Esse é um convite forte, que Jesus dirige aos seus, àqueles que ele “enviou”, como diz o Evangelho de Mateus.
Jesus teve um contato pessoal com uma humanidade desnorteada e sofredora, e teve compaixão dela. Por isso quis ampliar a sua obra de salvação, de cura, de libertação, por meio dos apóstolos. Eles se reuniram ao redor de Jesus, ouviram suas palavras e receberam uma missão, um objetivo para suas próprias vidas; foi para isso que se colocaram a caminho: a fim de testemunhar o amor de Deus por todas as pessoas.
“De graça recebestes, de graça deveis dar!”
Mas, o que foi que eles receberam “de graça”, a ser dado “de graça” a todos?
Por meio das palavras, dos gestos, das escolhas de Jesus e de toda a Sua vida, os apóstolos fizeram a experiência da misericórdia de Deus. Apesar de suas fraquezas e de suas limitações, eles receberam a nova Lei do amor, da aceitação recíproca.
Receberam, sobretudo, o dom que Deus quer fazer a todos os homens: seu próprio ser, sua companhia pelas estradas da vida, sua luz para iluminar as escolhas deles. São dons sem preço, que superam toda a nossa capacidade de retribuição: são, justamente, “gratuitos”.
Foram dados aos apóstolos e a todos os cristãos, para que eles, por sua vez, se tornassem canais desses bens para todos aqueles que haveriam de encontrar, dia após dia.
“De graça recebestes, de graça deveis dar!”
Em outubro de 2006 Chiara Lubich escrevia:
Percorrendo o Evangelho, vemos que Jesus sempre convida a dar: dar aos pobres, a quem pede, a quem deseja um empréstimo. Dar de comer a quem tem fome, dar o manto a quem pede a túnica. Dar gratuitamente… Ele mesmo foi o primeiro que agiu assim: deu a saúde aos doentes, o perdão aos pecadores, a vida a todos nós. Ao instinto egoísta de acumular, Ele opõe a generosidade; ao invés da preocupação com as próprias necessidades, propõe a atenção ao outro; em lugar da cultura do ter, a cultura do dar […].
A Palavra de Vida deste mês poderá ajudar-nos a redescobrir o valor de cada ação nossa: desde as tarefas de casa, da roça, da oficina, até à execução das atividades burocráticas, das tarefas escolares, bem como as responsabilidades no campo civil, político e religioso. Tudo pode transformar-se em serviço atento e solícito. O amor nos dará uma visão nova das coisas, capaz de intuir aquilo de que os outros precisam, para ajudá-los com criatividade e generosidade. O resultado disso? Os bens circularão, porque amor chama amor. A alegria se multiplicará, pois “há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20,35).1
Exatamente como nos conta Vergence, uma garota do Congo:
“Estava indo para a escola e sentia muita fome. Pelo caminho encontrei meu tio, que me deu dinheiro para comprar um sanduíche. Mas, um pouco mais adiante vi um homem muito pobre. Pensei logo em dar a ele esse dinheiro. Minha amiga, que estava comigo, disse que eu não devia fazer isso, que devia cuidar de mim primeiro. Mas eu disse comigo mesma: amanhã eu vou encontrar algo para comer; mas ele, será que encontra? Então dei a ele o dinheiro do meu sanduíche e senti uma grande alegria no coração.”
“De graça recebestes, de graça deveis dar!”
A lógica de Jesus e do Evangelho é sempre essa: receber para compartilhar, nunca acumular para si mesmo. É um convite também para todos nós: reconhecermos aquilo que recebemos – energias, talentos, capacidades, bens materiais – e colocá-los a serviço dos outros.
De acordo com o economista Luigino Bruni, a gratuidade é […] uma dimensão que pode acompanhar qualquer ação. Por isso ela não corresponde ao “grátis”; pelo contrário, é o seu oposto, uma vez que a gratuidade não é um preço equivalente a zero, mas um preço infinito, ao qual se pode responder somente com um outro ato de gratuidade.2
Portanto, a gratuidade supera as lógicas do mercado, do consumismo e do individualismo e dá espaço à partilha, à socialidade, à fraternidade, à nova cultura do dar.
A experiência confirma que o amor desinteressado é uma verdadeira provocação, com consequências positivas, inesperadas, que vai se alastrando irresistivelmente também na sociedade.
Foi o que aconteceu nas Filipinas, com uma iniciativa que começou em 1983. Naquele momento, a situação política e social do País era bastante difícil e muitas pessoas se engajavam para encontrar uma solução positiva. Também um grupo de jovens decidiu dar a própria contribuição de modo original: abriram os próprios armários e separaram as coisas de que não precisavam mais. Venderam tudo no brechó, juntando assim um pequeno capital, e criaram a partir do zero um centro social, chamado Bukas Palad, que na língua local significa: “de mãos abertas”. A frase do Evangelho que os tinha inspirado dizia: “De graça recebestes, de graça deveis dar! (Mt 10,8)”. Este se tornou, a partir de então, o lema da iniciativa.
A essa atividade se associaram alguns médicos, com a própria contribuição profissional oferecida gratuitamente, e muitos outros que abriram o coração, os braços, as portas de casa.
Assim nasceu e se desenvolveu uma ampla ação social em favor dos mais pobres, que ainda hoje oferece seus préstimos em várias cidades das Filipinas. Mas o objetivo mais importante, atingido e consolidado nesses anos, foi o fato de fazer com que os beneficiados pelo projeto se tornassem protagonistas de seu próprio resgate social.
De fato, eles reencontram a sua dignidade como pessoas e constroem relações de valorização mútua e de solidariedade. Com o próprio exemplo e dedicação ajudam muitos outros a sair da pobreza e a assumir a responsabilidade de uma nova convivência para si mesmos e suas famílias, para seus bairros e suas comunidades, enfim, para o mundo3.
Letizia Magri
1) Chiara Lubich, Uma cultura nova, revista Cidade Nova, outubro de 2006.
2) Cf. http://www.edc-online.org/it/pubblicazioni/articoli-di/luigino-bruni.
3) http://bukaspaladfoundation.org/.
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