Essa é a última, apaixonada oração que Jesus dirige ao Pai. Ele sabe que está pedindo a coisa pela qual o Pai mais anseia. Com efeito, Deus criou a humanidade como sua própria família, para compartilhar com ela todo bem, a sua mesma vida divina. O maior sonho dos pais não é que os filhos se queiram bem, ajudando-se, vivendo unidos entre si? E a maior decepção não é ve-los divididos por causa de ciúmes ou interesses econômicos, chegando ao ponto de não se falarem mais? Também Deus sonhou desde toda a eternidade que a sua família estivesse unida na comunhão de amor dos filhos com Ele e dos filhos entre si.
A dramática narrativa bíblica das origens nos fala do pecado e da gradual divisão da família humana: lemos no Gênesis que Adão acusa Eva; Caim mata seu próprio irmão Abel; Lamec se gaba da sua vingança desproporcional [cf. Gn 4,23: “Matei um homem por uma ferida, um jovem por causa de um arranhão”]; Babel gera a incompreensão e a dispersão dos povos… O projeto de Deus parece ter fracassado.
No entanto, Deus não se dá por vencido e continua buscando com persistência a reunificação da própria família. A história recomeça com Noé, com o chamado de Abraão, com a formação do povo eleito; e continua, até quando Ele decide mandar seu próprio Filho à terra, confiando-lhe a grande missão de reunir em uma só família os filhos dispersos, recolher em um só rebanho as ovelhas perdidas, derrubar os muros de separação e as inimizades entre os povos para criar um único povo novo (cf. Ef 2,14-16).
Deus nunca cessa de sonhar com a unidade. Por isso Jesus lhe pede isso como o dom maior que Ele possa implorar para todos nós:
Peço-te, ó Pai, “que todos sejam um.”
Cada família traz a marca dos pais. Isso vale também para a família criada por Deus. Deus é Amor, não somente porque ama a sua criatura, mas é Amor em si mesmo, na reciprocidade do dom e da comunhão que existe entre cada uma das três divinas Pessoas na relação com as outras duas.
E quando Deus criou a humanidade, Ele a modelou segundo a sua imagem e semelhança e imprimiu nela a sua própria capacidade de relação, para que cada pessoa vivesse na doação mútua de si.
De fato, a frase completa da oração de Jesus que queremos viver este mês diz: “Que todos sejam um; como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti, que eles estejam em nós.”
O modelo da nossa unidade é nada mais nada menos que a unidade existente entre o Pai e Jesus. Parece impossível, de tão profunda que é. No entanto ela se torna possível por causa daquele como, que significa também porque: podemos ser unidos como são unidos o Pai e Jesus, justamente porque Eles nos envolvem na mesma unidade Deles, porque Eles nos doam essa unidade.
“Que todos sejam um.”
É justamente essa a obra de Jesus: fazer de todos nós uma só coisa, uma só família, um só povo, assim como Ele é uma só coisa com o Pai. Por isso Ele se fez um de nós, assumiu sobre si as nossas divisões e os nossos pecados, pregando-os na cruz.
Ele mesmo indicou o caminho que haveria de percorrer para levar-nos à unidade: “E quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Como profetizou o sumo sacerdote, “Jesus iria morrer (…) para reunir os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52). No seu mistério de morte e ressurreição, recapitulou tudo em si (cf. Ef 1,10), restaurou a unidade rompida pelo pecado, reconstituiu a família ao redor do Pai e nos fez novamente irmãos e irmãs entre nós.
Jesus cumpriu a sua missão. Agora falta a nossa parte, a nossa adesão, o nosso “sim” à sua oração:
“Que todos sejam um.”
Qual é a nossa contribuição à realização dessa oração?
Para começar, é assumi-la como nossa. Podemos emprestar a Jesus os lábios e o coração, para que Ele continue a dirigir essas palavras ao Pai. E repetir todo dia confiantes a sua oração. A unidade é um dom do alto, que devemos pedir com fé, sem nos cansarmos jamais.
Além disso, ela deve permanecer constantemente à frente dos nossos pensamentos e desejos. Se é esse o sonho de Deus, queremos que seja também o nosso sonho. De vez em quando, antes de qualquer decisão, de qualquer escolha, de qualquer ação, poderíamos nos perguntar: ela serve para construir a unidade? É a melhor opção em vista da unidade?
E enfim, deveríamos correr para os lugares onde a desunião é mais evidente, e abraçá-la, como fez Jesus. Podem ser atritos na família ou entre pessoas que conhecemos, tensões que se vivem no nosso bairro, desavenças no ambiente de trabalho, na paróquia, entre as Igrejas. Não fugir das discórdias e incompreensões, não ficar indiferentes, mas levar o próprio amor, feito de escuta, de atenção ao outro, de partilha dessa dor que nasce daquela divisão.
E sobretudo viver em unidade com todos os que estão dispostos a partilhar o ideal de Jesus e a sua oração, sem dar peso a mal-entendidos ou a divergências de ideias. Satisfazer-nos com o “menos perfeito em unidade” em vez de pretender “o mais perfeito em desunião”, aceitando com alegria as diferenças, ou melhor, considerando-as uma riqueza para a unidade, uma unidade que não deve jamais ser reduzida à uniformidade.
É verdade que às vezes isso nos crucificará, mas é justamente esse o caminho que Jesus escolheu para restaurar a unidade da família humana, o caminho que também nós queremos trilhar com Ele.
Fabio Ciardi
(Cf. também o comentário à Palavra de Vida de janeiro de 1990)