Texto: Padre Raul Kestring
O dia 24 de junho de 2000, ano do grande jubileu cristão, ficou marcado para mim. Meia hora antes de, no entorno da Quase-Catedral São Paulo Apóstolo, chegavam pessoas de todas as direções. Provenientes de diversos lugares do Brasil. Entre elas, o Núncio Apostólico do Brasil, o Cardeal Arcebispo emérito de São Paulo, Paulo Evaristo Arns; outros bispos dos mais distantes recantos brasileiros; o Governador do Estado de Santa Catarina, na ocasião, Espiridião Amim; significativo grupo de paulistanos amigos de Dom Angélico, recém-nomeado primeiro bispo da Quase-Diocese de Blumenau; autoridades civis e militares de Blumenau e de alguns dos 13 municípios integrantes da futura Diocese; religiosos e religiosas de diversos perfis eclesiásticos, consagrados e consagradas de Comunidades Novas, diáconos permanentes, seminaristas, o povo de Deus, entre outros. Com a característica de um dia especialíssimo para a Igreja em Santa Catarina, do Brasil e no planeta.
Repique completo dos três grandes sinos, da imponente torre, anunciaram a hora de início da cerimônia. O som envolvente e soleníssimo do potente órgão de tubos acompanhando o numeroso coral, acomodado no coro superior ao lado esquerdo do presbitério, fizeram andar a magnífica procissão de entrada. Destacavam-se as vinte mitras à cabeça dos bispos, arcebispos e cardeal presentes.
Em torno de duas horas, os ritos, gestos, símbolos, palavras, iam-se se sucedendo. Momento ímpar, a leitura da bula, documento enviado pelo Papa João Paulo II, criando a nova Diocese. Outro imprescindível documento papal, a nomeação por ele assinada pessoalmente, a nomeação do bispo diocesano, Dom Angélico Sândalo Bernardino.
Daqueles gestos imprevisíveis, inclusive fora do protocolo, foi a troca de cruzes peitorais do Pastor Sinodal do Sínodo Vale do Itajaí, Weingaertner, da nossa Igreja-Irmã Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. O Pastor Sinodal para os luteranos equivale, pode-se dizer, ao ministério de bispo na Igreja Católica. Assim, normalmente, carrega simbolicamente ao peito uma cruz. Então, a significativa surpresa: Dom Angélico oferece-lhe a sua cruz peitoral e o Pastor Sinodal, por sua vez, lhe retribui da mesma forma. Ecumenicamente, permanece como um imensurável testemunho de unidade entre as Igrejas, a unidade já construída até ali e aquela pretendida no futuro, mirando a unidade visível, pedida por Jesus.
O tempo passou depressa
Dezoito anos se passaram depois daquela histórica e densa data vivida por blumenauenses e pessoas de muitos outros lugares. Como na vida de uma pessoa, passada a infância, quando o tempo parece quase parado, eu diria, na euforia da vida, seus brinquedos e descobertas, chegando a juventude e a idade adulta, o tempo passa veloz.
Parece-me que a Diocese de Blumenau, em seu 18º aniversário, sente-se um pouco assim. Inserida na realidade sócio-econômica regional/nacional/ mundial, toma consciência do ingente desafio de responder às demandas da evangelização. Então, não só o tempo, mas também os recursos humanos e materiais tornam-se exíguos diante da missão. Como Davi diante de Golias, lá no antigo Testamento.
Nessa quase infinita desproporção, socorre-nos o Apóstolo Paulo, bem escolhido padroeiro da Catedral e da Diocese, seu testemunho de vida e seu escrito: “Basta-te a minha graça” (2Cor 12,9). Conforta-nos saber que o auxílio divino não nos falta e não nos faltará. Importa, sim, fazermos a nossa parte. Sem esta, pode-se afirmar que Deus não age. Ele conta conosco como contou com Maria e José, Pedro, Maria Madalena e João Batista.
Resta-nos render graças
Dezoito anos de história só pode ser vivido e celebrado em ação de graças. Como antes da criação da Diocese, uma plêiade de filhas e filhos de Deus fizeram a caminhada de fé católica/ cristã dessa região. Desde os indígenas. Tinham fé os indígenas? Hoje, em reflexões históricas se diz assim: “Oxalá vivêssemos a nossa fé como os indígenas. Diferentes de nós, sim, mas seu dia a dia, sua caça, sua pesca, trabalho, convivência, pode-se dizer, tudo pautado pela religiosidade. Não é negativismo e nem pessimismo: a destruição da criação não nos acusa de boa dose de hipocrisia? Temos que aprender dos irmãos indígenas a cumprir a ordem divina de preservação e aperfeiçoamento da nossa flora, fauna, águas, árvores, mãe terra, etc…
Quando aqui chegaram os primeiros colonizadores, havia também caboclos aqui e ali residindo. Parte de seu sangue era europeu, pois descendiam da união entre indígenas e portugueses. E, portanto, viviam sua religiosidade em meio ao extenso e inóspito, ameaçador, ambiente.
Enfim, luteranos e católicos fizeram de Blumenau uma comunidade lampejante da luz de Cristo Salvador, revelador do triúno Deus e do seu Reino. Respeito, amizade, colaboração, é disso que falam os historiadores do relacionamento entre ambas as confissões cristãs. Diferenças, não podemos negá- -las mesmo nos nossos dias. Hoje, porém, colhemos frutos bons daqueles primeiros tempos na caminhada conjunta que se organizou, tomou forma de oração, estudo, convivência recíproca, num testemunho ainda mais forte da busca da unidade visível, da única Igreja de Jesus.
Jesus Cristo sempre
E a Diocese de Blumenau prossegue em sua missão, animada e encorajada pelo seu terceiro bispo Diocesano, Dom Rafael Biernaski. Com ele, sucessor dos apóstolos entre nós, que somos a geração do tempo presente, reunimo-nos os discípulos e discípulas de Jesus. Prontos a ouvi-lo e fazer a vontade do Pai. Ele quer vida e vida em abundância para todos e todas. A vida espiritual do amor mútuo, consequência da fé, animada pela esperança. Mas também a vida digna e feliz para todos, principalmente àqueles a quem a carência, o abandono, a dor e a doença, mais fragilizam.
Para essa tarefa, neste ano de 2018, estão sendo convocados especialmente as leigas e os leigos. Ser sal e luz nesta terra, onde as sombras do pecado e da injustiça persistem, matando a esperança e a vida! Então, sim, revigora-se a esperança de uma terra mais habitável, acolhedora, produtora dos “frutos que permanecem” (Jo 15,16).