A natureza do arrependimento remonta a esperança de retomarmos o lugar de outrora. Antes de começarmos esta caminhada de sobriedade, nos encontrávamos vivendo um estado de insatisfação tão intenso que resolvemos abrir espaço para dar uma oportunidade a nós mesmos. Logo no primeiro passo, admitimos que também fomos coniventes com determinadas situações que nos afligiam. Aceitamos a ideia de que, se precisamos ver as coisas mudadas, então devemos reconhecer as nossas falhas e tentar recomeçar, nos valendo de outros recursos, que não os de sempre.
Num primeiro impulso estivemos contagiados pela euforia das novas possibilidades e ao nos depararmos com a problemática cotidiana, com os reveses do dia-a-dia, sentimos uma dissonância sobreposta às nossas energias, que à princípio parecia apresentar-se muito bem. O cair em si se deu quando pudemos tomar consciência de que não somos imbatíveis, que as nossas forças se acabam rapidinho, que não temos energia suficiente para lidar com as situações em que somos parte delas. E só pudemos compreender humildemente este lugar quando confiamos na proposta que o Senhor Deus nos apresenta. Colocarmo-nos em suas mãos foi a primeira parada para assentar a poeira do movimento que vínhamos fazendo.
Aquilo que desejamos mudar em nossa vida e na vida daqueles com quem convivemos também tem que ter o dedo de Deus. Não adianta objetivarmos algo apenas para nos satisfazer, se não tivermos um norte, um referencial. Os nossos projetos devem ser colocados nas mãos de Deus para que sejam abençoados e para que tenhamos força suficiente para dar continuidade a nossa meta. Não estamos livres das dificuldades nem dos transtornos que possam acontecer nesta caminhada. E foi entregando o nosso momento que pudemos vencer novos desafios, foi partilhando com Deus as dores e alegrias que pudemos avançar com sobriedade mais um passo.
O esforço que fazemos hoje para vivenciar o passo arrepender-se requer que tenhamos uma maneira especial de se posicionar diante da consequência de termos mudado a nossa forma de pensar e de compreender as atitudes que vínhamos realizando. Isso quer dizer que a caminhada que fazemos sugere passarmos por um processo de mudança, como se fosse um aprendizado, onde a cada nova aula somos convidados a adquirir a experiência de uma nova lição, ou ainda reaprender, reinterpretar o entendimento daquilo que imaginávamos que sabíamos apenas teoricamente, mas que ao passar pela prática não obtivemos sucesso.
É exatamente no insucesso das nossas atitudes que devemos parar para verificar onde podemos nos colocar como pessoas atuantes. A nossa maneira de agir com o outro atropelou a forma de criar, a forma de se relacionar, a forma de se dar, e arruinou a convivência do dia-a-dia. O que fizemos para combater? Onde contribuímos? Essa avaliação de si mesmo deve ser lida por uma lente positiva, sem culpa, pois geralmente quando erramos é porque estávamos tentando acertar. Portanto, “abandonar o pecado” ou “evitar a punição” são traços pelos quais estamos habituados a pensar, vindo a ter uma compreensão negativa da expressão do arrependimento, como aquilo que não deveria ser feito ou que deveria ser evitado.
O arrependimento está propriamente ligado a um estado de ser, ao que se deve ser a partir deste momento e para sempre, colocado em prática e não apenas voltado à prática do deveria e do não deveria. O arrependimento produz frutos que evidenciam uma transformação a princípio na maneira de desejar viver bem consigo e com os outros. Deus não exige que nós nos voltemos com exclusividade aos ritos ou profissões de fé, mas que nossas atitudes sejam resultados da mudança de mentalidade através da ressignificação da fé. Estamos contidos nos planos de Deus. E embora não conheçamos completamente que acontecimentos surgirão, que meios serão empregados para que possamos estar prontos para acolher Seu Reino em nós, devemos estar pelo menos convictos de que Deus não nos desatará, ou seja, estaremos sempre ligados ao Seu plano. Cabe-nos se deixar preencher de uma nova mentalidade, de uma nova visão de mundo, mais ampla que o nosso mundinho habitual e egoísta e adotar como prioridade o arrependimento.
Somos convocados ao trabalho e reconstrução da justiça social, à integridade, ao respeito às diferenças, à implantação do exercício cristão em todo tempo e lugar pela postura altruísta, pelo acolhimento dos excluídos, pela inclusão daqueles que vivem à margem, pela misericórdia e perseverança da igualdade de aceitação das raças, das religiões, das gerações. Arrepender-se é mudar o mundo, é retratar uma nova realidade a partir do tratamento da nossa mediocridade, que revê o nosso modo de pensar sobre as pessoas e consequentemente nossa comunidade.
O ser humano é por natureza um ser muito inquieto, que anseia por resultados rápidos e não se atém ao processo que é o que simboliza o verdadeiro milagre. Cada desafio que nos empenhamos em concretizar traz para nós a possibilidade de alterar diversos aspectos da nossa vida e contribui para modificar formas de pensar que estavam muitas vezes creditadas como a medida correta de agir, mas tudo tem suas consequências, então será que esta não é a hora de criarmos um ambiente novo, acolhedor dentro do nosso próprio coração?
O genuíno propósito do arrependimento consiste numa conversão inscrita como prioridade pelo Reino de sermos capazes de assimilar e acolher com amor, porque está ao alcance de todos, desde que abandonemos o egoísmo, que amemos o inimigo, que pensa e age diferente de nós, que não merece nosso abraço nem um lugar à nossa mesa.
Com a aproximação do Natal, podemos então procurar deixar um lugar vazio em nossa mesa. Talvez nos bata à porta inesperadamente alguns desses inimigos que tanto precisamos amar. E ainda que ninguém apareça, que esta cadeira fique vazia para nos lembrar o quanto precisamos nos arrepender, o quanto precisamos mudar, o quanto precisamos reavaliar nossa postura cristã.
Que Deus nos cubra de graça e de novas esperanças, e que mereçamos o Seu Reino para sempre.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau