Nesta semana somos chamados a vivenciar mais um passo da sobriedade e uma nova proposta nos é apresentada, que é a de arrepender-se. Este é o quarto passo que damos e ao começarmos esta caminhada, iniciamos com o passo admitir, que traduz todo o nosso esforço em reconhecer nossos erros, vícios e pecados, onde fomos convidados a uma mudança de vida, a participar de um projeto novo. E esta proposta nos levou ao passo confiar, que veio nos dar suporte às horas mais difíceis, pois este, veio a ser o momento em que nos depositamos na pessoa de Jesus para poder entender porque Seu caminho é estreito e perceber também que Ele está em nós a partir do momento em que abrimos o nosso coração a acreditamos que a recuperação, a salvação e a redenção dos pecados nos são dado por meio do Seu amor. E com esta fidelidade passamos pelo passo entregar, pois quando as portas vão se fechando, Deus vai nos abrindo janelas e vamos recebendo condições para suportar os fardos. Eles vão se tornando mais leves e suaves, como dizia o texto bíblico da semana passada. E quando a entrega é verdadeira, vamos nos colocando em Suas mãos, e vamos nos mostrando como somos. Vamos apresentando nossas qualidades e nossas falhas. Uma vez deixando claro, inclusive para nós onde estamos falhando, então é chegado o momento de arrepender-se.
O nosso processo de conversão nos é oferecido em etapas, pois não teríamos condições de tornarmo-nos pessoas diferentes de uma hora para outra, por mais que quiséssemos. Não suportaríamos o peso por não termos estrutura emocional suficiente. Ora, se para cada passo que vivenciamos, muitas vezes teimamos em manter aquela velha maneira de ser, muitas vezes mesquinha, arrogante, egoísta, aquela velha maneira que aprendemos e sentimos dificuldades de deixar de lado, de reaprender a ser uma pessoa melhor, imagine se não fosse refletido, aos poucos. Quando falamos em conversão, esta não se resume em abrir a boca e dizer que acredita que Deus nos trará a salvação e aguardamos sentados, esperando que Ele faça a parte Dele e mais alguém faça a nossa.
Quando falamos em conversão, isso significa dizer que vamos passar por um processo de avaliação interior. Vamos nos prestar a fazer uma faxina em nossa vida e reconhecer o que fizemos de útil e de valoroso para nós a para aqueles a quem amamos. Desta maneira vamos encontrar atitudes, situações, palavras e sentimentos que não precisariam estar lá. Ações que causamos que nos prejudicaram, mentiras que inventamos para fortalecer o nosso ego, julgamentos que partilhamos que terminaram prejudicando outras pessoas, e por aí vai: palavras grosseiras que não mereciam serem ditas, rompantes de raiva que poderiam ser repensados, bom dias que deveriam de ser ditos. Quer um exemplo bem simples? Quantas vezes damos “bom dia” ao condutor do ônibus que nos leva ao trabalho todo santo dia? Agradecemos quando recebemos um panfleto na rua? Temos o hábito de cumprimentar aquele gari que varre as nossas ruas? Ou estas são as pessoas invisíveis que não são necessárias em nossa vida? Hum, que dirá auxiliar no trabalho e tratamento de um dependente, a não ser que ele seja da nossa família. Às vezes me pergunto: por que será que essas provações acontecem justamente com a gente, não é?
Se a gente se sensibiliza, é porque tem muito a trabalhar e se sofre, é porque ainda temos muito que aprender. Continuando nosso processo árduo de arrependimento e conversão, em muitas situações nossa opção é fugir, nos omitir. Porém, a Palavra de Deus vem nos dar uma chamada de atenção. Ainda temos mais uma chance. É o que nos diz a Leitura de hoje. Em geral ela nos fala do arrependimento, de que esta é a hora, é a chance que temos para nos resgatar, que estamos perdendo oportunidades e que temos um tempo para que tudo isso aconteça, afinal não estamos dando frutos. Na verdade, estamos ressequidos de coração e desestimulados, sem vigor espiritual.
Segundo a Leitura de Lc 13,6-9 diz: “Um homem havia plantado uma figueira…”. Deus nos dá a vida para que frutifiquemos. Não estamos aqui para definhar, para crescer e sofrer, mas para sermos frondosos, fortes, cheios de galhos e folhas, representados pelos nossos familiares com vida saudável e abundante, e com muitos frutos, que se traduz naquilo que a gente tem para dar. E esse fruto precisa ser doce, saboroso. Esse fruto deve ser o melhor que temos em nós. Esses frutos são as nossas atitudes diante dos outros, são as nossas qualidades, são os nossos valores, e nossos talentos, resultado do alimento da seiva, entendida aqui como os sinais do Espírito Santo em nós.
“Um homem havia plantado uma figueira na sua vinha e, indo buscar fruto, não achou”. Quando Deus se decepciona com a gente? Do que mais nos alimentamos a ponto de desidratarmos a árvore da nossa vida e nos tornarmos infecundos. O que faz o nosso tronco ser tão cambaleante e nossos galhos caírem perdidos em vícios, em obesidades, em anorexias, em cleptomanias, maus hábitos, maus costumes? Do que nos alimentamos a ponto de deixar nossa casca áspera, nossa convivência se perdendo aí nas indiferenças, perdendo toda a beleza interior, sem tempo para buscar o principal alimento, sem tempo de ir à fonte da oração? Façamos uma avaliação, ou nossa árvore será cortada. Se não dermos bons frutos, não faz sentido existirmos.
Quando começamos a nos dar conta de que nossos erros precisam ser reparados, quando sentirmos que esses erros pesam sobre nossas cabeças e não queremos mais ter essa dor nos rodeando é porque estamos nos voltando para o arrependimento. Se estamos convictos que contribuímos para o mal de alguém e essa angústia chega a ser insuportável, tanto que procuramos escondê-la até de nós mesmos, então estamos nos entregando a esse arrependimento. Nossos pecados escurecem a nossa fonte de vida, o nosso coração e essa falta de luz vai nos tomando por completo, nos deixando tristes, deprimidos, desanimados.
E até que o reconhecimento dos nossos pecados e das nossas falhas nos faça cair de joelhos e humilhados tenhamos nos dado conta de que o que vai nos reabilitar é o alimento que precisamos para viver uma vida digna, até que não bebamos da verdadeira fonte, não poderemos apresentar ao Senhor bons frutos. Deus nos oferece meios para encontrarmos o elixir que nos falta. Para isso Deus nos fala à consciência. Às vezes, mesmo contra a nossa vontade, os pensamentos surgem e nos fazem rever situações há muito tempo guardadas, com o propósito de apagar da nossa vida toda aquela coisa ruim. Mas é trazendo eles à tona que teremos como rever esse arrependimento. Se alimentados pela Sua Palavra, teremos condições de avaliar o tamanho dos nossos erros e com a fé no Espírito Santo encontraremos força para nos restabelecer.
Essa convicção se retomará então pela consciência, pela prática da Palavra e pela fé no Espírito Santo, onde reencontraremos os nossos verdadeiros dons. Mas atenção: a própria consciência precisa ser educada, principalmente quando produzimos os nossos galhos. Eles serão a nossa continuidade. Aqui, estou falando da família. E insistindo que a educação vem do berço. A família é o primeiro grupo que fazemos parte. É ela que nos apresenta o mundo, suas cores e odores. É a família quem vai significar a seus filhos como devem se portar diante do que tem ali fora, no futuro.
Voltando à Leitura, tem um trecho que diz: “Eis que três anos há que venho procurando fruto nesta figueira e não acho”. O homem faz essa queixa ao viticultor, àquele que é o cuidador. Portanto se ali tem um responsável para cuidar, o que teria ele deixado de fazer para que essa árvore se transformasse em algo tão improdutivo? Em um momento de nossa vida somos árvores e cuidadores. É importante termos discernimento para ofertar o alimento ideal. E que seria esse alimento, senão a prática da boa ação, da cidadania, do respeito, a prática da oração, da atividade cristã na comunidade, da doação voluntária? Pensamos muitas vezes que o nosso papel é apenas dar conta da sobrevivência. Que estará tudo bem se dermos escola, plano de saúde, e alimentação adequada. Porém isso é o mínimo que devemos fazer. Chegará uma hora em que o Homem virá nos questionar sobre a falta de frutos dessa árvore e o que vamos dizer? Que a mantivemos viva? Que ela não deu bons frutos porque ela é uma árvore improdutiva de nascença? Não criamos nossos filhos para nós, então não devemos criá-lo para o mundo, mas que ele possa também dar bons frutos, para que seja uma pessoa íntegra, segura e satisfeita dentro do grupo familiar. Eles serão as flores da nossa árvore, o que de mais belo poderíamos apresentar a Deus. Somos co-responsáveis pela sua vida e assim sendo, temos responsabilidade em educá-los em caráter e moral. Não é só satisfazer as suas necessidades de sustentação e crescimento. É criá-lo para o Senhor. Ele nos dá essa missão quando nos planta esta árvore para nós cuidarmos.
Deus quer nossos frutos onde quer que estejamos. Ele nos lança como sementes para frutificarmos, para servirmos ao Seu propósito. Talvez não estejamos como gostaríamos, mas ainda assim precisamos ir lá na raiz, na fonte da vida, buscar o que é essencial para nos restabelecermos. Os ventos e o tempo ruim passarão. E passará o dia, e passará a noite, e mais um dia virá. Precisamos encontrar dentro de nós o caminho da nossa salvação, pois Deus quer que frutifiquemos agora. Jesus com toda sua misericórdia pede a Deus, que nos dê mais um tempo, mais uma chance. Temos que permitir que Jesus trabalhe a terra do nosso coração, que nos adube e que nos cerque com Seu Espírito. Temos que deixá-Lo cavar nossas profundezas e nos curar, e nos libertar. Pois assim, o Senhor da vinha voltará e nos encontrará cheios de frutos, mesmo no meio do vinhedo, isto é, mesmo com nossas dificuldades financeira, de relacionamento, profissional, mesmo com toda limitação humana, Ele se alegrará, e seremos mais um em Seu jardim. Arrepender-se é o passo da caminhada em que a nossa consciência nos confirma que estamos prontos para trabalhar nossa conversão.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau