Estamos iniciando mais um passo da caminhada esta semana. E eis que o passo renascer nos traz a boa nova de que somos homens libertos. Somos uma criatura nova, porque vivemos em Cristo e morremos para o pecado. Cada momento que tivemos nessa caminhada nos fez chegar até aqui. Para se renascer é preciso que a gente comece admitindo os males que causamos a nós e aos outros. E só admitimos essas falhas porque confiamos que o Senhor Deus podia nos amparar e dessa forma pudemos entregar todas as nossas dificuldades para seguir em frente. Mas ao pousar nossa cabeça e coração nas mãos do Senhor, reconhecemos que cometemos muitos erros. Então arrependidos e envergonhados, nos prostramos em culpa e humildemente confessamos os nossos pecados. E o nosso Pai, carinhosamente nos acolhe, pois Ele, presente em nós, conhece todo o nosso sofrimento. E por já não estarmos presos às pesadas correntes que nos cercavam e que nos consumiam, nos levavam à morte, hoje fizemos as pazes com Deus. Que alegria! Nossa vida tem um novo sabor!
Quando Jesus veio ao mundo encontrou um sistema social injusto, pecaminoso e imoral. Por conta desse sistema foi condenado à morte, mas não foi vencido. Sua ressurreição vem mostrar ao mundo que Ele é eterno e sendo assim, Ele nos renova a cada dia para que não percamos as esperanças de vivermos livres do pecado. Ele se faz luz para o nosso caminho, Ele se faz Palavra para que ouçamos, Ele se personifica na pessoa do pobre, do dependente, do flagelado para que tenhamos a oportunidade de reconhecê-lo em vestes humildes, Ele se faz fraco para que sejamos ainda menores que o fraco e venha auxiliá-lo em sua necessidade. Ele se faz belo perante a natureza para que possamos admirá-lo e respeitá-lo, conservando a sua existência. Ele se faz urgente diante do detento, do aidético, da prostituta, para que alcancemos seus corações sedentos de razão de viver e possamos evangelizar.
Através de Seu Filho, O Senhor Deus nos dá condições de renovarmo-nos diariamente. Contudo, jamais conseguiremos ser pessoas novas e velhas ao mesmo tempo. Só teremos como nos renovar se abrirmos mão de quem éramos. Não há como ficar em cima do muro. Não há como viver essa transformação se nada mudou em nós. Esse é um alerta para todos os que se encontram nessa ocasião de estar trilhando um novo caminho que lhe parece belo, que lhe traz felicidade por estar reunido, em harmonia com os seus, mas não quer se empenhar, se comprometer com as necessidades que lhe surgem.
Estreitar a relação com Deus, também quer dizer estreitar a relação com as coisas de Deus. Estarão incutidos os atos, os pensamentos, as palavras, os comportamentos, as orações, os preconceitos, a caridade, o voluntariado, e assim sucessivamente. Está em questão toda a nossa maneira de ser, de se relacionar e de pensar. O respeito, a consideração, a empatia, a benevolência, serão os novos instrumentos para trabalharmos essa renovação. Uma vez que fizemos este caminho de sobriedade que nos leva a refletir quem somos e o que queremos, só nos resta segui-lo intensamente ou abandoná-lo, porque as duas coisas ficarão impossíveis de acontecer.
Então somos convidados a fazer a escolha dessa nova dimensão, antes imperceptível porque a nossa conduta não permitia que conhecêssemos outros hábitos que nos fariam mais felizes. Não nos era possível reconhecer no Cristo essa nova maneira de enxergar as coisas e pessoas, pois na realidade anterior olhávamos tanto para nós mesmos que cegávamos e já não víamos mais ninguém, nem mesmo a nós. Chegávamos a ficar desmotivados, sem interesse de trabalhar, de estar ao lado da família, que dirá de ir em auxílio de alguma pessoa.
Muitas dessas sensações acontecem com pessoas que entram em depressão. Elas já não sentem interesse por nada, pois parecem estar no fundo de um poço e sem forças para erguerem-se. Tenham a certeza de que alguma dor a fez chegar até ali. E esta mesma dor produz meios para mantê-la. A doença vai se agravando, o desânimo vai aumentando, a medicação vai deixando-a adormecida, mas onde buscar estímulo para retomar a sua vida? O tratamento é muito importante, mas da mesma forma é importante que cada um faça o esforço para a sua melhora, que encontre dentro das suas condições os valores que a vão motivá-la, erguê-la de novo. Assim também se faz quando a nossa consciência resolve atender ao chamado de Deus. Podemos sublimar a vida, reconhecendo na sobriedade seus encantos, expurgando as impurezas, sem artifícios, sem sensações indefinidas. É possível acolher os encantos da vida quando nos valemos da simplicidade das coisas.
O que há de inquietante em acordar, se preparar em oração para os desafios da vida, lavar-se com água purificada, limpa, ajudar o companheiro ou a companheira a preparar o café dos filhos, partilhar esse café, ainda que seja rapidinho, ir trabalhar, espalhar sorrisos, procurar colocar amor em todos os afazeres, e ao fim do dia, retornar para o seu lar, restaurar-se com um banho desejado depois de um dia de calor e poeira, vestir aquela roupa leve de tão amaciada pelo uso e reencontrar essa família com gato, cachorro, gritos de crianças saudáveis, chamá-las à concentração para a oração e para a refeição, convidá-las a assumir responsabilidades possíveis depois do jantar, tarefas escolares, auxílio na cozinha e depois abrir espaço para a conversa, a reunião de grupo familiar, as brincadeiras ou jogos e finalmente, entregar-se à sua cama com a sensação de dever cumprido?
Mas, ao contrário, o que geralmente acontece é que porque fomos dormir tarde, acordamos atrasados, às vezes não dá tempo para o banho, nos irritamos por que se queremos um café temos que preparar, daí saímos em jejum. Oração que é importante, nem consta mais da nossa manhã. Aí acontece atraso por engarrafamento, trabalho que não rende, mal elaborado, almoço que não cai bem porque o estômago está vazio. A volta para casa é desgastante e cansativa, e então não é difícil imaginar o restante da noite: ao chegar nos prostramos no sofá só um pouquinho pra descansar ainda empoeirados da rua. E acordados com a gritaria das crianças surge uma nova irritação, vamos ao banho e depois preparamos uma comida rápida de qualquer jeito, pois tem as novelas ou jogo para acompanhar, afinal tivemos um dia difícil e merecemos recompensa.
Abro um espaço aqui para dizer que esta recompensa nada mais é do que, o que faltava para distanciarmo-nos ainda mais do nosso mundo familiar, envolto em histórias que nos fazem remeter a outra vida que não a nossa, ou no mínimo deixarmos pra depois ou pra nunca mais o que era preciso que fizéssemos neste dia. Ao final de tudo isso, em silêncio, nosso interior já começa a pensar no dia terrível que será o seguinte e sentimo-nos insatisfeitos. Perdemos o sono e a tranqüilidade e só vamos dormir pela madrugada.
Olha se seus dias estão assim, comece a repensar, porque não é só o dependente que terá um colapso com o uso de substâncias psicoativas, não. Lembre-se que precisamos renascer a cada dia. O que anda faltando na nossa vida? Façamos uma avaliação. Se Cristo diz: “aquele que me recebe, se transforma”, então é porque Ele nos ensina a enxergar. Se acolhemos a vontade de Deus, somos guiados de forma ativa. Isso quer dizer que não vamos ficar estacados ao sol e ao vento. Teremos Sua orientação através das orações, através da nossa vivência comunitária no templo, Sua Casa, através da nossa confissão frente aos nossos erros, que se farão existir, pois somos ainda teimosos, repetimos muitos deles, temos muito que aprender. Mas as nossas atitudes são demandadas por nós e temos que prestar muita atenção se vamos agir com alguém ou contra alguém, percebem a diferença?
Quando a gente se coloca no lugar do outro é possível entender que se não vivemos exatamente dessa forma, ou se já passamos por isso, outras pessoas ainda passam e vivem estes dilemas, não se encontram, pois não ouvem Deus a lhe chamar, não entendem que Ele se faz presente em nossa vida de alguma maneira para que a gente compreenda que temos novas chances. Muitos acreditam apenas em grandes milagres, quando estes vivem acontecendo aos montes no dia-a-dia em pequenas quantidades, mas não deixam de ser grandes. Contudo, só se dá conta quem renasce no espírito, quem deseja estar aberto às coisas de Deus.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau