Renascer não é uma opção de sofrimento, mas uma prática de salvação – Psicóloga Malena Andrade

Este texto de hoje traz sobre a importância de mais um passo da sobriedade. Nesta semana estamos refletindo sobre o RENASCER e as condições necessárias para que isso venha a acontecer. Curiosamente, as palavras do evangelho se apresentam de forma atual e vem aprofundar em nós um quesito importante que é o de se alimentar dessa espiritualidade como uma possibilidade marcante, sustentada pela fé. Em At 16,23-34, a questão do renascimento se pauta na prática libertadora de Jesus, que O levou à paixão, morte e ressurreição. Tudo o que Ele sofreu, o flagelo, a coroa de espinhos, a humilhação, a calúnia, a perseguição e a cruz foi uma condição para nos salvar e nos libertar. Assim também acontece com seus seguidores, como cita a leitura quando coloca a prisão de Paulo e Silas, mas abordando a libertação também do carcereiro

O martírio não vem como opção de sofrimento, mas como prática da salvação. Escolher os caminhos do Senhor requer esforço e coragem. Quem os escolhe abre os braços para a humanidade e oferta amor. Estas ações nos deixam fortes e confiantes para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia. Aceitar Jesus compreende deixar de olhar apenas para si, para enxergar a necessidade do outro e ampará-lo naquilo que é possível. Em algumas situações terminamos sofrendo por essa opção, mas passa a ser algo que fazemos com alegria, pois sabemos que estamos promovendo o bem a alguém.

Diferentemente das escolhas de um dependente, que opta pelo sofrimento e pela morte porque está apenas voltado para si. O dependente não reconhece que uma vez abraçando as drogas, em razão de prazeres momentâneos, está confinando seu corpo e consequentemente seu espírito ao mais profundo dos abismos. Neste caso, a morte passa a ser uma prisão pessoal. Além disso, afasta aqueles a quem ama, levando-os a um calvário de dor e amargura. Passa a ser um objeto de lucro para o tráfico. Ele está tão perdido dentro do seu próprio ego que torna-se normal fazer chantagens emocionais, arrancar a alegria, romper com a harmonia, promover a insegurança justamente daqueles a quem mais ama, que é a sua família.

A resposta para essa dependência é a ressurreição. É sair da paixão e morte e chegar à libertação das prisões que o vício lhe trancafiou. A ressurreição é tomada de consciência. A ressurreição é assumir a vivência dos passos da sobriedade. É ADMITIR, CONFIAR e se ENTREGAR a uma nova condição de vida. É ARREPENDER-SE verdadeiramente e CONFESSAR para poder RENASCER como criatura nova no Espírito Santo.

Se prestarmos atenção à leitura de Atos dos Apóstolos, vamos perceber que Paulo e Silas passaram por açoites porque abraçaram a causa de Jesus libertador e seguros daquela opção, sofreram flagelos, mas em nenhum momento se sentiram ameaçados em sua fé. Pelo contrário, passaram a rezar e a cantar hinos, confirmando a sua escolha, levados pelo bem maior. E esta prática foi ouvida pelos demais. Esta prática confortou o coração dos outros que também estavam detidos, tocou o coração do carcereiro, trabalhou a conversão daqueles que de alguma forma se sentiam oprimidos e fechados em seu próprio egoísmo. Nem a dor, nem o cansaço, nem a fome ou as feridas dos açoites comprometeu o louvor a Deus naquele momento, e isso foi percebido pelos demais, pois não estavam acostumados com aquelas palavras que tocavam o coração.

É essa voz que falta às famílias para que sejam tocadas. Quem tem um dependente em casa deve procurar ajuda e começar a se preparar para trazer o seu familiar de volta. Os familiares precisam assumir essa prática de persistência para com os seus dependentes. Os familiares jamais devem desistir na construção de uma vida nova para os seus. Os familiares devem rezar pela conversão dos seus dependentes e acreditar que eles serão tocados pela consciência de que precisam mudar de vida. Precisa ser uma prática firme, de amor, de tolerância, de firmeza, de insistência e de oração constante.

É essa voz que falta aos dependentes para que se percebam chamados pelo Senhor. Como o carcereiro, que se comportava como pessoa livre e era justamente ele que precisava se libertar, assim são os dependentes de todos os vícios e pecados, que acreditam viver a liberdade e abusam da própria saúde, e não se dão conta de que são prisioneiros do tráfico, do submundo e que vivem como fantoches para manter o luxo daqueles que não dão valor a sua vida. A covardia do carcereiro é tão grande para consigo mesmo, que temendo assumir a fuga dos detentos resolve se matar com a espada. Esta comparação se enquadra muito bem, ao identificarmos o dependente em seu estágio mais severo, quando ele já não quer mais viver, quando ele se entrega totalmente ao vício e abre mão inclusive daquilo que ele chamava de liberdade.

Ele precisa de uma voz sincera, que possa repercutir em seu coração, que venha a dizer: NÃO TE FAÇAS MAL! NÃO TE MACHUQUES! NÃO TE DESTRUAS! Ele precisa ouvir essa voz e caminhar em sua direção. Assim como o carcereiro que desejou a mudança, deve perguntar-se: o que devo fazer para ser salvo? Pois além da doença, sente-se acovardado em comprometer-se com as responsabilidades de seus atos, já que optar por essa falsa liberdade lhe trouxe tantas infelicidades. Tem medo de assumir novas escolhas. Sabe que para fazer isso precisará deixar de ser aquilo que era; pôr um ponto final, de certa forma morrer para renascer.

O terremoto que aconteceu na prisão, abrindo todas as celas vem a ser o sinal da intervenção de Deus que liberta os oprimidos. Este acontecimento fez com que o carcereiro reconhecesse que agiu mal. Não porque estava ali cumprindo uma obrigação; mas que obrigação era essa que amputa a vida sua e daqueles que só falavam de amor? Retomando rapidamente aos dias de hoje, que liberdade é essa que nos aprisiona e ainda corrói a estrutura familiar? Que precisamos viver? Já não basta a degradação que aparece na mídia com as campanhas antidrogas? Não basta o caos que se encontra a nossa sociedade, pelos roubos em função do consumo de entorpecentes? Não bastam as mães chorando por seus filhos que não vão mais voltar?

As grades estão abertas. Quantos programas de atendimento existem para o tratamento da dependência química? Existem inúmeras formas de tratamento. Existem centros de acolhimento, grupos de apoio e auto-ajuda, comunidades terapêuticas. Existem tratamentos medicamentosos e terapia. Falta alguém dizer o primeiro SIM à vida. Não importa se é familiar ou dependente. Alguém tem que dar o primeiro passo e buscar informação e começar a assumir a parte que lhe cabe.

O passo RENASCER é um processo, não uma ação que podemos fazer hoje e amanhã não vamos mais fazer. É um acontecimento que se dá quando nos entregamos plenamente ao projeto de Cristo. Jesus quer fazer conosco o mesmo que fez com Paulo e Silas. Ele não quer que vivamos em função de alegrias momentâneas que satisfaçam só a nós mesmos, mas semeia em nós o amor que pode ser compartilhado por todos, pela alegria de conseguir alcançar o coração daqueles que precisam de conversão. RENASCER é ter fé. É entregar-se para o compromisso total com Jesus, que exige transformação profunda.

 O Programa de Vida Nova exige que nós venhamos renascer do alto. Ter fé em Jesus não é só admirar o que ele diz e faz. Significa ser persistente e mesmo no sofrimento não desistir, não fraquejar. Isso não quer dizer que não vamos sofrer ou chorar, mas é preciso compreender que quando fazemos uma opção, se ela não for consistente, não poderemos vivê-la com alegria, com satisfação. E mesmo que aconteçam as turbulências, encontraremos felicidade ao nos reerguermos novamente. Para isso precisamos reconhecer os sinais que nos mostra a Sua providência. Como posso reconhecer então? Através da oração.

 É pelo exercício da oração que podemos perceber o quanto erramos e o quanto precisamos mudar. Ah!, mas muitas vezes eu não sei o que falar em minhas orações. Ótimo, isso significa que talvez tenha chegado a hora de você ouvir. Que tal fazer um pouco de silencio para que Deus possa te falar? Muitas vezes Deus quer nos falar, mas fazemos muito barulho e muitas vezes fazemos muito barulho porque não queremos escutá-lo. Talvez a princípio a gente sinta um imenso vazio, mas é que não estamos muito acostumados com o sussurro de Deus em nosso coração. Temos portanto nesta semana mais um desafio, que é compreender melhor o que Deus quer de nós, através da prática constante da oração, e que possamos compreender e exercitar o renascimento pela conversão.

Texto: Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau
Imagens: Pe. Raul Kestring