Voltamos mais uma vez a iniciar nossa caminhada. Poderíamos chamar de reinício? Penso que não. O que aprendemos nos três meses anteriores jamais se repetirá, assim também se dará com nova esta experiência que vamos vivenciar. O que quero dizer é que quando participamos dessa caminha ao longo de todo o ciclo dos doze passos, temos como foco uma situação agravada pelas drogas ou por qualquer outro vício. Os Passos da Sobriedade nos auxiliam a perceber que o nosso movimento está muito voltado aos sentimentos de angústia e desespero. É sempre uma surpresa quando somos convidados a olhar para nós mesmos e sentir o quanto estamos fazendo às avessas.
Para aqueles que estão se apropriando deste passo pela primeira vez, essa é uma questão muito importante, pois somos convidados a partilhar a nossa vida, quando é bem mais fácil partilhar a vida de quem consome algum tipo de droga dentro de casa. Muitos de nós consideramos não ter nada a ver com isso. Partindo desse princípio, somos convidados a voltar o olhar para as coisas fazemos, para os sentimentos que carregamos, para a maneira como nos relacionamos, para os resultados que deixamos. Isso não quer dizer que todas as coisas vão se resolver de uma hora pra outra.
Buscamos mais uma alternativa de se trabalhar com a questão das drogas. Se uma família sofre com essas consequências, aquele que primeiro clamar deve ser socorrido, seja o pai, a mãe, a esposa, o dependente, não importa por quem vamos começar, mas significa que não vamos recuar. Assim deve pensar a família. O primeiro sofrimento causado pela ação das drogas dentro de uma casa é a vergonha de ter-se um ente querido envolvido. É ao mesmo tempo um sofrimento e uma atitude de rejeição, pois ao desconfiarmos nos fechamos para não ter que confirmar aquela situação diante da comunidade, dos familiares, dos amigos, enfim, começamos a fechar algumas portas dentro da nossa própria casa.
Essa rejeição faz com que a gente negue a situação, depois faz com que a gente se afaste do dependente em questão porque essa pessoa começa a transformar a nossa vida num caos. Daí, nos cercam então as sensações de culpa que quase nos levam a loucura, pois já não sabemos o que fazer. É muito sôfrego ver alguém que a gente ama em uma condição subumana. Pior, abrimos espaço para pensar que temos alguma coisa a ver com tudo isso. E agora, quem está certo? Quem está errado?
Mais uma vez volto a lembrar que não estamos aqui para fazer esse tipo de julgamento. Talvez estejamos certos em algumas coisas e errados em outras, mas só nós mesmos é quem vamos nos dizer isto e desta vez orientados pela reflexão dos Passos da Sobriedade, pela aproximação e pela conversa sólida que vivenciamos dentro dos grupos de auto-ajuda com outras pessoas que passam pela mesma problemática, pelo carisma que encontramos nas preces que fazemos e pelo próprio alimento da Palavra que é o que completa essa caminhada.
O Passo Admitir vem apresentar novas regras, nova forma de compreender a situação em que nos encontramos. Vem trazer novas perspectivas, vem direcionar Caminhos que talvez nem nos déssemos conta de que estão lá, apenas basta seguí-Lo. Todavia, é preciso querer sair dessa condição em que nos encontramos, é preciso dar um basta em toda essa situação, é preciso dizer não às drogas de forma mais incisiva, mais firme e mais convincente, inclusive para nós mesmos. Quando Jesus diz: Vem e segue-Me, isso quer dizer muita coisa. Muito simples para o desejo do coração, mas muito intenso no fazer, na ação.
Quando propomos como primeiro passo admitir, é para nós que devemos nos revelar, como o primeiro a tomar a atitude para conosco. Devemos reconhecer que precisamos de cuidado, de atenção, de um olhar voltado para os nossos próprios vícios, nossos maus costumes, nossas palavras amargas e de desesperanças, nossos olhares de punição, nossos julgamentos, nossos pensamentos maliciosos e pecaminosos. Tem tanta coisa aí pra gente consertar, por que queremos começar a mudar logo o outro?
Aqueles que já fizeram esta caminhada, hoje se preparam para enfrentar mais um desafio. Diferentemente de quando fez essa experiência pela primeira vez, neste momento se dá conta de como foi quebrar essa estrutura e compreender ou aprender que através da nossa mudança podemos alterar ações e pensamentos alheios, pois sendo percebidos, acaba-se, por conseqüência, acontecer novos posicionamentos. Todavia, cada ciclo que vivenciamos, adquirimos mais condições de enfrentar as dificuldades com maior clareza de pensamento e de sentimento.
A família que passa por esse flagelo das drogas nunca vai esquecer-se dos momentos sofridos que marcaram a sua vida. Infelizmente, muitos procuram esquecer ao invés de estar sempre atentos a estas questões. Convidamos a família a participar dos grupos de auto-ajuda para dar suporte e auxiliá-los nessa caminhada. Lamentavelmente, muitos vêm aos grupos de apoio apenas no período de tratamento do seu dependente. Às vezes o dependente abandona o tratamento e o seu familiar repete a façanha se ausentando dos grupos. Podemos entender essa prática como falta de investimento familiar.
Temos testemunhos de familiares que dizem: “Porque devo ficar participando dos grupos de auto-ajuda? Quem deveria estar indo era ele, que é dependente”. Na verdade o grupo de auto-ajuda é pra poder fortalecer a si próprio, principalmente se o dependente resolve abandonar o tratamento. Neste caso em específico é preciso entender que abandonar o grupo de auto-ajuda piorará ainda mais a situação, pois ao invés de ser apenas um, são todos os membros que se entregam ao descaso do compromisso familiar.
E isso acontece mais do que se imagina. Dessa forma fica também configurado que essa falta de compromisso deve se estender à educação, à prática religiosa, às questões afetivas, enfim, a gente geralmente tem um jeito de agir que terminam por dizer quem somos de uma maneira geral. E por isso é preciso chamar a atenção para que não abandonem o barco todos ao mesmo tempo.
Aprofundando mais ainda o tema das drogas é importante compreender que o consumo de substâncias químicas e do álcool por si só já é uma consequência provocada por uma desestrutura pessoal. Buscar o tratamento vai proporcionar a cura física da dependência. As questões emocionais se mantém vivas, dando apenas um tempo para emergirem quando voltarem os conflitos. Estes, devem ser trabalhados logo após o tratamento da desintoxicação, para que se aprenda a se envolver com eles, mantendo o equilíbrio, a segurança e a afetividade.
Segundo depoimentos de familiares, percebemos que essa desestrutura do dependente tem grande relação com a desestrutura do seu grupo familiar. Esse contexto não contempla só o aspecto emocional, mas às vezes, a questão profissional, a vivência espiritual e vai desagregando as relações, a começar pela família que é a mais próxima. É claro que nós como indivíduo queremos que as pessoas pensem como a gente, mais ainda, queremos que ajam como a gente.
E quando as ideias divergem, ou quando estão desagradando, temos dificuldade de ter uma conversa séria. Temos dificuldade de dizer: “Você é livre, mas eu também sou!” Temos dificuldade de dizer: “Se você tem o direito de viver a vida do jeito que você quer, consumindo o que quiser, eu também tenho o direito de não querer conviver com isso.” Aí, abre-se aquela questão: “O meu direito acaba quando começa o do outro.”
Voltamos ao passo que estamos refletindo. O que é que precisamos admitir. É preciso refletir com muito cuidado, pois se nós admitimos, teremos que nos comprometer com uma mudança a respeito dessa falha, ou desse vício. Se nós admitimos, é porque reconhecemos que dentro de nós tem um comportamento que precisa ser arrancado pela raiz. Saber como se vai fazer isso já é outra problemática que vamos buscar solucionar. Em algumas situações tem pessoas que pensando na solução dessa problemática abre mão de admitir receando ter que fazer um investimento muito grande e que exija demais de si.
Costumamos dizer que este é o primeiro passo e sendo assim, o mais difícil porque ele rompe com alguns aspectos que estavam cristalizados em nossa vida. Porém, uma vez acordando para esta situação de sofrimento, podemos tomar as rédeas de nossa vida e dar uma direção mias significativa, com a consciência voltada para o enfrentamento e dessa vez com a certeza de que se está fazendo de forma mais segura e coerente. O Senhor nos abre muitas janelas, basta reconhecê-las e tomar a iniciativa de ver o que nos espera, o que nos acontece além delas.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau