Por Fúlvio Costa, 31 / Jan / 2012 14:30
“Chamados a fazer brilhar a Palavra de verdade” (Porta Fidei n. 6)
Queridos irmãos e irmãs,
A celebração do Dia Mundial das Missões se reveste este ano de um significado todo especial. A circunstância do 50° aniversário do decreto conciliar ad Gentes, a abertura do Ano da Fé e o Sínodo dos Bispos sobre o tema da Nova Evangelização convergem em reafirmar a vontade da Igreja de se empenhar com mais coragem e ardor na missio ad gentes para que o Evangelho chegue até os extremos confins da terra.
O Concílio Ecumênico Vaticano II, com a participação dos Bispos católicos provenientes de todos os ângulos da terra, foi um sinal luminoso da universalidade da Igreja, acolhendo pela primeira vez um número tão alto de Padres Conciliares provenientes da Ásia, da África, da América Latina e da Oceania. Bispos missionários e Bispos autóctones, Pastores de comunidades espalhadas entre populações não-cristãs trouxeram para a Reunião conciliar a imagem de uma Igreja presente em todos os Continentes e se fizeram intérpretes das complexas realidades do então chamado ‘Terceiro Mundo’.
Enriquecidos com a experiência derivada de ser pastores de Igrejas jovens e em via de formação, animados pela paixão pela difusão do Reino de Deus, eles contribuíram de maneira relevante para reafirmar a necessidade e a urgência da evangelização ad gentes, e, portanto, para trazer ao centro da eclesiologia a natureza missionária da Igreja.
Eclesiologia missionária
Esta visão hoje não está em segundo plano; pelo contrário, conheceu uma fecunda reflexão teológica e pastoral, e, ao mesmo tempo, se repropõe com renovada urgência porque cresceu o número daqueles que ainda não conhecem Cristo: “Os homens à espera de Cristo, constituem ainda um número imenso”, afirmava o Beato João Paulo II na sua encíclica Redemptoris missio acerca da permanente validez do mandato missionário; e acrescentava: “Não podemos ficar tranquilos, ao pensar nos milhões de irmãos e irmãs nossas, também eles redimidos pelo sangue de Cristo, que ignoram ainda o amor de Deus” (n. 86). Também eu, ao convocar o Ano da Fé, escrevi que Cristo “hoje, como outrora, envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra” (Carta Apostólica Porta fidei, 7). Proclamação que, como se expressava também o Servo de Deus Paulo VI na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, “não é para a Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato do Senhor Jesus, a fim de que os homens possam acreditar e ser salvos. Sim, esta mensagem é necessária. É única. É insubstituível.” (n. 5). Portanto, necessitamos retomar o mesmo ímpeto apostólico das primeiras comunidades cristãs, que, pequenas e indefesas, foram capazes, com o anúncio e o testemunho, de difundir o Evangelho em todo o mundo até então conhecido.
Consequentemente, não surpreende que o Concílio Vaticano II e o sucessivo Magistério da Igreja insistam de modo especial sobre o mandato missionário que Cristo confiou aos seus discípulos e que deve ser compromisso de todo o Povo de Deus, Bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e leigos. O cuidado em anunciar o Evangelho a todas as partes da terra pertence primeiramente aos bispos, responsáveis direitos pela evangelização do mundo, quer como membros do colégio episcopal, quer como pastores das Igrejas particulares. Eles, de fato, “foram consagrados não apenas para uma diocese, mas para a salvação de todo o mundo” (JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Redemptoris missio, 63), “pregadores da fé, que conduzam a Cristo novos discípulos” (Ad gentes, 20) e tornam “presentes e como que palpáveis o espírito e o ardor missionário do Povo de Deus, de maneira que toda a diocese se torna missionária” (ibid., 38).
A prioridade de evangelizar
O mandato de pregar o Evangelho não se esgota, portanto, para um Pastor, na atenção por aquela porção do Povo de Deus confiada aos seus cuidados pastorais, nem no envio de sacerdotes, leigos ou leigas fidei donum. Ele deve envolver toda a atividade da Igreja particular, todos os seus setores, em suma, todo o seu ser e operar. O Concílio Vaticano II o indicou com clareza e o Magistério sucessivo o reiterou com força. Isso requerer adequar constantemente estilos de vida, planos pastorais e organização diocesana a esta dimensão fundamental do ser Igreja, especialmente no nosso mundo em contínua transformação. E isso vale também para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, como também para os Movimentos eclesiais: todos os componentes do grande mosaico da Igreja devem sentir-se fortemente interpelados pelo mandato do Senhor de pregar o Evangelho, para que Cristo seja anunciado em todos os lugares. Nós, Pastores, os religiosos, as religiosas e todos os fiéis em Cristo, devemos colocarmo-nos nas pegadas do apóstolo Paulo, o qual, “prisioneiro de Cristo para os gentios” (Ef 3, 1), trabalhou, sofreu e lutou para levar o Evangelho em meio aos pagãos (cfr. Ef. 1, 24-29), sem poupar energias, tempo e meios para divulgar a Mensagem de Cristo.
Também hoje a missão ad gentes deve ser o constante horizonte e o paradigma por excelência de toda atividade eclesial, porque a própria identidade da Igreja é constituída pela fé no mistério de Deus, que se revelou em Cristo para nos trazer a salvação, e pela missão de testemunhá-lo e anunciá-lo ao mundo, até o seu retorno. Como são Paulo, devemos estar atentos aos que estão distantes, àqueles que ainda não conhecem Cristo e ainda não experimentaram a paternidade de Deus, conscientes de que “a cooperação missionária alarga-se hoje para novas formas, não só no âmbito da ajuda econômica, mas também da participação direta na evangelização” (JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Redemptoris missio, 82). A celebração do Ano da Fé e do Sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização serão ocasiões propícias para um relançamento da cooperação missionária, sobretudo nesta segunda dimensão.
Fé e anúncio
O anseio de anunciar Cristo nos impulsiona a ler a história para analisar os problemas, aspirações e esperanças da humanidade, que Cristo deve curar, purificar e preencher com a sua presença. A sua mensagem, de fato, é sempre atual, penetra no coração da história e pode dar resposta às inquietações mais profundas de todo homem. Por isso, a Igreja, em nome de todos os seus componentes, deve estar consciente de que “os horizontes imensos da missão eclesial e a complexidade da situação presente requerem hoje modalidades renovadas para se poder comunicar eficazmente a Palavra de Deus.” (Bento XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, 97). Isto exige, antes de tudo, uma renovada adesão de fé pessoal e comunitária ao Evangelho de Jesus Cristo, “num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver” (Carta Apostólica Porta fidei, 8).
Efetivamente, um dos obstáculos ao impulso evangelizador é a crise de fé, não apenas no mundo ocidental, mas em grande parte da humanidade, que, faminta e sedenta de Deus, também deve ser convidada e conduzida ao pão de vida e à água viva, como a Samaritana que vai ao poço de Jacó e dialoga com Cristo. Como narra o Evangelista João, a vicissitude desta mulher é particularmente significativa (cfr Jo 4, 1-30): encontra Jesus, que lhe pede de beber, mas depois lhe fala de uma água nova, capaz de saciar a sede para sempre. No início, a mulher não entende, permanece no nível material, mas lentamente é conduzida pelo Senhor a realizar um caminho de fé que a leva a reconhecê-lo como o Messias. A esse propósito, Santo Agostinho afirma: "depois de acolher Cristo Senhor no coração, que mais poderia ter feito (aquela mulher) senão abandonar a ânfora e correr para anunciar a boa nova?" (Homilia 15, 30). O encontro com Cristo como pessoa viva que sacia a sede do coração só pode levar ao desejo de compartilhar com os outros a alegria desta presença e fazê-Lo conhecer para que todos a possam experimentar. É preciso renovar o entusiasmo de comunicar a fé para promover uma nova evangelização das comunidades e dos países de antiga tradição cristã que estão perdendo Deus como referência, a fim de redescobrir a alegria de crer. A preocupação de evangelizar nunca deve permanecer à margem da atividade eclesial e da vida pessoal do cristão, mas sim caracterizá-la fortemente, conscientes de ser destinatários e, ao mesmo tempo, missionários do Evangelho. O ponto central do anúncio permanece sempre o mesmo: o Kerigma do Cristo morto e ressuscitado pela salvação do mundo, o Kerigma do amor de Deus absoluto e total por todo homem e por toda mulher, cujo ápice está no envio do Filho eterno e unigênito, o Senhor Jesus, que não se eximiu de assumir a pobreza de nossa natureza humana, amando-a e resgatando-a, por meio da oferta de si na cruz, do pecado e da morte.
A fé em Deus, neste desígnio de amor realizado em Cristo, é antes de tudo um dom e um mistério a receber no coração e na vida e pelo qual agradecer sempre ao Senhor. Mas a fé é um dom que nos é dado para ser compartilhado; é um talento recebido para que produza frutos; é uma luz que não deve ficar escondida, mas iluminar toda a casa. É o dom mais importante que nos foi feito em nossa existência e que não podemos guardar para nós mesmos.
O anúncio se faz caridade
“Ai de mim, se não anunciar o Evangelho”, dizia o Apóstolo Paulo (1 Cor. 9,16). Esta palavra ressoa com força para todo cristão e para toda comunidade cristã em todos os Continentes. Também para as Igrejas em territórios de missão, Igrejas em grande parte jovens, em sua maioria de recente fundação, a missionariedade se tornou uma dimensão conatural, mesmo que elas ainda precisem de missionários. Muitos sacerdotes, religiosos e religiosas, de todas as partes do mundo, inúmeros leigos e até mesmo inteiras famílias deixam seus países, suas comunidades locais, rumo a outras Igrejas para testemunhar e anunciar o Nome de Cristo, no qual a humanidade encontra a salvação. Trata-se de uma expressão de profunda comunhão, compartilha e caridade entre as Igrejas, para que cada homem possa ouvir ou re-ouvir o anúncio que cura e aproximar-se dos Sacramentos, fonte da verdadeira vida.
Juntamente a este elevado sinal da fé que se transforma em caridade, recordo e agradeço às Pontifícias Obras Missionárias, instrumento para a cooperação com a missão universal da Igreja no mundo. Através da sua ação, o anúncio do Evangelho se transforma em ação de ajuda ao próximo, justiça com os mais pobres, possibilidade de instrução nas aldeias mais distantes, assistência médica em lugares remotos, emancipação da miséria, reabilitação dos marginalizados, apoio ao desenvolvimento dos povos, superação das divisões étnicas, respeito pela vida em todas as suas fases.
Queridos irmãos e irmãs, invoco sobre a obra de evangelização ad gentes, e de modo especial, sobre seus operários, a efusão do Espírito Santo, para que a Graça de Deus a faça caminhar com mais decisão na história do mundo. Com o Beato John Henry Newman, gostaria de rezar: “Acompanha, ó Senhor, os Teus missionários às terras a evangelizar, coloca as palavras certas em seus lábios, torna frutífera a sua fadiga”. Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja e estrela da Evangelização, acompanhe os missionários do Evangelho.
Vaticano, 6 de janeiro de 2012, Solenidade da Epifania do Senhor
Papa Bento XVI