Após termos enfatizado bastante sobre o primeiro passo na semana passada, reafirmo que estamos fazendo uma caminhada que não se consegue fazer sozinho. A Pastoral da Sobriedade se faz presente para os dependentes e familiares. O seu principal movimento são os grupos de auto-ajuda. Esta tem sido a dimensão que mais se aproxima dos problemas que as famílias enfrentam com relação às drogas. Enfatizo esta questão porque são nos grupos de auto-ajuda que as pessoas encontram outras pessoas que passam pelo mesmo drama.
É impossível o ser humano se ver numa situação tão desgastante e pensar que pode suportar a dor com a convicção de que vai sair inteiro. Já no passo admitir na semana anterior, compreendemos que a nossa primeira reação era negar que tais fatos pudessem acontecer dentro da nossa família. A angústia é tão grande, a decepção é tão intensa, a vergonha é tão humilhante, que preferimos não enxergar a realidade das coisas como elas são.
Com a nossa cegueira, deixamos também de enxergar que o dependente é uma pessoa adoecida, que não tem estrutura para dar conta da sua doença sozinho, pois ele mesmo está optando pela morte do corpo e do espírito. Sendo assim, nós, enquanto familiares, temos a obrigação de tomar as rédeas da situação. Ora, se estes entes queridos em sua condição de dependência já não vivem uma vida de trabalho, de conduta regular, de atendimento às normas mais simples de subsistência, como os horários, a higiene pessoal, a relação familiar, o compromisso profissional, o cuidado com os filhos, enfim, se esta pessoa agora se encontra num estado de desleixo para consigo, se essa pessoa tenta o tempo todo manipular para conseguir dinheiro a qualquer custo, se ela vive ausente de casa, perambulando sem trabalho, com parceiros duvidosos, que mais certezas precisamos ter para tomar uma atitude concreta com relação a nossa vida?
Como assim, mas por que temos que tomar uma atitude com relação à NOSSA vida? Não será na vida deles que teremos que mexer? É preciso entender que quem está enxergando tudo isso somos nós e não eles. Por causa de dependência dos nossos familiares a nossa vida se transformou num caos. Daí como disse antes, primeiro negamos e nos tornamos cegos. Mas o disconfiômetro nos aponta sempre alguma particularidade. Então, o nosso sofrimento agora tem nome e se chama a pessoa que a gente ama e não quer perder. O desespero nos invade e começamos também a bater cabeça sem saber para onde ir ou o que fazer.
Assim, acontece a Pastoral da Sobriedade na nossa vida e nos convida a assumir outros posicionamentos. Ela nos oferece estes grupos de auto-ajuda para que não nos sintamos isolados, pensando que esse infortúnio não tem solução. Este convite vem trazer aos familiares a possibilidade de falar sobre questões que é comum das pessoas que dele participam. Nele, não há como não acolher as dores que as drogas causam. O sofrimento é tudo o que se tem para contribuir. Queridos familiares, não estamos sozinhos nessa. Nos grupos de auto-ajuda podemos tirar todas as nossas dúvidas e abrir nosso coração sem receios porque eles existem para fortalecer as práticas do dia-a-dia, estruturar as emoções, informar sobre a dependência e seus desajustes, colaborar com a construção pessoal, inspirar o encontro com a nossa própria espiritualidade.
É preciso encarar a realidade dos fatos e aceitar que este nosso dependente já não está mais ao nosso alcance. Não é segurando em suas mãos ou acorrentando ele que vamos impedi-lo de consumir. Ele já cresceu, já se entende como dono do seu nariz, embora viva debaixo da saia ou das calças dos pais ou dos companheiros. A opção de cuidado agora precisa ser completamente diferente. Sabemos que por mais que dialoguemos, e por mais que eles nos prometam que vão fazer diferente, as coisas também não acontecem desta maneira. A situação não muda se ela ficar apenas no desejo e na esperança.
As mudanças precisam ser reais e não importa por quem vai começar. É importante esclarecer que os primeiros a tomar iniciativa geralmente são os familiares, que assumem corajosamente que vivem com problemas com drogas dentro de casa e que querem tomar alguma atitude para resgatar a família que fora, antes de tudo isso acontecer. Para tanto, é convidado a fazer a caminhada dos doze passos e compreender melhor o que representa cada passo, e como toda essa questão tem a ver consigo.
Então, começando pelo passo admitir, buscamos enfrentar o que realmente nos acontece e o que temos a ver com tudo isso. A mudança precisa começar. Quem se habilita? Um familiar nos respondeu outro dia: por meu filho sou capaz de fazer qualquer coisa. Ok, vamos começar a rever sobre os próprios vícios, sobre as próprias falhas, sobre os tantos erros que temos cometido até então. Mas o que isso tem a ver? Pergunta ele. O primeiro passo é buscar a nossa própria sobriedade. Sem ela, sem o esforço para a nossa mudança individual, como vamos ter condições de participar do processo de mudança do outro?
Outro dia, falando com uma pessoa que se percebia super organizada, limpa e detalhista em todos os afazeres, não conseguia aceitar que as outras pessoas poderiam ser diferentes dela. Ela por sua vez, se assumia como aquela que estava sempre correta nas atitudes que tomava e passou a se irritar quando as pessoas de suas relações não seguiam o seu exemplo de limpeza. Afirmava que estava sempre fazendo as coisas com boa vontade para que eles pudessem mudar. Sugeri a ela que começasse ela própria a mudar. Seu semblante se partiu com um prato quando cai no chão e se quebra em vários pedaços. Mas como? Questionava ela. Eu sei que sou exagerada, mas o meu exagero não faz mal nenhum. Então por que você se sente tão irritada? Escutei mais um prato se quebrar.
As nossas ações precisam ser revisadas, pois estamos sempre nos dando conta das ações dos outros e esquecendo sempre de nos comprometer com as nossas próprias. Criamos um painel de valores em que os erros dos outros estão numa linha sempre acima da nossa. Os nossos são fichinha diante das coisas cabeludas que as pessoas fazem. Mas é bom lembrarmo-nos que a gente às vezes tem vícios tão difíceis de livrar quanto o vício das drogas. E esta experiência só podemos torná-la concreta se vivenciarmos, se aceitarmos que temos muito que mudar em nós mesmos.
Hoje trazemos o passo confiar que nos ressalta que não estamos isolados, que não somos sozinhos. Estamos abrindo um espaço para novas oportunidades. Depois da aflição que foi reconhecer as nossas falhas, podemos contar com a Palavra de confiança que nos enriquece, que nos aproxima de Deus Pai. Ele nos chama de filhos e nos quer consolar. Se não confiamos a nossa vida em suas mãos, como vamos poder prosseguir? Se queremos ser uma pessoa nova a partir do reconhecimento de que precisamos dar o primeiro passo é necessário nos deixar moldar.
Já tentamos fazer o caminho por nossa conta, já fomos egoístas e nos deixamos contagiar pela arrogância de estar fazendo o que é certo, fazendo julgamentos sobre os nossos irmãos. Agora é hora de olhar para nós mesmos e aceitar que nos tornamos pequenos demais para as atitudes vazias que vínhamos tomando. Embora a dor de reconhecer a nossa contribuição diante dos fatos exista, temos a opção de fazer o caminho de volta e reagir com atitudes que possam trazer a reflexão da nossa vida, e em consequência, da vida daqueles que convivem conosco.
Todavia, é preciso confiar, é preciso acolher Deus em nosso coração como Aquele que nos transforma, e deixá-Lo agir em nós. Como já disse outrora, não acontece o confiar se desconfiamos. É como o sim e o não. Este momento vai nos servir para aliviar as nossas tensões, pois é hora de permitir que o Senhor invada a nossa vida com intensidade e remova todas as desesperanças, todas as inseguranças, basta abrir o nosso coração.
Malena Andrade – Psicóloga assessora da Pastoral da Sobriedade de Diocese de Blumenau