Quem busca a Pastoral da Sobriedade certamente está em apuros, tentando encontrar uma solução para a sua vida ou para a vida de alguém que ama muito. Cada um que aqui se abriga tem uma história dolorosa para contar. Esta Pastoral surgiu pela necessidade de acolher as pessoas que sofrem com o mal das drogas, e por consequência, motivar a sua transformação através de uma nova escolha de vida. Sabemos que as drogas rompem com qualquer tipo de união, com qualquer vínculo de responsabilidade e compromisso com a pessoa do outro.
Na história da humanidade, a dependência com substâncias psicoativas sempre existiu, a começar pelo álcool. Nesse contexto, aconteciam casos isolados de pessoas que se deixavam morrer nessas condições. A área psiquiátrica posteriormente assumiu a responsabilidade do cuidado das doenças mentais que eram acarretadas pelo consumo excessivo de tais substâncias. Porém, nos últimos anos a situação se agravou de tal forma que foi preciso criar uma rede de cuidados ainda maiores.
A sociedade perde profissionais com esse agravamento, a saúde tem gastos exorbitantes com medicação e benefícios com dependentes de álcool e drogas. Mas são as famílias quem mais sofrem com essa problemática, pois elas se desestruturam completamente e perdem a sua identidade. É certo que quem consome drogas irregulares burlam as leis, desrespeitam os limites de cidadania, comprometem outras pessoas, levando-os a andar na irregularidade. Essa falta de limites tem a ver com a educação que receberam. Infelizmente as nossas famílias estão colocando as suas responsabilidades nas mãos de terceiros.
Há tempos atrás era a família quem ensinava seus filhos a ler e a escrever. A criança ia para a escola já alfabetizada. Hoje vemos nas escolas professores e educadores auxiliares orientando as crianças a escovar os dentes após as refeições para que criem o hábito. Na catequese, é o catequista quem dá a primeira orientação religiosa, pois as crianças chegam sem conhecer nenhuma oração. Sequer sabem fazer o sinal da cruz. É possível perceber que os valores familiares não são mais os mesmos. E aí a gente se pergunta: no que se transformaram?
Acaso a família esqueceu-se do seu bem maior que são os filhos? O que colocou no lugar da criação, da dedicação, do ensino moral, religioso, de cidadania? Justificar essa falta de zelo pelo corre-corre do dia-a-dia significa jogar fora esse laço que tem a função de estruturar o ser humano para o resto da vida. Se nossos filhos crescem à revelia, como respeitar as regras sociais? Como vão considerar os anciãos que estão dentro e fora de casa? Como vão criar os filhos no futuro?
Se um filho cresce sem rédeas, com a autoridade entre pais e filhos invertida, adquirindo sempre tudo o que deseja, ou contrário a isso, sendo rejeitado em seu lar, sem o mínimo de carinho por parte de seus genitores, criado com distanciamento, é obvio que ele vai apresentar uma consequência a tudo o que lhe foi dado, de bom e de ruim. Escuto muitos pais dizerem: não vou criar o meu filho como fui criado. Geralmente estes pais tendem a pecar pelo excesso.
Os pais que procuram dar uma educação diferente da que receberam, mesmo tendo motivos concretos para isso, seja porque faltou carinho, afeto, compreensão, deve ter muito cuidado em não extremar. Todo excesso faz mal. Se se impede que uma criança sofra as consequências dos seus atos, posteriormente, quando adulto terá medo de enfrentar as situações e consequentemente, não saberá lidar com suas escolhas. Se a tudo lhe cede, nunca conseguirá aceitar um “não” como resposta. Quererá sempre satisfazer as próprias vontades, não importando a pessoa do outro.
Muitos pais carregam um sentimento de culpa porque precisam trabalhar e dar conta do sustento e não podem cuidar desse filho como gostariam. É importante compreender que o que importa é que o tempo que tenha com o seu filho tenha boa qualidade. Mesmo pais que trabalham têm folgas. Mesmo pais que trabalham e estudam tem os finais de semana. Mesmo pais que trabalham, estudam e tem todo o serviço de casa para fazer, estarão em casa, e esse é o momento em que a qualidade daquilo que se dá ultrapassa a quantidade de tempo que se vive ausente. Estes pais devem tomar muito cuidado em não permitir que se faça tudo que o filho quer só para compensar o tempo ausente.
Recebi há muito tempo uma mensagem intitulada “Os 21 recados do seu filho”, que dizia:
1 – Não me estraguem. Sei perfeitamente que não devo ter tudo que peço. Estou apenas testando vocês.
2 – Não tenham medo de ser firmes comigo. Prefiro assim para me sentir mais seguro amanhã.
3 – Não me deixem adquirir maus hábitos. Tenho de contar com vocês para eliminá-los, desde as primeiras vezes.
4 – Não me façam sentir menor do que eu sou. Isto só fará com que me comporte como grande e ridículo.
5 – Não me corrijam com aspereza diante dos outros. A repreensão será mais proveitosa se feita calmamente, em particular.
6 – Não me façam sentir que minhas faltas são pecados. Isso subverte meu senso de valores.
7 – Não me protejam das consequências. É bom que, de vez em quando, eu aprenda sofrendo na própria pele.
8 – Não se sintam chocados quando eu digo “Odeio vocês”. No fundo, não são vocês que odeio, é seu poder de me contrariar.
9 – Não liguem muito para certas dorzinhas de que às vezes me queixo. Quase sempre não passa de um truque para conseguir a atenção de que preciso.
10 – Não sejam ranhentos comigo. Do contrário, para me proteger, serei obrigado a parecer surdo às suas reclamações.
11 – Não se esqueçam de que não sei ainda me exprimir tão bem quanto desejaria. Esse é o motivo por que nem sempre sou muito exato em minhas explicações.
12 – Não façam promessas irrefletidas. Lembrem-se de que fico tremendamente frustrado quando uma promessa não é cumprida.
13 – Não tabelem muito alto meu grau de honestidade. Isso facilmente me assusta a ponto de me levar a dizer mentiras.
14 – Não sejam incoerentes. Isso cria em mim uma confusão tal que me faz perder a fé em vocês.
15 – Não digam nunca que meus medos são bobagens. Para mim, eles são terrivelmente reais, e vocês contribuirão para me dar segurança se tentar entendê-los.
16 – Não me descartem quando faço perguntas. Senão eu paro de lhes perguntar as coisas, e você vai descobrir que agora busco minhas respostas em outros lugares.
17 – Não queiram parecer nunca como perfeitos ou infalíveis. Para mim, será um choque forte demais descobrir que vocês não são nenhuma das duas coisas.
18 – Não pensem jamais que cairão do pedestal de sua dignidade perante mim se tiverem que me pedir desculpa. Saibam que uma desculpa honesta só faz aumentar surpreendentemente minha cálida atmosfera de intimidade com vocês.
19 – Não se esqueçam do quão depressa estou crescendo. Deve ser duro para vocês acompanhar meu ritmo, mas, por favor, tente.
20 – Não se esqueçam de que adoro experimentar. Sem isso, não posso ir adiante, portanto colaborem nisso.
21 – Não se esqueçam de que não posso florescer senão com um bocado de amor e compreensão. Mas isso não preciso lhe dizer, preciso?
Embora nossos filhos já tenham crescido, estes recados devem se manter. E se resvalamos em alguns deles, tá na hora de retomar essa posição de pai e mãe, e agir conforme deveria ter agido há muito tempo. Nesses recados tem coisa que não tem mais como voltar atrás quando o filho já é grandinho, como por exemplo, naquilo que toca a questão dos medos infantis, mas quantos medos nós adultos não temos, não é verdade?
Ainda que já criados, ainda que malcriados, podemos resgatar essa relação com este filho. Para isso é importante que investigue onde deixou essa criação se partir, voltar lá e reconhecer que algo precisa ser feito, pois antes tarde que nunca. É preciso aceitar que o empenho se redobrará porque vai ter que mobilizar as próprias ações, mudando as atitudes. Nesta caminhada estamos refletindo bastante sobre a questão da família e essa é uma boa oportunidade para reconhecer as falhas e admitir a necessidade de transformação interior.
O próximo passo é confiar e investir na mudança pessoal para plantar novas sementes e colher frutos mais saudáveis. E mesmo que a insegurança bata à porta, devemos procurar entregar esse novo jeito de ser nas mãos de quem verdadeiramente consegue perceber as nossas fragilidades. Deus nos dá essa oportunidade e Jesus Cristo mantém viva essa esperança. Será que somos capazes de mudar o nosso jeito de ser e pensar por amor aos nossos filhos?
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade da Diocese de Blumenau