Viemos de uma caminhada longa e desempenhada com muito esforço. Fechamos o seu ciclo. Hoje estamos aqui mais uma vez para reiniciar uma nova caminhada com novas perspectivas e, através da terapia do amor, trabalharmos a nossa própria mudança, envolvendo nossas ações, nossa maneira de pensar e nossos gestos para com o outro. Hoje estamos ganhando mais uma oportunidade de renovarmo-nos diante do Senhor. As nossas fragilidades sempre vão existir, as nossas fraquezas sempre vão nos por à prova, mas a partir do momento em que nós refletimos, temos como tomar consciência delas, e assim, temos também como enfrentá-las.
Para isso é preciso trilhar um caminho que começa em nós, de fora pra dentro. É preciso se ajustar ao processo de reflexão, é preciso entender que a gente tem que se prontificar a fazer alguns esforços que às vezes vão além da compreensão, mas que só agindo poderemos assimilar o sentido da ação.
O Passo Admitir traz para nós a pergunta mais simples e também mais difícil de responder: o que precisamos fazer para ser alguém melhor? Essa é realmente uma questão muito complexa. Não dá para responder com achismos. Primeiro porque geralmente quem precisa mudar são os outros, porque são as outras pessoas que precisam se adaptar ao nosso jeito de ser, pensa uma grande maioria. E sabe por que se pensa assim? Por que a nossa individualidade está muito valorizada. O culto primeiro do eu, da minha pessoa em primeiro lugar, das minhas necessidades, das minhas vontades. Olha, quando a gente foca no umbigo, a gente ganha um desvio na vista que nem operação resolve. É um caso sério.
Quer ver a situação do dependente. Este só quer saber de ser feliz, porque a vida é muito dura. Viver como mandam os padrões sociais é coisa pra engrenagem de máquina. Não servem pra essa vida. Em contrapartida, querem se valer dos benefícios. Quem me ouve sabe que o seu familiar ou conhecido dependente tem um pouco disso. É uma pessoa que se queixa do sistema, do trabalho, da educação, mas também se queixa da exclusão por que deseja estar inserido em algum grupo, e aí, termina por buscar grupos que se afinam com esse descomprometimento, vivendo à margem e sofrendo as consequências dessa opção.
O que fazer numa situação dessas, me pergunta uma mãe que mal conhece o que seu filho consome. Como posso ajudar, questiona ela. Onde foi que errei, desabafa. O mundo das drogas é crucial. Primeiro ele apedreja a família, desestrutura ainda mais o que já estava abalado, leva ela ao abandono, ao descaso e a dispersão. Depois de muito se distanciar, esses dependentes voltam à família como se fosse um animal que não reconhece mais a casa de tanto que já sofreu e se entregou às drogas. Os pais recebem suas crias, mas não sabem o que fazer com tudo isso. Não sabem como lutar contra esse inimigo por que o próprio filho se transformou nele, porque já não sabemos onde começam nossos filhos e terminam as drogas.
Aquele que não tem um familiar dependente não faz idéia da dor que isso causa, da sensação de impotência, de frustração, de vergonha, de desprezo e de desamparo. O que fazer diante de famílias com uma situação tão delicada, senão acolher, ouvir, tentar se colocar no lugar, enxugar suas lágrimas, entregar nossos braços e ampará-los nesse primeiro momento. Não podemos fazer muita coisa, mas isso já é um grande feito.
Geralmente são as famílias que buscam os primeiros-socorros. E é fundamental auxiliar em primeira mão aqueles que nos procuram de imediato. É o emergencial gritando por ajuda. É através daquele que se denuncia e se expõe, que vamos criar uma rede para acompanhar, orientar e tentar fazer com que seja apresentada ao dependente, uma condição que dê significado à sua vida. Contudo, precisamos cuidar primeiro de quem nos procura. É o investimento dessa pessoa, de maneira diferenciada, que vai proporcionar essas condições para que o seu dependente comece a enxergar outras possibilidades.
Então, esse primeiro passo se remete a um admitir os nossos deslizes. Onde recai a nossa responsabilidade? Onde se enraíza a nossa fragilidade? Quando erramos? Por onde começamos? Se fizermos uma avaliação, se passarmos cinco minutos olhando para dentro de nós em silêncio, teremos como descobrir como está o nosso coração. Muitas vezes está completamente bagunçado. Mal conseguimos olhar para o que sentimos e ainda assim não temos certeza. Precisamos silenciar um pouco para que Deus fale conosco e através Dele compreender o que precisamos para aliviar nossas angústias.
Porém, antes de admitir alguma coisa é necessário reconhecer o porquê estamos aqui nesse momento prestando atenção a estas palavras. Que significado elas vão representar na nossa vida de agora por diante? Se estivermos juntos vivenciando este momento é porque estamos nos propondo a um direcionamento. Algo mexeu conosco para que saíssemos do lugar de onde estávamos para fazer alguma coisa e quando a gente sai do lugar a gente mexe com o mundo, com o nosso mundo e com o mundo do outro.
Admitir que estamos prontos a nos transformar por alguém é sinal de amor. É sinal de que queremos dar uma chance a nós mesmos. E se não conseguimos estender as mãos, vamos aprender nessa caminhada. Vamos desenferrujar o nosso coração, tirar a dureza, perdoar aos outros e a nós mesmos. Chorar quando for preciso. Exercitar a paciência, a prudência e benevolência. Juntar alguns cacos da nossa vida, colar, outros, jogar fora. Abrir-se para a espiritualidade, dialogar com o Pai sem pressa, silenciar, recomeçar sempre, assim como cada manhã, sempre renovados.
Vivenciar este passo sugere desafio e humildade, pois vamos nos dispor a rever as nossas atitudes, identificar as nossas falhas, os nossos erros, nossos vícios, e começar a mexer nessa estrutura. Nós vamos nos abalar, vamos dar uma chacoalhada na nossa vida, vamos tirar a poeira, as sujeiras. Convido todos a fazer uma purificação de si. Coragem, estamos juntos nessa.
Malena Andrade – Psicóloga Assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau