Por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, arcebispo de Oviedo
Apresentamos a meditação escrita por Dom Jesús Sanz Montes, OFM, arcebispo de Oviedo, administrador apostólico de Huesca e Jaca, sobre o Evangelho deste domingo (Lc 10,25-37), 15º do Tempo Comum.
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Neste domingo, a Igreja nos proclama uma das passagens evangélicas que Charles Péguy qualificava de “descaradas”, porque parece que Deus perde a vergonha ao nos mostrar seu coração. De mestre a mestre, um letrado vai até Jesus, não para aprender d’Ele, mas “para pôr Jesus em dificuldade”. Um falso interesse veio desvelar sua mais crassa ignorância: “Quem é o meu próximo?”. Então Jesus contará a comovente parábola do bom samaritano.
Há um homem ferido, meio morto depois de ser espancado por assaltantes. Sobre esse cruel cenário vão passando diferentes personagens, manifestando a qualidade do seu amor, a caridade do seu coração. Neste exemplo de Jesus, ficou bem claro até que ponto a “lei pode matar”, como há cumprimentos que são apenas torpes evasões: cumpro e minto.
O último personagem diante do cenário comum será um samaritano, alguém que não entende de leis nem de distinções. Ele vê um pobre maltratado e… não sabe mais. Alguém que certamente jamais havia pensado em que fazer para herdar a vida eterna, mas que seria o único dos atores que tinha entendido a Lei.
Observemos os verbos empregados: chegou perto dele, viu, sentiu compaixão, aproximou-se, fez curativos, colocou o homem em seu próprio animal, levou-o a uma pensão, cuidou dele, pagou os gastos… Estes verbos não lembram as atitudes do pai da parábola do filho pródigo? Estando ainda longe, seu pai o vê, sente compaixão, corre até ele, abraça-o, beija-o efusivamente e faz uma festa em sua homenagem.
Aquele samaritano foi para seu irmão próximo o que esse pai para seu filho pródigo. Nós, conhecedores da revelação da misericórdia que nos foi manifestada em Jesus Cristo, podemos correr o risco de não entender nada do cristianismo se, ao perguntar-nos legitimamente sobre o que fazer para entrar no céu, nós o fizermos evadindo-nos da terra, da dor de Deus que Ele quer sofrer em tantos dos seus filhos pobres, doentes, marginalizados, torturados, expatriados, assassinados, silenciados…
Ser cristão é ter o coração de Deus, isto é, viver com misericórdia. Ser próximo, para o cristão, é praticar a misericórdia com cada pessoa que está perto, seja quem for. E o que Jesus acrescentou naquele tempo, hoje repete a nós: vai e faze a mesma coisa.
ZENIT, 09/08/2010