Quando professamos a fé, estamos num processo de mudança de vida e de conversão. Estamos vivendo um tempo em que as nossas escolhas nos trouxeram a esta caminhada. E se assim optamos é porque tudo o que tínhamos ou vivíamos não era suficiente, não nos completava, não preenchia a nossa vida. Se estamos juntos esta semana, algo nos trouxe até aqui. Provavelmente, tudo o que foi dito na semana anterior nos fez abrir mais os olhos, nos fez entender que para se alcançar um objetivo é preciso que a gente o faça passo a passo.
A Pastoral da Sobriedade propõe mais que uma sobriedade de substâncias químicas. O programa nos convida a viver uma sobriedade cristã e isso quer dizer que não tratamos aqui apenas dos vícios de substâncias psicoativas, de drogas legais e ilegais. Aqui, o nosso maior desafio é combater também os males que corroem a nossa alma, que comprometem a nossa dignidade, que abalam a nossa espiritualidade, que nos afastam de Deus e nos tornam pessoas cegas e distantes do projeto divino.
Se resolvemos abrir as portas do nosso coração e embarcamos nesse processo de mudança é porque desejamos a conversão e para isso vivemos há sete semanas atrás o primeiro passo. Tivemos a iniciativa de admitir o que nos levava a cair, a recair, e a cair novamente. Mas à frente, adquirimos mais força ao confiar nas promessas do Reino. E na turbulência pudemos entregar nas mãos do Senhor todas as nossas aflições e angústias. Não foi fácil, mas era preciso reconhecer os erros para arrepender-se. Felizmente tivemos a oportunidade de confessar e assim renascer como pessoa nova, preenchidos da graça de Deus. Com firmeza procuramos reparar os erros na medida do possível, pois nem sempre demos conta de corrigir a tudo. Mas para isso, estamos vivenciando mais uma etapa da nossa conversão.
É na continuidade dessa caminhada que vamos sustentando o que realmente queremos, nos certificando onde queremos chegar. Lentamente, somos levados a refletir sobre essa proposta de vida nova, sobre o que devemos fazer para alcançar essa paz no espírito que tanto almejamos. Com certeza, cada vez que nos aproximamos do bem maior, estaremos mais sensíveis às percepções. Seremos capazes de entender com maior facilidade o que nos leva a falhar. Sentiremos quando nos afetarão com maior precisão e o mais importante: com tamanha habilidade, teremos a chance de tomar a decisão certa, porque estaremos entendendo a razão dos fatos. Poderemos julgar em tempo hábil as nossas decisões.
E ainda que venham as tribulações, se estivermos no caminho da sobriedade, seguindo o curso que nos é apresentado, atendendo as orientações e ensinamentos da nossa Igreja bem de perto, sem nos deixar desviar, se mantivermos o compromisso com a nossa fé, na paciência, no amor e na perseverança, aquele que faz a experiência da verdadeira conversão continuará firme, enfrentará o sofrimento e resistirá às recaídas.
O passo de hoje nos move a anunciar, a propagar todo esse movimento que está acontecendo conosco. Muitas pessoas precisam desse anúncio. Muitos vivem por aí sem saber que existe um Caminho, que existe uma solução. Poucos reconhecem que somos os causadores da maioria dos nossos problemas e que podemos mudar a situação, que podemos fazer o caminho de volta. E nós, que já tivemos a oportunidade de encontrar esse caminho, devemos mostrar a todos que é possível. Esse é o momento de falar sobre o Deus que acolhe, que nos dá esperança, o Deus da renovação.
Quando falamos de fé, nunca determinamos sobre a sua intensidade, pois é comum exigirmos mais da nossa fé quando sofremos, e costumeiramente misturamos com o sentimento do sofrer e da dor. Na verdade são duas coisas distintas. O sofrer é um sentimento que nos consome a paz de espírito e que nos adoece. Por isso buscamos alívio na fé, que vem a ser um dom de Deus. É a nossa experiência com Deus que alimenta com mais intensidade ou menos intensidade a fé que vivenciamos. Dependendo do quanto nos aproximamos Dele, vamos sentindo a vivacidade da nossa fé, e se temos percepções diferentes é por que precisamos aprender coisas diferentes. Sendo assim, a fé é um Dom e não uma aquisição.
Nesse contexto, devemos sempre pedir em nossas orações a graça de continuar acreditando, por que quanto mais acreditamos nas coisas de Deus, mais nos aproximamos da sua criação e mais teremos amor à humanidade. Essa é uma fala muito bonita, mas na prática muitos afirmam que é justamente as atitudes dos outros que enfraquecem a nossa fé. Quando éramos mais novos acreditávamos mais, afirmam algumas pessoas. Contudo, a nossa fé não pode se valer apenas das vivências infantis. Quando éramos crianças entendíamos a fé como uma construção própria daquela idade. Porém, precisaremos trazer junto com o nosso desenvolvimento o crescimento da nossa fé, ultrapassando as etapas e avanços da idade, até que se torne uma fé madura, inabalável.
Para tanto, é preciso compreender e aceitar esse crescimento, até que se torne consistente. Se envolvermos a nossa fé às experiências de vidas de outras pessoas, fazendo referência à fragilidade do outro, comparando com a sua fé, é porque precisamos trabalhar para que a nossa crença seja mais fecunda, mais intensa, não baseada no pecado alheio. Se dizemos que a nossa Igreja é santa e pecadora é por que muitos fiéis ainda estão comprometidos com a vaidade, com a arrogância, com a estética, em resumo, com aquilo que é supérfluo. E o pior, corremos o risco de aqui e ali nos tornarmos igual.
O processo de maturidade da nossa fé esbarra na vivência em comunidade e em família. Este vem a ser o momento de construí-la com intensidade, de assegurá-la e apresentá-la pelas atitudes, mas é justamente nessa circunstância que a gente se perde, por que começamos a comparar com a manifestação do modo de ser de cada um. Por esta razão podemos nos sentir reforçados ou fragilizados. Quanto mais seguros de nós mesmos, mais teremos contato com a fragilidade dos outros e é aí que ao invés de fazermos julgamentos, devemos olhar para dentro de nós para não nos submeter a essa fragilidade.
O nosso compromisso de fé é com Deus. E para Ele não adianta nos revestirmos de santidade, vir fazer as obras da Igreja ou estar na missa todas as semanas se não aprimoramos, se não amadurecermos a nossa fé, pois do contrário continuaremos entendendo as coisa como quando éramos crianças e estaremos propícios a agirmos como tal, e sendo egoístas, mesquinhos e em algumas circunstâncias cruéis com aqueles que estão ao nosso lado. Este é o pior testemunho que podemos dar. Contrária a essa situação, a fé propõe fraternidade. Se tivermos que corrigir a atitude de alguém, precisamos ser verdadeiros. Devemos lembrar que a maneira como tratamos nosso irmão, funciona como um termômetro de conversão. Quanto maior a nossa autoridade, maior a nossa capacidade de servir. Devemos nos aprimorar nesse mistério de Deus.