campo da religiosidade popular é muito propício para uma nova evangelização, que se revela apropriado para aprofundar a experiência cristã, a adesão a Jesus e à sua Igreja, a experiência de uma vida coerente com o Evangelho. Deste novo relacionamento de discípulos espera-se um empenho missionário em grau de transformar a realidade humana com o fermento do Evangelho. Para este fim, as manifestações religiosas já existentes constituem-se em oportunidades; enquanto acolhidas e iluminadas ainda mais pela realidade da autenticidade do Evangelho, podem levar a superar a dicotomia, muitas vezes existente, entre fé e vida.
Que resultados teve este trabalho de resgate do autêntico espírito evangélico?
São muitas as atividades evangelizadoras que se seguiram a este caminho, a partir das novas formas de missão e dos novos meios e expressões, seja sob a iniciativa da Igreja hierárquica, seja graças aos novos carismas e movimentos eclesiais. Existe, porém, ainda muito por fazer. Será sempre a partir de uma maior autenticidade da própria Igreja que a evangelização terá credibilidade.
O turismo oferece possibilidades de desenvolvimento e de crescimento, mas traz também alguns riscos em termos de exploração, corrupção. Existe uma pastoral específica neste campo?
Este é um campo pastoral novo para nós. A realidade do turismo e da mobilidade humana nos desafia a criar novas formas de acolhimento e novas ações pastorais. É nesse sentido que estamos nos mobilizando. A pastoral do migrante e a pastoral do turismo, pouco a pouco, estão se fortalecendo e encontrando a própria estrada para responder às necessidades que o desenvolvimento e o crescimento, gerados pelas novas situações, estão apresentando. Já se percebe, no entanto, que estes novos encontros humanos são outras oportunidades para um testemunho de acolhimento e fraternidade, em grau de abrir espaços para a transmissão da fé e para a vida da própria Igreja.