Palavra: Mt 26,36-41:
36. “Então Jesus foi com ele a um lugar chamado Getsêmani. E disse aos discípulos: ‘Sentem-se aqui, enquanto eu vou até ali para rezar.’
37. Jesus levou consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, e começou a ficar triste e angustiado.
38. Então disse a eles: ‘Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem comigo.’
39. Jesus foi um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto por terra, e rezou: ‘Meu Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice. Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres.’
40. Voltando para junto dos discípulos, Jesus encontrou-os dormindo. Disse a Pedro: ‘Como assim? Vocês não puderam vigiar nem sequer uma hora comigo?
41. Vigiem e rezem, para não caírem na tentação, porque o espírito está pronto, mas a carne é fraca.’”
Estamos completando a nona semana de Caminhada de Vida e hoje trazemos à reflexão um momento de atenção, de escuta e de vigília. Sabemos que estamos vivendo um tempo que aspira cuidados, que requer de nós novos fazeres, pois o nosso comportamento anterior não nos trouxe resultados tão satisfatórios. Podemos dizer também que o que o outro nos fez trouxe vivências amargas para a nossa vida, assim fica mais fácil de falar do sofrimento, quando é o outro quem causa. Mas enfim, estamos nos preparando para um tempo final, para a conclusão da nossa Caminhada e somos convidados a sentir como estamos e como chegamos até aqui.
Por cada passo que já demos, provavelmente já pensamos bastante em nossas ações e pudemos nos reconhecer diante delas. Pudemos rever os erros e porque o cometemos. Pudemos da mesma forma, procurar nos distanciar e não mais repeti-los. Mas, focar apenas no erro não nos leva a não cometermos outros. O que pretendemos com essa Caminhada é aceitar o fato de que assim como as pessoas cometem erros, nós também nos enganamos redondamente e por esta razão devemos retomar a nossa vida, para que fazendo o caminho de volta, avaliemos as situações e entendamos onde é que devemos mudar. Não apenas deixar de repetir os mesmos erros, mas evitar cometer outros.
Conheci uma mãe que durante o tratamento de seu filho, procurou acompanhar os encontros de auto-ajuda sem faltar e nenhum deles e logo que este filho abandonou o tratamento, ela também o fez. Considero que ela também recaiu. Ora, se no momento em que ela mais precisaria de força, de estímulo, de oração para se manter firme quando da fraqueza de seu filho, ela veio a repetir o seu feito. Questiono-me sobre o esforço que num primeiro impulso se apresenta tão cheio de garra e quando se precisa de uma atenção ainda maior, responde-se com uma desistência. O que significa isso? Falta de estrutura? Desinteresse? As pessoas vão e as questões ficam para pensar para que não caiamos, assim com esta mãe pela fraqueza e falta de vigília e oração.
Também conheci uma família que acompanhou o seu dependente durante todo o seu tratamento. Mas, uma vez que ele completou o tratamento, a família não viu mais a necessidade de continuar se instruindo, se informando a respeito de como lidar com a dependência. Me pergunto: Será que esta família está solidificada? Por que será que ela largou tão rápido o seu compromisso quanto a vivenciar com o seu dependente esta nova etapa de vida? E então entendemos porque acontecem as recaídas mesmo depois de um tratamento inteiro, pois todos, inclusive o dependente não vê a hora de não ter que se comprometer consigo próprio.
Os Doze Passos da Sobriedade são intensos e exigem esforço para a mudança. Podemos passar por eles participando das reuniões como meros expectadores, mas em uma hora ou outra eles vão mexer com a gente. Podemos fazer de conta que não estamos nos envolvendo, mas ainda assim vão tocar em algumas feridas. Muitos não concluem a Caminhada porque não suportam enfrentar seus próprios erros, preferem manter-se comodamente apontando o erro do outro. Ainda que fiquemos entre o dever e o desejo de mudança, a prosperidade e a transformação só acontecerão quando estivermos prontos a encará-los com maturidade no coração. Há uma grande diferença entre nos livrarmos do sofrimento dos vícios e ser capaz de mudar a nossa própria vida para livrar a pessoa que amamos do seu vício.
Em consequência, o Passo Admitir aprofunda esse desejo fazendo-nos reconhecer como sujeito atuante nas relações. O Passo Confiar reforça a caminhada de esperança, oferecendo-nos novos instrumentos para seguir em frente. O Passo Entregar reconsidera as fraquezas, mas não nos permite o abandono. O Passo Arrepender-se providencia para que nos deparemos com nossas atitudes mesquinhas. O Passo Confessar propõe uma conversão pautada na humildade. O Passo Renascer recupera o fôlego e permite-nos seguir em frente. O Passo Reparar no leva ao encontro dos nossos erros e nos faz redimir. O Passo Professar a Fé nos faz retomar as nossas crenças e assumi-las. O Passo Orar e Vigiar nos faz compreender que somos falhos e que podemos fraquejar, dependendo de qual força vamos alimentar: o bem ou o mal. O Passo Servir, nos leva em direção ao outro e torna maduro o nosso crescimento. O Passo Celebrar compartilha essa maturidade na presença Divina. O Passo Festejar integra todos os passos, e à medida que comemora o ciclo realizado, convida a experimentar as próximas fases, aderindo este Novo Projeto de Vida.
Todavia, estando na semana em que revemos o Passo Orar e Vigiar, temos a Leitura de Mateus que coloca sobre os sentimentos de Jesus antecedidos pela sua paixão. Ele se angustiava pelo que ia passar e sabia que momentos ruins estavam por acontecer. Quando vivemos o flagelo da dependência química e do álcool dentro de nossa família, também carregamos no peito uma angústia muito dolorosa e sabemos exatamente o que significa, embora não tenhamos certeza do que se passa na íntegra, pois não temos noção de todas as coisas que acontecem com o nosso dependente. Porém, é preciso aceitar a dor deste flagelo, assim como Jesus o acolheu. E mesmo pedindo para que fosse afastada tamanha dor, logo retomou a sua fala dizendo que desejava que fosse completada Nele a vontade do Pai.
Como vamos separar a dor da dependência, da pessoa que amamos? É preciso trazer para si as duas. É preciso assumir esta dor. É preciso admitir que a dependência existe para que seja tratada. Ainda temos muita vergonha de procurar ajuda para os nossos dependentes. Às vezes, é mais fácil acomodar-se quando eles dizem que não precisam de tratamento. O próprio consumo já denuncia o quanto não se quer estar sóbrio. E por que não se quer? Acaso quando estamos felizes não desejamos perdurar este momento? O uso denuncia que algo vai mal. Inicialmente funciona como uma válvula de escape. Que cálice desejam afastar quando trazem para si o uso das substâncias? É aí que entra a família, na partilha deste cálice. Conseguem compreender a metáfora?
Não estou querendo dizer que a família é responsável pela fatalidade que paira em seu seio, mas que este ser, de alguma forma está gritando por socorro, pois não consegue dar conta, não demonstra estrutura emocional pelas coisas que lhe estão acontecendo, onde todo o restante, mesmo com sofrimento, consegue manter-se, senão estruturado emocionalmente, mas pelo menos integrado em seu meio sem mais prejuízos. Pode-se considerar que este indivíduo que se encontra em vício é alguém extremamente sensível ao seu sofrimento, mesmo que em muitas ocasiões seja agressivo.
O termo empatia quer dizer, à grosso modo, colocar-se no lugar do outro, mas ter em mente o seu próprio lugar para que se possa assumir atitudes coerentes, ao invés de atar-se a este emaranhado de sofrimento, que não se sabe ao certo onde se começa, ou quem produz. O principal papel da família neste caso é reconhecer a dependência como doença e que deve ser tratada com seriedade, a começar por todos, pois contagia de muitas formas. Admitir, assumir, responsabilizar-se, acatar, acolher, comprometer-se, abraçar, todas são ações que esta família deverá administrar. E então elas passam a reconhecer que parte do que acontece se dá em razão da ausência destas ações. Como reconhecê-las primeiramente em nós? É preciso muito amor para nos tratar antes do outro. Eis a medida do nosso amor para com este outro.
Estar aberto à recuperação dos vícios também é estar aberto à recuperação da família. Ela é o nosso apoio, o nosso núcleo, a base das nossas relações. Entender a realidade dos fatos e buscar orientações é necessário para se ter uma condição mais estruturada. Orar e vigiar na mesma proporção dá o suporte que falta na questão da interioridade. O nosso espírito precisa igualmente de equilíbrio. Não nos esqueçamos de que também somo três em um: mente, corpo e espírito.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau