Vamos iniciar mais uma etapa, mais um ciclo de doze passos da Pastoral da Sobriedade. Para aqueles que iniciam com este passo, recebam de toda a Pastoral um caloroso parabéns, pois é com grande alegria que acolhemos aqueles que corajosamente tomam a iniciativa de se fazer existir no enfrentamento da problemática das drogas. Este primeiro passo é o que rompe barreiras, quebra rotinas, representa a atitude principal no projeto de Vida Nova. É ele um dos passos mais difíceis, pois para assumir essa atitude, é preciso que, além do sofrimento contido em nossa vida, reconheçamos que sozinhos não somos capazes de ir muito longe. É preciso aceitar que estamos derrotados em nossa arrogância e só nos resta baixar a cabeça e reconhecer que demos um passo errado em nossa vida. Precisamos resgatá-la o mais rápido possível, antes que nos encontremos diante de Deus e nada tenhamos feito em Seu nome.
Mais ainda, precisamos nos resgatar porque já não suportamos mais viver em tamanha infelicidade, sem a presença de paz, sem alívio no coração. Tudo o que nos cerca nesse momento é a desilusão de uma vida vivida em vão e a desesperança mordendo nossos calcanhares. Mas não é isso que queremos para nós. Muito menos para os nossos filhos, esposo, pai, mãe, netos e irmãos. Se queremos mais, por que será que nada acontece? Já ouviram falar por aí que basta desejar e o mundo conspira a favor? Então por que conosco vive sempre dando tudo errado? O que falta? Quantas lágrimas ainda teremos que derramar?
Certamente muitos já fizeram estas perguntas e cheios de razão se revoltaram, se rebelaram e se entregaram novamente ao vício, ao desânimo, ao pecado. Os motivos que nos levam a mergulhar em nossos erros irão sempre nos cercar. Iremos sempre estar envolvidos de coisas, ações e pessoas boas e ruins. Não devemos nos lamentar porque temos de fazer estas escolhas. É a partir delas que vamos construir a nossa história.
Se entendemos que fazemos escolhas e estas constroem a nossa vida, por que razão será que nos encontramos em tamanho estado de sofrimento? Ora, sofro pelo outro, responde um. Sofro pelo meu filho que está consumindo álcool. Será? Ou sofre porque não se sente capaz de fazer nada que o impeça de parar? Ou será que sofre por que se sente culpado ou culpada por achar que de alguma forma o fez ir por esse caminho? Sofremos porque na nossa falta de entendimento buscamos começar pelo outro. É o outro quem nos faz sofrer. Na verdade é o outro quem nos mostra o quanto não estamos bem conosco mesmos, como um espelho.
E nessa mazela entendemos erradamente que perceber os erros dos outros fará com que os nossos fiquem impunes. Vamos medindo os erros pela escala das moralidades, pela escala da legalidade, pela escala da mídia que é permitida na televisão, pela escala da língua que pouco se mantém dentro da boca. Enfim, vamos camuflando os nossos erros, vamos dando outros nomes aos nossos erros, tentando convencer aos demais e por fim a nós mesmos que temos apenas pequenos defeitos frente aos que o mundo carrega, pois tem muita gente por aí fazendo pior. Então por que começar por nós? Melhor apontar os males que os outros carregam. Quem tem coragem de dizer que pensa assim?
Essa é a razão de muitos não darem esse primeiro passo. Por que na verdade é preciso admitir um pouco disso tudo, principalmente que precisa mudar a si se a gente quer transformar o coração de alguém. Este passo quebra o que estava cristalizado em nosso íntimo. Ele busca mudanças, embora não saiba ao certo o que quer dizer de tudo isso, afinal, nunca trilhou por esse caminho. Apenas sente que dessa forma não consegue ser feliz nem trazer felicidade pra ninguém. Significa sair da zona de conforto que era manter as mesmas atitudes e os mesmos resultados, sempre negativos. Significa abrir a brecha de uma janela por que ela estava muito travada, enferrujada e sentir que do outro lado tem cor e sentimento, tem cheiro de companheirismo.
Se quebrarmos essas amarras, poderemos conhecer o que nos reserva a sobriedade. E o primeiro dos exercícios nos propõe à maneira como compreendemos do que trata a sobriedade, que não quer dizer apenas abstinência de consumo de substâncias psicoativas, mas da ausência de vícios, manias, pecados capitais. Lembram deles? A preguiça, a ira, a inveja, a luxúria, a gula, a avareza e a mentira. Nos encontramos? Como está a nossa sobriedade diante disso tudo? Onde mora o nosso vício? Melhor não detalhá-los, senão seremos pegos em mais de um, não é?
Agora que já entendemos por que precisamos trabalhar primeiro a nossa sobriedade para depois estar prontos para auxiliar o outro que tanto precisa de nós, vamos abrindo aí um espaço para o nosso coração admitir até que ponto precisamos mudar, até que ponto estamos impregnados desse nosso “defeito”, pra não dizer pecado ou vício. Se isso ainda não basta para vivenciarmos o passo admitir, que tal avaliar o quanto nossas atitudes promovem discussões dentro de casa, desentendimentos no ambiente de trabalho, desrespeito na comunidade, falação, gritarias, palavras de desafeto. Se a gente não começa, certamente colocamos mais lenha na fogueira pra ver a coisa fervendo. Enquanto não deixamos o outro tão mal como estamos, não sossegamos. Tudo poderia ser diferente se soubéssemos agir diferente, se soubéssemos pensar diferente, se realmente quiséssemos e lutássemos para ser diferente.
Essa é a hora, esse é o momento de tomarmos a nossa cruz e assumirmos essa caminhada. O convite está feito. O chamado é para cada um de vocês. Onde está a sua resposta? Vamos. Queremos ouvi-la. Queremos que você deseje este novo projeto de vida. Só não podemos forçá-lo. Você decide quando é o seu momento. Só não se esqueça que enquanto isso, pessoas, amores e sentimentos vão ficando pelo caminho. Enquanto você não se decide o tempo não para, e é você quem vai deixando de viver o que a sua vida lhe reserva de melhor na companhia dos seus. Não fazer nada também é uma opção. É a opção daqueles que não tem coragem. Não fazer nada é negar-se ao direito de viver a plenitude cristã. É não vivenciar o sentido mais profundo do amor dócil e afetuoso, mas exigente e seguro de si. É como estar num barco sem direção. O passo admitir te chama à atenção para esse direcionamento.
O Livro de Provérbios, 23,29-35, hoje nos traz exatamente o questionamento dessas ações que praticamos no dia-a-dia, sem mesmo saber por que as estamos cometendo. “Para que as brigas?”, “Para quem os ferimentos…?” São para aqueles que se drogam. E um recado para os usuários: não fiquem fascinados. Creiam, há uma coisa ainda pior do que a ilusão, que é a desilusão. Curiosamente a droga potencializa sentimentos e atitudes que levam ao declínio, que depredam e lhes distanciam daqueles que mais amam por que passam a olhar só para o próprio prazer, isso passa a ser tudo o que importa.
Por quanto sofrimento você precisará passar até que entenda que a única forma de você mudar tudo isso é mudando a você mesmo? Muitos ressaltam: “Mas eu não consigo, por mais que eu queira”. Não consegue por que não persiste. Não persiste por que você não permite que Deus alimente seu coração. Resistir às tentações não é fácil. Se não nos apegarmos a algo que realmente faça sentido à nossa vida, não temos condições de seguir adiante. Para que isso aconteça é preciso primeiro que se queira seguir um novo caminho e para isso também é preciso conhecer pelo menos um pouco desse caminho. Ninguém vai tatear às cegas por percursos de que nunca ouviu falar.
O conhecimento da prática a respeito das substâncias psicoativas também tem a sua importância. Não temos como nos protegermos ou como lutarmos contra o inimigo dos vícios se não conhecemos as armas que vamos usar contra ela e também se não conhecermos a fundo como esse inimigo se nos apresenta e com que vestes poderá nos seduzir. O beber socialmente que vemos nos dias de hoje é uma expressão criada para minimizar e para fazer adentrar em nossas casas essa possibilidade de consumir sem condenações. Mas, alertamos: qual a importância de ter em nosso lar um espaço reservado para bebidas, com o requinte de um móvel bem delineado, à espera de alguém a quem possamos apresentar e oferecer como se fosse um altar de adoração? Acaso temos um santuário em nossa casa e apresentamos aos nossos visitantes, lembrando sempre que são bem-vindos e convidamo-lo a partilhar das orações como sendo esta a melhor das ofertas da nossa casa?
Conseguem perceber a diferença com que tratamos e aceitamos a questão das bebidas dentro da própria casa? A nossa educação está voltada para o consumo permitido, mas é esse consumo que muitas vezes leva nossos filhos a pensar que isso é comum, quando não é comum ver orações e práticas religiosas. Conseguem captar como aceitamos como simples situações, que depois podem se transformar numa bola de neve, sem que possamos dar conta? É possível entender onde precisamos começar a mudar? Quando mudamos as pequenas atitudes, as grandes perdem forças e nos tornamos mais resistentes. Então comecemos pelos pequenos hábitos, pelos pequenos vícios, e em lugar deles coloquemos hábitos saudáveis e pensamentos que venham a se tornar benefícios conjuntos, que produzam o bem a nós e aos outros.
Como havia dito antes, o passo admitir vem desmoronar aquilo que havíamos montado e que já estava pronto por anos de nossa vida. Romper com tudo isso é dizer para si que outro tipo de vida é possível, não se desvalorizando, mas desprezando as práticas de até então. É abrir espaço para ser um homem novo. É transformar a sua vivência em algo possivelmente mais leve e mais alegre. Aos olhos de Deus, teremos sempre chance para nos renovarmos.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau