Estamos em Páscoa e vivemos a alegria da Ressurreição do Senhor. Devemos também nos alegrar pela nossa caminhada que já se encontra no oitavo passo, que torna mais intenso o crescimento da nossa fé. Nos três primeiros, o admitir, o confiar e o entregar, exercitamos a nossa aproximação com Deus, com a nossa religião, com o enfrentamento dos nossos problemas de uma maneira mais comprometida. Neles, reconhecemos sobre as nossas práticas e desejamos dar qualidade à nossa forma de viver, restituindo a união entre aqueles com os quais convivemos. Descobrimos que Cristo sempre esteve ao nosso lado, mas que precisávamos valorizar essa proximidade, fazendo nós também a nossa parte, abrindo os braços a essa escolha de Vida Nova.
Num segundo momento, com os passos arrepender-se, confessar e renascer, já mais estruturados, procuramos dar qualidade às nossas orações, valorizando a conversão e a penitência, no sentido de olhar para dentro de nós e arrancar aquilo que já não servia mais. Abrimos espaço para novas práticas, principalmente com relação à nossa vida espiritual, e assim, em consequência, nosso comportamento também foi envolvido pelo novo pensar. Despertamos para a humildade, para o investimento naquele que espera por nós, para o crescimento interior através desse encontro com Deus Pai. Em Cristo encontramos coragem para resgatar o que dávamos por perdido, como por exemplo, a esperança, o consolo, o ânimo, o desafio. Através da força do Espírito Santo renovamos a nossa crença em não se deixar vencer, em não abandonar a família em nome das drogas, em não mais sofrer as consequências dos nossos vícios.
Na semana passada refletimos sobre como íamos compensar os males que causamos e quais as razões que nos levaram a ter com o outro e a reparar nossos erros. Colocamos também sobre os danos que não temos mais como ressarcir, e reconhecemos que Deus está sempre nos dando oportunidade, e termina por nos fazer encontrar um meio de prestar generosidades a quem precisa, e que está ao nosso lado, aguardando o nosso olhar. Chegamos então ao momento em que estamos colocando Jesus Cristo como centro da nossa vida. Nesse esforço de renovar a fé, compreendemos que não estamos sozinhos, e que, da mesma forma, também não podemos largar ninguém sozinho no meio do caminho, e uma situação completa a outra, pois desejamos viver a fraternidade.
Para isso, foi preciso renunciar horários em frente à TV para nos dedicarmos aos grupos de auto-ajuda, foi preciso reconhecer os próprios vícios camuflados como maus-hábitos, foi preciso falar sobre a nossa vida e dar o testemunho das nossas fraquezas, foi preciso reconhecer que estávamos dificultando a nossa convivência, acreditando com o nosso modo de ser pensar e agir era sempre o mais correto. Enfim, renunciamos parte de quem éramos e procuramos buscar ser alguém melhor. Isso nos coloca também diante da realidade da nossa fé, porque avaliamos o nível da nossa verdade para com os nossos propósitos e onde estamos nos amparando. A Profissão de fé concentra-se na intensidade da nossa relação com Deus e na intervenção libertadora de Deus em nossa vida a partir da nossa suscetibilidade, do nosso dispor.
Mas como isso se dá? Como isso tudo acontece em nossa vida? Pela caminhada, pela persistência, pelas quedas e pelo levantar-se, pela confiança, pelas lágrimas, pelos sinais no dia-a-dia, pelas respostas às nossas perguntas, pelos novos acontecimentos, pela sensibilidade, pela satisfação, pela leveza, às vezes pela pressão, pelo sorriso, pelo esforço em compreender a Palavra, pela escuta… E se segue uma lista infinita, pois cada um vai vivenciar a sua fé de uma forma que é diferente da outra pessoa. Deus se utiliza de tudo para que nos aproximemos do Seu amor. A nossa fé nos certifica de que se invocarmos o Seu Santo Nome, estamos indo ao encontro da Salvação; se pedirmos, seremos atendidos na medida do nosso merecimento e no momento certo; se clamarmos, seremos confortados.
Todavia, viver a nossa fé não é tão fácil, assim como não foi fácil para Jesus cumprir a sua missão. As dificuldades vão se apresentar e temos que abraçar a nossa tarefa como cristãos, superando as tentações dos vícios, dos maus hábitos e das manias e enfrentando os desafios que cercam o dia-a-dia. Costumo dizer que são os pequenos deslizes que nos pegam de jeito porque deixamos escapar, pensando nós que eles não vão se tornar grandes, mas serão eles os nossos futuros problemas. São exatamente estas pequenas falhas que desconsideramos como sérias, que se tornarão faltas graves.
É preciso aceitar que às vezes deixamo-nos levar pelas maldades do mundo por acreditar que isso não acarretará em sofrimento. Achamos, assim como os dependentes, que isso não trará mal nenhum, e quando vemos, estamos enveredados em situações que deixamos nos envolver porque não valorizamos o limite, a atenção, a sensatez, o cuidado, a coerência, a oração, a obediência, o conselho. Na verdade, deixamos de lado as virtudes para atender aos nossos desejos voltados unicamente para a nossa pessoa. Vamos nos deixando seduzir por estes caprichos até que estejamos corrompidos e tomados de dor e angústia, porque alimentamos, porque cultivamos, porque não cortamos o mal pela raiz. E essas situações vão continuar existindo, mas a nossa fé nos permitirá suportar com mais garra, com mais equilíbrio, e professando, vamos propagando essa firmeza, esse bem estar, essa liberdade absoluta em Deus, por isso precisa ser vivida com profundidade. Quando estamos impregnados pela fé nos tornamos mais humildes, mais compassivos, mais reflexivos, com o olhar voltado para todas as coisas e não apenas para o nosso interior.
Em se tratando dos dias de hoje, podemos afirmar que somos submetidos aos costumes que a cultura nos oferece, estamos sujeitos aos modismos, somos guiados pelas propagandas e nos convencemos que as marcas mais caras dão o melhor resultado. Falando dessa maneira parece que somos manipulados por todas as coisas do nosso tempo. E sendo assim, somo levados a viver o pensamento comum de que não temos opções, que somos parte desse momento cultural e que o nosso pensamento crítico está condicionado a não reconhecer que nós é que produzimos essa cultura. Não é a cultura que determina a natureza humana, mas o contrário. Essa ideia nos torna livres para atender as necessidades do nosso coração. A partir dela vamos inserindo em nosso meio as práticas que acreditamos ser mais importante.
Mas o grande desafio consiste em reativar essa prática esquecida por muitos e romper com aquilo que vem sendo empurrado para que consumamos. Claro que é mais fácil aceitar qualquer coisa que nos ofereçam do que avaliar se isso realmente faz sentido para a nossa vida. E aí paira a nossa responsabilidade como cristãos. Quem já não disse ”no meu tempo…”? E daí eu afirmo: no nosso tempo, ou seja, no tempo em que fomos educados os nossos educadores, nossos pais nos ensinaram as coisas para que nós repassássemos e o que fizemos? Fomos passando a mão na cabeça, fomos liberando, fomos relaxando, fomos deixando que as coisas acontecessem e fomos resmungando, reclamando que o mundo de hoje é diferente do nosso tempo. E quem o tornou assim?
É preciso que assumamos a nossa parcela, só assim podemos retomá-la e reestruturá-la. O mundo está assim porque nós o tornamos assim. Deixamos de mostrar o verdadeiro valor das coisas, deixamos de valorizar o nascimento de um Menino que se tornou o maior dos Homens para prestigiar a festa, o comércio, para dar presentes; deixamos de dar sentido ao tempo de sofrimento e angústia que precede a morte; deixamos de considerar a ressurreição como símbolo de vida que se inicia para confirmar o consumo abusivo de chocolate e troca de presentes novamente. Deixamos de rezar ao pé da cama, deixamos de apresentar Jesus Cristo nas histórias que contávamos à noite aos filhos para dormir. Deixamos de praticar com eles as orações na mesa, deixamos de ensinar-lhe e exigir-lhes a pedir a bênção, aliás, deixamos de exigir quase tudo.
Eles cresceram com meias exigências e quando tiveram seus filhos deixaram de exigir o restante. E eu pergunto: por que o mundo hoje está do jeito que está? O que temos a ver com isso? Basta olhar para nossa própria casa. É por lá que devemos começar. É tarde? É tarde ou é difícil? Se for tarde ainda é possível. Agora, quando é difícil, precisamos reconhecer que quem está colocando empecilhos somos nós mesmos. É preciso reconhecer que adaptamos nosso comportamento aos modelos da atualidade, prejudicando os valores fundamentais da nossa prática religiosa. Contudo, a Páscoa está aí, ao nosso alcance, para relembrar que sempre é tempo de renovação, de atualização. Não pertencemos ao passado e a nossa fé deve ser revigorada, deve iluminar o grande trabalho que temos pela frente em retomar todas as coisas que largamos por fazer reaprender a lidar com verdadeiros valores que nos ajudar a superar com eficácia as provações que nos apresentam a vida.
Texto: Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau